A ditadura da popularidade

O PT abortou ontem uma sessão da Comissão de Relações Exteriores da Câmara na qual seria votada uma moção de solidariedade a Orlando Zapata, o dissidente cubano morto na cadeia e criticado pelo presidente Lula por fazer greve de fome.

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Por João Bosco Rabello
Atualização:

 Foto: Estadão

O trabalho sujo coube ao desconhecido deputado do Acre, Nilson Mourão, que conseguiu ser mais realista do que o seu rei (Lula, no caso), e sapecou que Zapata era um preso comum.

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Mourão também não deixou ser votado um convite (não era convocação) para que o ministro Paulo Vanucchi explicasse o seu polêmico Plano Nacional de Direitos Humanos.

Mourão está mobilizado para impedir debates inconvenientes ao governo, na contramão da história de um PT que já teve nos debates sua principal arma contra a ditadura.

Eram outros tempos, fora do poder. Hoje, se ocorresse a sessão, o partido teria que explicar como qualifica Zapata de preso comum, se nem Cuba o fez.

E como qualifica Cesare Battisti, foragido da justiça italiana que o acusa de quatro homicídios, como perseguido político. Zapata morreu na cela de uma ditadura. Battisti fugiu de um país onde vigora o regime democrático.

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Em recente entrevista ao Estadão, Lula disse quenão se deve dar importância a tudo que é produzido dentro do PT, porque o partido é uma "feira ideológica".

E que ele, Lula, movido pelo senso de realidade que o exercício do poder impõe, administra esses excessos do partido. Portanto, não há motivo para preocupações com a fábrica de factóides petista, diz o presidente.

Tese furadíssima e preocupante para um futuro próximo que pode ter Dilma Rousseff  na Presidência. A pergunta óbvia é se Dilma, estranha no ninho do PT, terá condições de administrar a fábrica ideológica a que se refere o presidente.

Mas, feito o parêntese, no caso específico do cubano Zapata o excesso é do presidente que diz controlar os excessos. E quem o administra, então? Ninguém, o que o torna um semideus.

O certo é que o movimento em direção a uma ruptura gradual com a tradição diplomática brasileira relativiza perigosamente o conceito de não intromisssão em assuntos internos de outras nações, para submetê-lo a uma seletividade ideológica.

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Para não criticar o ditador Fidel Castro, o bordão da não intromissão é levantado e pede-se respeito à soberania cubana. Para Honduras não vale o mesmo e o Brasil vira agente externo ativo em favor de um dos lados do conflito.

Os 80% de popularidade de Lula tornaram o PT e a base aliada uma frente domesticada e a oposição um aglomerado de almas constrangidas pelo patrulhamento ideológico e temerosas de perder votos se exercer seu papel.

Forma-se assim uma falsa unanimidade (que como se sabe é burra), resultante da ação dos militantes que apóiam o governo e da omissão dos que não se comprometem com o saudável exercício da crítica.

É esse constrangimento que explica a uniformização do discurso político, sempre de esquerda, não importa qual o partido, nem  o personagem e nem seu comportamento.

E explica que o maior símbolo do capitalismo, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, concorra ao governo por um partido socialista, assim como o PT, que se jacta de ser a verdadeira esquerda, condene o aborto e apóie ditaduras notórias, chegando mesmo a esse alinhamento com o Irã.

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