A Câmara não dispensou a folga nacional na quarta-feira para ver o jogo da seleção brasileira, mas, antes, agiu objetivamente em dois casos, com resultados concretos, ambos ligados à corrupção, queixa que move a maioria dos manifestantes.
Despachou a emenda constitucional que retirava o Ministério Público das investigações, a chamada PEC da Impunidade, e estabeleceu rito sumário para a cassação do deputado Natan Donadon (PMDB-RO), que teve a prisão decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para cumprir uma sentença de 13 anos em regime fechado.
As duas providências se inserem no contexto do combate à corrupção, causa maior da ineficiência do Estado, por sua vez, a síntese dos protestos de rua. Pode-se alegar que assim agiu sob pressão, mas o fato é que abandonou o corporativismo que tentava cercear as investigações sobre parlamentares e estabeleceu um parâmetro para a cassação dos mensaleiros já condenados pelo STF.
Melhor que tenha se submetido à pressão nesses casos de escandalosa autoproteção e descompromisso com os deveres de representantes dos interesses da população. Não por virtude, mas por necessidade, fez o que deveria ter feito há muito tempo.
Já o jejum de futebol do Senado, no dia em que a seleção brasileira disputava a semifinal da Copa das Confederações, foi apenas a primeira fase do marketing que orientou a reação às manifestações. O sacrifício da abstenção não produziu resultados e percorreu o caminho dos gestos de impacto.
A elevação da corrupção para a categoria de crime hediondo repete a velha fórmula de mais legislação contra a impunidade, quando esta não depende da ausência daquela. A corrupção não se instala e se alastra por penas insuficientes ou por falta de leis, mas pela não aplicação das existentes e pela negligência como método de proteção aos maus homens públicos.
Foi opção populista do Senado. É muito provável que a pauta das ruas não inove em quase nada o temário nacional. Não é leviano arriscar que mais de 90% das reivindicações encontram sintonia com iniciativas legislativas abortadas por falta da chamada vontade política. Algumas delas portadoras do indispensável fator inibidor, um antídoto essencial contra a certeza da impunidade.
É o caso, por exemplo, de projeto do deputado Miro Teixeira (PMDB-RJ), que remete para júri popular os casos de corrupção, o que levaria servidores públicos, em todos os níveis, envolvidos em malfeitos, a julgamento por representantes do povo, a quem também representam, mas que se deixaram levar por interesses próprios e escusos.
Já o Executivo, com sua assembleia constituinte exclusiva, puxa o cordão do populismo. Agora, obrigado a recuar da iniciativa, parte para o plebiscito para "legitimar" a reforma política, como se seu histórico adiamento dependesse em algum momento dessa consulta.
Quer o plebiscito porque este aprovará a iniciativa que resultará na reforma que o governo quer fazer passar com a força de sua extensa base. O referendo, rejeitado pelo governo, inverte a ordem das coisas e submete a reforma à aprovação popular depois de concluída pelo Congresso.
Ou seja, Executivo e Senado permanecem orientados pelo marketing, o que não é bom presságio. As manifestações não cessarão, apenas ocorrerão em ritmo estratégico e com o risco de uma pauta customizada: a cada passeata uma reivindicação, por ordem de prioridade, por segmento de interesse, enfim estabelecendo uma pauta para o Congresso cumprir.
Melhor tomar a iniciativa com o que já se tem.