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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

Nada de folia 2

Não vou ser mentiroso. Confesso! Quando era mais jovem adorava um Carnaval. Achava bacana demais ir para cidades do interior e participar da folia com amigos. Bebia, fazia graça, beijava na boca e aprontava bastante. Mas a maturidade bate, a sensibilidade se aguça e a gente começa a perceber algumas coisas que merecem atenção especial. Não vou aqui falar do quanto os rapazes, por vezes, desrespeitam as moças. Isso é assunto delicado e muito bem tratado, por exemplo, pelo trabalho da Dra. Rosana Chiavassa, que conheci dia desses numa palestra que demos em conjunto para um grupo de mulheres. Vou falar em dinheiro público - e sobre esse mesmo título publicamos texto aqui em fevereiro de 2014.

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Por Humberto Dantas
Atualização:

Quanto as prefeituras de todo o Brasil gastam, empenham, torram com festas carnavalescas? Parte desse recurso faz todo o sentido: movimenta o comércio, agiliza setores associados a serviços e certamente pode findar gerando receitas. Mas uma coisa precisa ser dita: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, por exemplo, atingiam ou superavam a marca de R$ 30 milhões com a folia, cada uma, em 2013. Entre os cariocas parece fazer sentido. Em 2016, por exemplo, a prefeitura espera um milhão de turistas, receitas geradas na casa de R$ 3 bilhões e certamente muitos impostos recolhidos. Em 2014, a capital baiana falava em lucro com a captação de patrocinadores. Previa investir R$ 28 milhões e captar R$ 38 milhões em patrocínios. Aqui parece que nem estávamos falando em impostos e coisas do tipo. Bacana!

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Mas e em cidades pequenas, por exemplo? Compensa investir no Carnaval o dinheiro público? Os mais agitados, os foliões contumazes vão dizer que sim. O povo precisa de alegria, gosta de festa e quer sorrir. Mas cinco noites de farra não poderiam ser trocadas por ações efetivas em termos de políticas públicas? A despeito da crise que torna esse discurso ainda mais relevante, a imensa maioria das cidades não deveria se preocupar com o aprimoramento de políticas públicas de áreas sensíveis como a educação, a saúde, e mesmo o pagamento dos salários dos servidores? Entendo que sim. E não estou sozinho. A exemplo do que ocorreu no Ano Novo, quando destacamos alguns lugares que trocaram os fogos por ações consistentes que não costumam dar xabu, a folia de Momo também foi deixada de lado por algumas prefeituras. Com base em noticiário recente alguns exemplos são interessantes.

Em Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul, nada do brilho das fantasias com dinheiro público. Seguindo determinação do Ministério Público, e depois de gastar cerca de R$ 1 milhão nos três últimos anos, a crise foi utilizada para, sob as "devidas escusas do prefeito", justificar o cancelamento da balada. O MP destaca que só em 2015 foram abertas 133 investigações na área da Saúde. Assim: há coisas mais essenciais - utilizando termo da justiça. O MP também ordenou a suspensão, que já havia sido anunciada pelo prefeito, das festas de Touros, no Rio Grande do Norte. E sugeriu às 184 prefeituras cearenses que honrem dívidas antes de caírem na bagunça.

Em Taquari, Rio Grande do Sul, a desistência representará a utilização dos R$ 190 mil previstos para a realização de exames médicos. Por lá o prefeito reclama que os repasses estaduais estão atrasados. Em Porto Ferreira, São Paulo, os R$ 120 mil vão pra uma ambulância - que um dia, quem sabe, pode até ajudar um folião com aquela dose de glicose. Capivari-SP aposta na mesma fórmula: R$ 100 mil pra combater a dengue e estruturar melhor a cidade. Seriam as eleições o foco maior? Se for, o povo está deixando de louvar festa pra reivindicar direitos? Oxalá!

Ainda em São Paulo, em Águas de Santa Bárbara, a despeito da polêmica e de abrir mão de 30 mil foliões nas ruas por noite, o prefeito cortou os festejos e também utilizou a crise como justificativa. A administração aposta no sossego como novo chamariz, o que também costuma agradar quem sofre em centros mais agitados.

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Cidades como Barreiras, na Bahia, no entanto, não puderam planejar de forma tão racional o uso dos recursos. A festa estava anunciada, mas foi cancelada porque as chuvas levaram a um estado de emergência decretado pelo poder público local. Tomazina, no Paraná, uniu a crise às chuvas na zona rural. A demanda por recursos levou ao cancelamento do Carnaval. Nesses dois casos, a desgraça infelizmente se antecipou. Nos demais, a justiça interviu ou o prefeito entendeu que sem folia pode atender melhor aos direitos essenciais - evitando tantas outras desgraças cotidianas. Avanços?