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Censura: casos iguais, sentenças opostas

Chamou a atenção no episódio de censura à revista "Isto É", a simultaneidade entre a decisão da justiça de primeira instância cearense ,e outra, do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que no mesmo dia liberou o site Consultor Jurídico da proibição de divulgar a condenação de atores de um espetáculo teatral.

Por João Bosco Rabello
Atualização:

As duas sentenças interpretam de forma oposta a publicação de informações sobre segredo de justiça. Enquanto a magistrada cearense Maria Marleide Queiroz justificou a decisão de impor à revista a retirada de matéria sobre o depoimento do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, com o segredo de justiça do processo, Mello sustenta que o zelo pelo sigilo é dever do Estado e não da imprensa.

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O ministro do Supremo derrubou decisão da juíza Fernanda Queiroz que proibira o site Consultor Jurídico de veicular informações sobre a condenação de autores da peça "Edíficio London", baseada no assassinato da menina Isabella Nardoni, em São Paulo, de grande repercussão nacional.

O argumento da juíza de São Paulo foi o de que a ação da mãe de Isabella, de danos morais, que resultou na proiibição da peça, corre em segredo de justiça. A juíza cearense usa o mesmo argumento para proibir a "Isto É" de veicular reportagem com base em informações sobre a delação premiada de Costa que, entre outros nomes, apontou o do governador do Ceará, Cid Gomes, como beneficiário do esquema de corrupção na Petrobrás.

A pedido de Gomes, a juíza proibiu a circulação da revista com a matéria sobre o depoimento de Costa, já publicada anteriormente por Veja, sem menção ao governador cearense. A "Isto É" divulgou sua edição com a informação de que obtivera novos nomes mencionados por Costa no mesmo depoimento.

A visão do decano do STF , embora tenha a força de um ministro da mais alta Corte do país, não é pacificada no Judiciário. No próprio STF há quem considere a questão polêmica sob o argumento de que essa posição equivale a admissão de lque a liberdade de imprensa pode ser absoluta.

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O próprio acórdão resultante da sessão do STF que extinguiu a Lei de Imprensa gerou mal estar entre os ministros à época. Alguns consideraram que a redação do acórdão, que deveria refletir o julgamento, não foi fiel aos votos expressados durante a sessão.

Essa cisão ficou clara quando, dias depois, o STF se esquivou de decidir sobre a censura imposta ao jornal O Estado de S.Paulo, proibido de veicular matérias sobre a investigação da Polícia Federal que envolvia o empresário Fernando Sarney, filho do senador e ex-presidente da República, José Sarney.

A censura, decretada há cinco anos e não resolvida até hoje, se deu sob a alegação de que o processo relativo ao empresário corria em segredo de justiça e, por isso, o jornal estaria violando regra jurídica que poderia lhe inserir no crime de desobediência judicial.

Extinta a Lei de Imprensa, a Constituição passou a ser o texto de referência para a liberdade de imprensa e a legislação ordinária o caminho para aqueles que se sentirem ofendidos de alguma forma por matéria jornalística. Esse foi o entendimento declarado à época, por exemplo, pelo ministro Ayres Britto.

Como se vê a polêmica está longe de uma pacificação nos tribunais, embora decisões do STF devessem gerar efeitos para as instâncias inferiores numa espécie de súmula vinculante. É, inclusive, o que a Corte persegue há algum tempo, exceção para a questão da liberdade de imprensa, em que as posições são ainda contraditórias.

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Não deveria haver a polêmica se considerados os recursos para reparação e indenizatórios à disposição dos que se sentirem caluniados ou atingidos de alguma forma pela divulgação de notícias falsas, distorcidas ou simplesmente equivocadas.

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Não são poucos os exemplos de ações vitoriosas de recorrentes contra a imprensa, sem que fosse preciso lançar mão da censura à informação. Nos casos mencionados, surge mais estranho ainda que se tente atriobuir ao jornalista qualquer compromisso com o segredo de justiça, sendo ele um profissional da notícia.

O guardião do segredo de justiça é, evidentemente, o Estado, não sendo extensivo esse dever a qualquer cidadão. Como já disse alguém, o ofício do jornalismo inclui desvendar segredos e não dividí-los com representantes do Estado.

No mais, vale sempre lembrar que parcela da responsabilidade pelo longo período de distorção do foro especial, prerrogativa de autoridades denunciadas, se deve à banalização do segredo de justiça funcionando como blindagem a políticos.

Após o mensalão, que interrompeu esse ciclo de impunidade, deixou de ser atraente para os políticos porque na medida em que passaram a ser efetivamente julgados, o foram em caráter final, sem possibilidade de recurso, já que seus processos nasceram e morreram na mais alta Corte, a última instância recursal.

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