Surge assim o segundo grande problema. Você já imaginou ser presenteado com uma Ferrari por um amigo "mão aberta"? Seria lindo! Pelo menos nos minutos iniciais atrelados à emoção. Mas você tem recurso para pagar o IPVA do monstro? E arcar com o seguro? Está preparado para levar os amigos e sobrinhos pra dar um "rolêzinho"? Ou vai passar a ser considerado o antipático, egoísta e arrogante da turma? Complicado.
Pois é. O governo federal acha que ajuda muito distribuindo creches, unidades de saúde e maquinários agrícolas aos seus mais de 5,5 mil primos pobres. Por sinal, o governo ama fazer essas benesses e discursar em eventos em que mais se parece com tratador de marreco jogando farelo para o bando gracitar feliz. Chamemos de primos pobres aqui a imensa maioria dos prefeitos desse país. Saiba que 5 mil cidades, isso mesmo, 5 mil cidades brasileiras têm menos de 50 mil habitantes e vivem com mais de 80% de seus recursos transferidos por estados e, sobretudo, pela União. Receitas exclusivamente próprias? Menos de 10% do bolo. Uma miséria só, ou melhor, uma dependência assustadora.
Não à toa em dezembro um piauiense se queixava ao jornal O Estado de S. Paulo do custo do conjunto de máquinas doado pelo PAC Equipamentos do governo federal. Como assim, "custo da doação"? Tome o exemplo da Ferrari. Seu amigo te deu o carrão, mas não espere dele o combustível, o seguro, o imposto e tudo o mais. Assim, uma motoniveladora, uma retroescavadeira, um caminhão-pipa e uma pá-carregadeira custam, por mês, de acordo com José Lopes Filho, o prefeito entrevistado, R$ 20 mil mensais - inclusos os salários dos operadores e o combustível. Diante de tamanha tragédia, Zezinho, como é conhecido, foi reeleito pelo PTB em 2012 e vive o drama de administrar a cidade, que pelo seu nome é capaz de explicar tudo: Caridade do Piauí. É assim que vivem os municípios nesse perverso pacto que mal distribui os recursos: de pura caridade. O efeito cultural disso é tão assustador que o prefeito declarou que o governo federal deveria dar apoio financeiro para a manutenção. Mais caridade? Pelas caridades! Pois é... ao invés de uma profunda reforma vivemos sonhando com a boa vontade de um governo central, ou melhor, "federal".