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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

Mais um capítulo deprimente

No Brasil gostamos tanto de futebol, e emprestamos a ele uma importância tão expressiva, que há quem afirme que um olhar sobre o esporte revelaria muito sobre nossa cultura. Pois concordo, com ressalvas. A despeito delas, vamos adiante. O futebol tem impacto em nossa formação. Ele muda nosso humor, exacerba nossas paixões, é tão desorganizado quanto parte expressiva do que existe por aqui, e é bastante desigual. Por exemplo: existem situações absurdas em que times grandes são perdoados, e os pequenos acabam pagando caro. Os casos de racismo - pois é, assim como o país, o futebol também "reserva espaço" para essa aberração. Pudera, como separar o país, do "país do futebol"? Mas voltemos: no futebol, clubes pequenos têm visto mais a aplicação da lei. Raros torcedores saem presos do estádio como manda a regra quando promovem atos racistas, e isso é bom, é a aplicação da lei - o ruim é funcionar apenas em alguns "raros ambientes". Pois e quando torcedores do Grêmio, por exemplo, ofendem o goleiro do Santos? Aí uma pequena parcela da imprensa gaúcha vem dizer que o juiz errou tanto que levou à fúria alguns animais que assistiam ao jogo. Tá vendo? Nesses termos é impossível conversar. Quando existe tolerância e justificativa para o intolerável e injustificável logo percebemos: estamos num país racista, desigual e hipócrita. Esse último termo fica a cargo do orgulho que alguns têm em dizer, por exemplo, que por aqui não existe racismo. Existe sim.

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Por Humberto Dantas
Atualização:

E se existe no futebol existe no cotidiano, reforçando meu argumento inicial. E se existe no cotidiano é óbvio que existirá na política. Existe até no jornalismo! E não falo da parcela pequena e enlameada da imprensa gaúcha que protegeu os gremistas racistas. Lembro o caso de Paulo Henrique Amorim, ex-Globo, que foi condenado à prisão (convertida em restrição de direitos, como sempre) e indenização a Heraldo Pereira, da Globo. A justiça, que concorda que ele ofendeu, deixou barato. Disse que chamar alguém de "negro de alma branca" e afirmar que essa pessoa não conseguiu demonstrar nada na vida, crescendo porque é "negro e tem origem humilde" caracterizou ofensa, injúria, e não racismo. Opa! Então há racismo até no Judiciário? Não precisa ter muita dúvida. Basta lembrar o que recentemente um magistrado disse sobre as religiões negras no Brasil. Isso encerra e ilustra de forma deprimente o assunto.

Mas e na política? Recentemente o prefeito de Cáceres, no Mato Grosso, foi chamado de racista pelo vereador Café no Bule. O motivo? Veto à lei de cotas em concursos públicos, algo seguido na capital Cuiabá, em São Paulo e em tantas outras cidades. Isso é racismo? Ao que tudo indica é debate político, pois o veto fala em igualdade, seguindo os parâmetros de uma discussão bastante polarizada. Mas em 2013, um ex-prefeito de Dourados, no Mato Grosso, foi condenado por racismo. Finalmente um exemplo de aplicação da lei! Em entrevista à rádio Grande FM em 2010, Ari Artuzi afirmou que a prefeitura estava fazendo trabalho "de gente branca, trabalho de gente". Lamentável! E pensar que esse mesmo senhor passaria 90 dias atrás das grades por corrupção e renunciaria ao cargo. Anos depois, pouco tempo após a condenação por racismo, morreu aos 50 anos. Não sem antes receber a notícia de que havia sido absolvido de parte das acusações de corrupção. E o racismo? Isso teve que explicar a Deus. E se esse Deus de fato existe, o ex-prefeito notará que no céu ou no inferno, se esses "locais" de fato existem, brancos e negros devem estar presentes, imagino eu, a despeito de suas cores, a despeito das cores de suas almas - outra infeliz idiotice que a justiça preferiu classificar como injúria.

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