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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

O "vice", do vice do vice-prefeito

Faz alguns meses começou a circular pela internet uma dessas mensagens fantasiosas, feitas por idiotas, sobre política. Entenda idiota no sentido mais filosófico do termo, para manter aqui a educação necessária. A loucura buscava entender o que significava a linha sucessória presidencial, diante da iminente possibilidade de muitos políticos serem presos, processados ou apenas perderem seus mandatos. O "brilhantismo" da brincadeira levada a sério por muitos dizia o seguinte: se Dilma e Temer caírem, se Cunha e Calheiros forem por acaso afastados, a Presidência fica para o deputado federal que mais acumulou votos nas eleições. E esse personagem seria o palhaço Tiririca, ou o deputado Francisco Everardo. Entenda palhaço como profissional da arte, obviamente.

Por Humberto Dantas
Atualização:

Pois é. Isso circulou dessa forma, e cheguei a ouvir perguntas de gente graduada dentro de sala de aula acerca da bizarrice. Cientista político, por vezes, sofre! Primeiro erro assombroso: Tiririca não foi o deputado federal que individualmente mais recebeu votos na atual legislatura sufragada em 2014. Esse posto está com o parlamentar e homem da mídia Celso Russomanno - o que para muitos, se a lógica acima fosse verdadeira, seria igualmente trágico.

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Desfeito o debate gerado por boatos infundados sobre a linha sucessória presidencial, foi conversando com um aluno de um programa de pós-graduação que me veio uma pergunta à cabeça: no plano federal temos uma linha composta por presidente, seu vice, os presidentes das duas casas do Congresso Nacional e o presidente da mais alta casa do Judiciário, o STF. Essa é a efetiva linha de sucessão. São cinco peças. Mas e nas prefeituras? Até onde vai essa linha? A resposta é mais complexa do que eu imaginava: depende. E depende no sentido de que varia de acordo com a cidade. O anfitrião desse assunto é Geninho (DEM), prefeito de Olímpia-SP eleito em 2008 e reconduzido em 2012. Estávamos juntos em Harvard na semana passada fazendo um módulo do curso de Gestão Pública do CLP - Centro de Liderança Pública. Prefeito há quase oito anos e sem férias faz pelo menos quatro, ele resolveu se licenciar para a semana de estudos nos Estados Unidos.

A decisão o levou ao óbvio em sua cidade: "passo o poder pro vice". Mas aqui existem dois problemas. A lei da cidade obriga o vice assumir ("não pode recusar-se a substituí-lo, sob pena de extinção do respectivo mandato"), mas ele estava doente e foi afastado por dez dias. Ademais, pode ser candidato no pleito de 2016, e assumir o poder antes de seis meses das eleições o colocaria sob os holofotes de questionamentos legais. Assim, o substituto imediato passou a vez, e legalmente a solução seria simples pra Geninho: "passo pro presidente da Câmara". A realidade política aqui desafiou a Prefeitura mais uma vez. Como o presidente do parlamento deseja ser candidato, pelo menos, à reeleição, seria juridicamente arriscado assumir o comando da cidade. E agora? A questão sai do plano constitucional e nos resta olhar a Lei Orgânica do Município. E chegamos ao "depende" da nossa questão. Cada cidade tem a sua própria lei, obviamente até que alguma "mente brilhante" no Senado ou na Câmara resolva uniformizar isso e tirar ainda mais autonomia municipal.

Voltando ao assunto de forma direta: quem governou Olímpia na última semana? Simples: o secretário municipal com mais tempo de nomeação no primeiro escalão do governo local. E nova polémica existe aqui: "enquanto o substituto legal não assumir" respondendo pelo expediente da Prefeitura. O que é esse expediente? E quem é o representante legal? A primeira questão é difícil de responder. Qual a autonomia desse substituto? Pode tudo o que o titular pode? Pra sorte das incertezas, a segunda resposta é fácil: Geninho, ora! Ele volta logo mais de viagem e ocupa a cadeira.

Goste ou não, é o que está escrito na lei de Olímpia! Falta apenas descobrirmos quem respondeu. Novo problema. Geninho foi reeleito em 2012 e exonerou todo o secretariado dia 31 de dezembro daquele ano, renomeando cinco membros do seu próprio governo anterior no dia 1 de janeiro. E se esse quinteto renomeado foi empossado no mesmo dia em janeiro de 2009, quem assume o poder? O jurídico entendeu que por questão de continuidade, ou de uma não descontinuidade acentuada, contariam como mais antigos aqueles que entraram no primeiro governo (2009). Mas e a eleição de 2012? Não é uma repactuação? Não teria que ser considerada? Pois é: baita debate. Bom mesmo. Esse sim, e não aquela idiotice preconceituosa sobre Tiririca. Então voltemos: quem responde por Olímpia é o mais antigo secretário com base em 2009. Mas voltemos ao fato de que cinco deles foram nomeados no mesmo dia daquele ano e permanecem no governo até hoje. Pois é: toda nomeação tem data e todo decreto tem numeração. E assim Geninho e sua assessoria resolveram o problema: assumiu o secretário que tomou posse por meio do primeiro documento assinado em janeiro de 2009 - o titular das Finanças. Perceba: Geninho resolveu o problema de Olímpia, mas tal resposta varia de cidade para cidade. A linha comum a todas é: vice-prefeito e presidente da Câmara. Mas em muitas localidades, me ensina o prefeito olimpiense, assume o secretário de assuntos jurídicos. E por que não o de planejamento? De saúde? De educação? Bom, aí corremos o risco de tropeçarmos nos velhos vícios da República dos Bacharéis em Direito, e isso eu deixei de estudar em 2002, quando defendi minha dissertação de mestrado.

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Ps. Uma aluna querida lembra que em Barueri, faz alguns anos, o prefeito deixou o cargo para apoiar seu sucessor em campanha e assumiu o Secretário de Assuntos Jurídicos. Tá vendo?

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