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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

Terra de justiceiros

Por Humberto Dantas
Atualização:

É impossível sonhar em relatar uma parcela expressiva dos casos de cidadãos que entendem que fazendo justiça com as próprias mãos estão sendo justos. Esse universo é imenso. Não são poucos os vídeos disseminados nas redes sociais com ar de orgulho por alguns - e diga-se de passagem em necessário tom de indignação por outros - onde bandidos são amarrados a postes ou mesmo linchados por cidadãos comuns. O Brasil é um dos países que mais lincha no mundo de acordo com estudos da Sociologia. Por aqui dissemina-se abertamente na TV, em programas sensacionalistas de gente que sonha em ser prefeito da maior capital do país, coisas do tipo "bandido bom é bandido morto". E vai dizer pra quem concorda que não existe "bandido bom", nem vivo e nem morto! O que deve existir é uma boa justiça e uma boa lei. Mas lembremos que aos olhos de parcelas da sociedade certas "leis não pegam". No Brasil, a necessária sensação de justiça e a existência de instituições formais associadas a este sentimento ainda têm grandes desafios pela frente. Dura realidade, duro desafio.

 

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Nesse sentido, a última semana começou e terminou de formas diferentes. Trago aqui um símbolo de onde estamos e de onde precisamos chegar. No Rio de Janeiro uma polêmica sobre o aplicativo Uber levou à interceptação de conversas entre supostos taxistas que estariam dispostos a fazer justiça com as próprias mãos. O objetivo era agredir fisicamente os motoristas do Uber, e isso ficou claro nas diversas falas. A semana começou assim, mas terminou com o governo prometendo endurecer a fiscalização, apreender carros, aplicar multas. Percebe? A despeito de sua posição sobre o uso do Uber, que não tentaremos traduzir aqui, uma coisa é o gesto do justiceiro, a outra é a atitude da justiça. De justiceiro, democracia nenhuma precisa. De justiça nenhuma democracia pode abrir mão.

 

E olha como nos afastamos da democracia em casos extremos! Olha o que ocorre quando abrimos mão do que é formal, para apostarmos em ações à margem da lei e das expectativas geradas pela democracia. Aqui até o justiceiro morreu. E o caso talvez seja mais chocante porque o falecido é fruto do desejo da maioria dos eleitores. Genil Mata da Cruz, e nada de fazer trocadilho com o primeiro sobrenome, foi eleito prefeito de Central de Minas-MG com quase 60% dos votos em 2012 pelo PP. O empresário venceu Gilmar da Farmácia (PDT) em pleito bem tradicional: dois candidatos e a divisão dos cerca de cinco mil votos locais. A coligação de Genil, como era conhecido, dizia: "Acorda Central, acorda floresta, emprego já!". E Genil resolveu "acordar". Indignado com a invasão de sua fazenda por moradores de movimentos que defendem a reforma agrária, ele sobrevoou o acampamento e ao longo do trajeto sofreu acidente que matou os dois tripulantes da aeronave - ele e o copiloto. Veja o que o espírito de afastamento em relação à justiça fez: os invasores acreditam que passando por cima da lei serão ouvidos. Está errado! E o prefeito entende que sobrevoando as barracas também conseguirá resolver o problema a despeito da lei. Mas espere um pouco! O que existe de errado em sobrevoar a própria terra? De acordo com o advogado de Genil ele estava apenas fotografando a extensão da ocupação para reforçar o processo que movia na justiça. Assim, qual o problema? Genil estava acreditando na justiça! O problema é simples: essa é apenas uma versão. A outra dá conta, e foi noticiada em portais como R7 e G1, que Genil bombardeava os invasores. Isso mesmo: o avião cuspia bombas segundos antes do acidente, e dias antes tratores blindados (se é que isso existe e não pode ser chamado de tanque de guerra) lançaram foguetes contra o acampamento. Para completar o cenário bélico existe a suspeita de que o avião tenha sido abatido com tiros. Ao longo do mês de julho, quando o acidente ocorreu, o clima entre as partes envolvidas ficou ainda mais tenso. Assim, onde encaixamos a justiça num universo de justiceiros como estes? Bombardearam, derrubaram e invadiram, literalmente, a justiça...

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