Fui voltar ao Rio já nos anos 2000. Desfilei em escola de samba, fiz passeios, e entendi o sentimento de amor dos turistas. Em 2002 voltei pra fazer uma pesquisa na ALERJ e um deputado estadual queria dividir comigo o dinheiro destinado a cada entrevista que eu, pesquisador jovem da USP, fazia: "quanto você está ganhando pra tomar meu tempo? Vamos dividir parceiro!". Voltei pra casa mal impressionado, bem mal impressionado.
Mais recentemente, a partir de 2009, voltei a ir com certa assiduidade para o Rio de Janeiro. Palestras, aulas, reuniões de negócios na fundação para a qual trabalho. Numa delas abri mão de utilizar aquele táxi especial que vende corridas a preços fechados e extorsivos no saguão do desembargue e fui pra fila dos amarelinhos. Lá esperei alguns bons minutos e embarquei num táxi. Já em curso o motorista começa o diálogo:
- Vai para onde?
- Praça Floriano amigo.
- Mas isso é aqui ao lado. Não dá nem R$ 10 - o táxi já fazia a alça de uma das pontes que circulam o aeroporto.
- Eu sei.
- Mas então vai ter que pagar R$ 20. Não tem condições eu esperar na fila por duas horas e faturar R$ 10 - sentenciou o mafioso.
- Táxi é taxímetro amigo, o que marcar eu pago.
- Então vai descer, e aqui é perigoso.
- Siga. Eu pago - indignado e lembrando o trauma de infância, com um notebook às costas.
Colecionei passagens desse tipo no Rio de Janeiro. Foram várias: bandeira dois em momentos em que isso era proibido, reclamações por subir ladeiras mínimas, caminhos alongados por pura malandragem, negativa de uso do ar condicionado, e a eterna queixa de que a vida estava difícil, dura, sofrida e que paulista tem dinheiro e carioca sofre. Taxista bom no Rio de Janeiro, e em alguns outros tantos lugares do mundo, é raridade. Alguns foram encontrados. Peguei cartão, ligava, mas nunca deu certo conciliar. Uma pena.
Nas Olimpíadas minha relação com o cartão de visita, com o hall de entrada da cidade mudou. É isso mesmo: taxista é cartão de apresentação. Simpatizar com o que te leva pra fora do aeroporto é meio caminho pra relaxar e gostar. Eu tinha acabado de conhecer um aluno do CLP que quando perguntado sobre um problema complexo em gestão pública havia me respondido: "tirar o passageiro do aeroporto do Rio de Janeiro com o sentimento positivo trazido pelo transporte que ele escolheu". Era servidor público municipal e me alegrava saber que alguém estava pesando nisso. Pois bem, deu certo.
Desembarguei na cidade em meio aos jogos. Acionei o aplicativo Uber com gosto de vingança na boca: "nunca mais vou ter que andar de táxi aqui". Fui direcionado para um shopping center (a praia do paulistano) grudado ao Santos Dumont. Cheguei a um estacionamento descoberto e lá estava o "Uber Lounge". Um local seguro onde você facilmente encontra o carro que pediu. Tudo organizado. Sair do aeroporto com ar condicionado, água, bala, música, sem manejar dinheiro, acertar corridas, waze na tela determinando o caminho. Pois bem: essa semana Eduardo Paes, em tom de despedida, sancionou lei que proibiu o uso do aplicativo na cidade - a ideia foi aprovada na Câmara de Vereadores, que a exemplo de São Paulo concentra parte da máfia do táxi. Devem ter ocorrido problemas, deve ter sofrido pressão, deve estar magoado com a derrota acachapante dos seus, deve estar com medo do destino de seu fiador político, mas tenha certeza que rasgou o mais razoável cartão de visitas da cidade. Voltar ao Rio de Janeiro e entrar na cidade pelo aeroporto Santos Dumond volta a ser um sacrifício dominado por uma máfia de maus profissionais, onde existem exceções, mas onde costuma vigorar a regra da malandragem, da safadeza, da corrupção e do que existe de pior para ser mostrado em nosso país. E aí Crivela?