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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

'Pelas caridades'!

No Brasil o pacto federativo é alvo de questionamentos antes mesmo de o país se tornar uma nação legalmente federativa. O legalmente é importante na frase, pois há quem diga que a despeito do caráter formal daquilo que nos caracteriza desde o fim do século XIX é impossível pensar num federalismo com a distribuição de recursos que temos até hoje. Assim, antes de o golpe militar de 1889 expulsar a família real do poder, a princesa Isabel já reclamava mais recursos para a administração local com o pai. O choro, assim, vai completar mais de 125 anos sem ser ouvido. Fingindo-se surdo o governo federal, ao longo dos anos, tem contemplado as cidades com políticas públicas nacionais e centralizadas incapazes de ler o país como um todo e distribuir equipamentos - creches, unidades de saúde, maquinário agrícola e tudo o mais.

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Por Redação
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Surge assim o segundo grande problema. Você já imaginou ser presenteado com uma Ferrari por um amigo "mão aberta"? Seria lindo! Pelo menos nos minutos iniciais atrelados à emoção. Mas você tem recurso para pagar o IPVA do monstro? E arcar com o seguro? Está preparado para levar os amigos e sobrinhos pra dar um "rolêzinho"? Ou vai passar a ser considerado o antipático, egoísta e arrogante da turma? Complicado.

 

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Pois é. O governo federal acha que ajuda muito distribuindo creches, unidades de saúde e maquinários agrícolas aos seus mais de 5,5 mil primos pobres. Por sinal, o governo ama fazer essas benesses e discursar em eventos em que mais se parece com tratador de marreco jogando farelo para o bando gracitar feliz. Chamemos de primos pobres aqui a imensa maioria dos prefeitos desse país. Saiba que 5 mil cidades, isso mesmo, 5 mil cidades brasileiras têm menos de 50 mil habitantes e vivem com mais de 80% de seus recursos transferidos por estados e, sobretudo, pela União. Receitas exclusivamente próprias? Menos de 10% do bolo. Uma miséria só, ou melhor, uma dependência assustadora.

 

Não à toa em dezembro um piauiense se queixava ao jornal O Estado de S. Paulo do custo do conjunto de máquinas doado pelo PAC Equipamentos do governo federal. Como assim, "custo da doação"? Tome o exemplo da Ferrari. Seu amigo te deu o carrão, mas não espere dele o combustível, o seguro, o imposto e tudo o mais. Assim, uma motoniveladora, uma retroescavadeira, um caminhão-pipa e uma pá-carregadeira custam, por mês, de acordo com José Lopes Filho, o prefeito entrevistado, R$ 20 mil mensais - inclusos os salários dos operadores e o combustível. Diante de tamanha tragédia, Zezinho, como é conhecido, foi reeleito pelo PTB em 2012 e vive o drama de administrar a cidade, que pelo seu nome é capaz de explicar tudo: Caridade do Piauí. É assim que vivem os municípios nesse perverso pacto que mal distribui os recursos: de pura caridade. O efeito cultural disso é tão assustador que o prefeito declarou que o governo federal deveria dar apoio financeiro para a manutenção. Mais caridade? Pelas caridades! Pois é... ao invés de uma profunda reforma vivemos sonhando com a boa vontade de um governo central, ou melhor, "federal".

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