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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

O medo

 

Por Eder Brito
Atualização:

Nos últimos dois dias, passei quase 16 horas trancado em uma sala com prefeitos, vereadores, vice-prefeitos, ex-prefeitos, ex-vereadores, deputados, ex-deputados, ex-senadores, professores e pesquisadores da ciência política, administração pública, enfim... um grupo de trabalho, que tentava descrever e enumerar alguns dos (milhares) de desafios da política municipal em 2016. Foram dias produtivos. Antes de mais nada, era a celebração de um trabalho, de uma organização, um reencontro, uma confraternização. Um momento bonito, mas também bastante realista.

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Tenho a péssima mania de insistir na leitura das entrelinhas. E elas mostram a impossibilidade do otimismo. Revelam um clima desconfortável, que pode chegar ao sufocante, incerto, duvidoso e até desesperador em alguns casos. São histórias e estórias que têm o medo como ingrediente comum. É o medo de cometer erros. O medo de ter a relação com a família sacrificada por culpa da política. O receio de sucumbir à pressão que o Poder Judiciário tem feito sobre quem decide adentrar a vida político-partidária no Brasil. O medo de não corresponder às expectativas de servidores públicos e de eleitores. Em alguns casos, como ouvi de uma ex-vereadora no almoço há até o medo de morrer. Veja alguns casos recentes na Região Metropolitana de São Paulo e no interior paulista e não será difícil encontrar alguns exemplos de prefeitos assassinados de 2010 pra cá, em crimes motivados por conta do cargo do sujeito. Triste. Assustador.

O mesmo medo que aflige os que já deram esse passo, aflige também quem nem entrou na vida pública ainda. Afugenta essas pessoas, na verdade. Quem tem vocação ou um espírito comunitário que naturalmente deveria conduzir ao exercício da representação política, acaba preferindo o terceiro setor, um "empreendimento social", um "negócio social". É mais seguro. É melhor para a imagem. E, claro, faz diferença também. Precisamos da sociedade civil organizada, atuando nessa esfera. Mas quantos ótimos líderes políticos e representantes perdemos nessa triste dinâmica?

Com o atravancado, mas já iniciado processo de votação do impeachment da Presidente Dilma Roussef, surge um novo medo no rol dos atuais, antigos e futuros prefeitos e prefeitas do Brasil: a responsabilidade fiscal. Se isso se configurar efetivamente em motivo para afastar a Presidente do país, não tenho dúvidas de que isso vai influenciar muitas interpretações e abrir precedentes para muitos processos Brasil afora. Já é difícil. Muitos prefeitos terão problemas com a Lei Ficha Limpa em 2016. É muito difícil equilibrar as contas municipais e não incidir em improbidade administrativa com a pressão que a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe às Prefeituras, junto com os baixos repasses do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), verbas "carimbadas" e muitas obrigações constitucionalmente impostas a máquinas administrativas com baixa capacidade financeira e de gestão (só pra resumir muito rapidamente alguns problemas).

Em menos de um ano, milhares de brasileiros e brasileiras tornar-se-ão candidatos, com vontade de assumir Prefeituras e Câmaras Municipais em 5570 cidades brasileiras. Terão vencido esse medo. Quais são os motivos que os levaram a tomar uma decisão tão claramente difícil como essa? A resposta está na história de cada um e é fácil perceber os reais interesses de uma pessoa pela vida pública a partir daí.

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