Banho-maria em CPI não poupa governo

A articulação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o Planalto para adiar ao máximo o funcionamento da CPI da Petrobras é apenas parte de uma estratégia que guarda para as próximas semanas seu momento mais intenso.

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Por João Bosco Rabello
Atualização:

Por enquanto, Renan consegue esticar ao máximo a discussão regimental que precede a instalação da comissão - e, mesmo, ampliar a confusão em torno das duas formas de CPI, do Senado ou mista.

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A orientação é levar ao extremo a tática de ganhar tempo. Vale até a contradição do presidente do Senado de anunciar a CPI, fingir pressa para sua instalação e, ao mesmo tempo, recorrer ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão da ministra Rosa Weber que determina o foco exclusivo na Petrobras.

A segunda etapa do banho-maria será convocar personagens alheios ao caso da Petrobras, como alguns citados no processo do metrô de São Paulo e da refinaria Abreu e Lima, embora a iniciativa signifique descumprir a decisão da ministra.

A condução de Renan, alinhada ao Planalto, já não corresponde ao cenário de fragmentação da aliança nacional pró-Dilma, determinada pelos reflexos de sua queda nas pesquisas junto às bases eleitorais, já mergulhadas na costura das alianças regionais.

Prova disso é a discussão acalorada entre Renan e o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), que sentiu a restrição do senador aos nomes mais alinhados com a oposição que pretende indicar para uma eventual CPI mista.

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Cunha, além do conflito pessoal com Dilma, reflete o ambiente do PMDB do Rio, dividido desde a consolidação da candidatura do senador Lindbergh Farias (PT) ao governo estadual, rompendo a aliança com o PT, que elegeu Sérgio Cabral duas vezes.

Enquanto o governo assume o ônus de inviabilizar a CPI, as investigações sobre a Petrobras e outros malfeitos cumprem o papel que se quer evitar com a procrastinação dos trabalhos da comissão parlamentar. O noticiário não deixa que o assunto caia no vazio.

Exemplos não faltam. O mais recente, publicado pelo jornal O Globo na edição de hoje, mostra o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, insistindo na linha de cobrar a responsabilidade da presidente Dilma na aprovação da compra da refinaria de Pasadena, como já o fizera o presidente da Petrobras à época da operação, Sérgio Gabrielli.

Em depoimento à comissão interna da Petrobras, Cerveró investiu contra a argumentação de Dilma de que foi induzida a erro por omissão de informações importantes no resumo apresentado ao Conselho, entre as quais, as cláusulas "Marlim", que garantiu rentabilidade de 6,9% à Astra, e a "put option", que obrigou a Petrobras a comprar integralmente a refinaria.

Cerveró disse que os documentos estavam à disposição do Conselho e eram complementares ao resumo técnico que baseou a decisão dos conselheiros. Disse, em outras palavras, que o Conselho não poderia ter se baseado apenas no resumo de sua autoria, mas recorrido a subsídios em posse da diretoria executiva da empresa.

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Trocando em miúdos, por essa versão, Dilma e os demais membros do Conselho aprovaram com base no resumo técnico porque assim preferiram, mas não desconheciam a existência e a disponibilidade de conteúdo mais detalhado e consistente.

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O depoimento interno do ex-diretor teve o merecido destaque jornalístico, de meia-página. Se feito numa CPI, necessariamente puxaria outros fatos e depoimentos, provavelmente também documentos, que dariam maior relevância à aparente contradição entre a posição da presidente e a do ex-diretor, com destaque ainda maior.

O episódio, como muitos outros anteriores, mostra que mesmo não instalada a CPI, o caso Petrobras produz danos diários à imagem do governo. Além do contrato assinado pelo Ministério da Saúde com o laboratório de fachada do doleiro Alberto Youssef, cujos efeitos foram interrompidos pela denúncia, e que abala a candidatura do ex-ministro Alexandre Padilha ao governo de São Paulo.

O governo não consegue sair da agenda negativa que ele próprio produziu, possivelmente porque não tem tempo, ambiente político e recursos para gerar fatos novos capazes de, pelo menos, rivalizar com a sucessão de denúncias, em sua maioria consistentes.

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