Mas a despeito de toda a polêmica sobre as vias, o que mais incomoda talvez seja a forma como o prefeito se dirige a quem discorda de suas ideias. No mundo acadêmico é assim: por vezes os professores têm dificuldade de lidar com o contraditório, sobretudo quando a opinião vem de quem consideram "menos sabidos". Mas isso é absurdo, e se tripudiar de críticas em sala de aula já é trágico, imagina na vida pública!?! Como representante eleito! Assim, ao que tudo indica o desafio maior do prefeito não é impor vontades e "verdades", mas fazer um exercício da humildade, de reconhecimento de que todos sempre poderão mostrar caminhos e discordar, sem precisarem ser agredidos por isso. Pense nisso prefeito! O senhor está numa posição pública e sempre receberá críticas, e o cidadão não age com sordidez ao discordar do que vê na cidade...
Assim, a realidade é que Haddad não parece muito afeito à prática do diálogo - os acadêmicos em geral têm dificuldade pra isso. Nesse caso: verdades inquestionáveis sob a batuta de quem se acha dono do poder só pode gerar truculência. E o cenário se torna pior se considerarmos onde ele lecionava até o instante em que optou por se dedicar à vida pública: o Departamento de Ciência Política da USP. Palco de grandes personagens públicos entre seus docentes, a despeito de partidos e ideologias, é de lá que deveríamos esperar os mais lúcidos agentes capazes de compreender que não existe sordidez alguma no ato de discordar e criticar. Pelo contrário: é da Democracia, um conceito caríssimo a este universo da academia. Claro que o prefeito pode, e talvez deva, defender as ciclovias: mas ajo de maneira sórdida toda vez que critico ou discordo? E se eu estivesse elogiando? Seria um gênio ou estaria apenas cumprindo com minha obrigação? Pobre democracia. Mas vamos deixar de discursos e falar em exemplos. Trarei mais dois, ambos no Morumbi.
O primeiro na Av. Lineu de Paula Machado, atrás do Jockey Club. Por lá existe a ciclovia à direita. E aos domingos foi mantida a parceria com um banco para a delimitação das ciclofaixas à esquerda. Resultado: direita e esquerda reservadas para as bicicletas. A reserva é nobre, mas precisa mesmo interditar duas pistas para as bicicletas? Claro e óbvio que não. O segundo caso é mais bizarro. Numa rua do bairro acima citado a ciclovia termina num muro. Isso mesmo. Ela atravessa a rua, para na sarjeta e quando olhamos para a frente temos calçada e muro. Deve haver algo reservado para quem leu Harry Potter ali. Como não o fiz, não sei o que tenho que dizer ou que varinha mágica devo apontar para mudar de dimensão. Se a prefeitura preferir me corrigir e dizer que ali é o começo, fica a dica: escreva "início". Não daria certo! A via tem duas mãos. O ideal, nesse caso, seria fazer um balão ou uma circular. Mas na calçada? E por falar em fazer, o que não falta é ciclovia refeita por conta de árvore sufocada, calçada inviabilizada e dúvidas associadas a travessias de trechos perigosos - tudo isso gasta dinheiro público. E diante desses pontos, a despeito da importância do estímulo ao uso das bicicletas, fica a pergunta: sou sórdido por reclamar tanto? Por criticar a cidade onde nasci e moro até hoje? Se sim, como fiz graduação (Ciências Sociais), mestrado e doutorado no departamento de Ciência Política da USP lamento não ter tido a sorte de ser aluno do prefeito. Uma pena...
Ps. Antes que qualquer pessoa sonhe com o fato de eu ser contrário ao uso de bicicletas, registro que meu nariz, tão torto e feio, é assim porque em agosto de 1990 fui atropelado na Rua Morato Coelho por um carro quando voltava de bicicleta da escola. Tudo o que quero é o respeito aos ciclistas...