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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

Intervenção Militar

Sou péssimo para armazenar papéis e documentos. Em meio às minhas confusões diárias com a tarefa, acabei perdendo meu certificado de reservista. Resultado: fez-se necessária uma visita à Junta Militar da minha querida Diadema, onde me alistei, jurei à Bandeira e fiz a coisa toda que se faz aos 18 anos. Fui em busca da segunda via. No dia agendado, acordei desanimado, com a difícil missão de atravessar a cidade rumo ao ABC(D). Saí bem cedo, com medo de não conseguir chegar no horário indicado. Adotei postura tão prevenida que acabei chegando uma hora antes.

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Por Eder Brito
Atualização:

Com os 60 minutos de crédito, acabei presenciando uma parte importante da rotina diária na Junta Militar. Um grupo de aproximadamente 40 jovens (todos com 18 anos recém-completos ou prestes a completar) lotava o pequeno salão de espera. Não cabia mais ninguém nos bancos de madeira do local. Escolhi um canto ao lado do bebedouro para evitar as rajadas de vento frio e fiquei observando.

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Os rapazes estavam aguardando para assinar suas dispensas do serviço militar pela primeira vez na vida. Ao invés de apenas entregar os documentos e cumprir com os atos administrativos, os funcionários da Junta decidiram aproveitar o momento único e começaram a ministrar uma espécie de palestra. Disseram que queriam aproveitar a oportunidade única de conversar com os jovens e começaram uma fala interessante. Orientaram os rapazes a levar o ENEM muito à sério, pois era uma oportunidade de conseguir boas bolsas em faculdades e aproveitar as vantagens que o governo oferece. "Fiquem espertos pois o FIES já acabou! Agarrem-se ao ENEM! Levem a sério!".

Na sequência abordaram a importância de decorar o número dos CEP de casa e não confundir o número do R.G. com o C.P.F. Alertavam sobre como estas confusões poderiam influenciar negativamente em entrevistas de emprego "nas firmas da região". "Tem gente que não decora nem o nome da rua que mora. Tem gente que não sabe nem o nome do bairro em que mora. As empresas não gostam de gente assim", bradava uma funcionária. O texto todo era no improviso, com um tom divertido, mas meio enérgico. Parecia um irmão mais velho dando bronca no mais novo. Tudo claramente improvisado, mas com uma boa intenção clara. Foram uns 15 minutos de orientação.

O texto e sua construção parecem meio desorientados e com uma dinâmica meio "errante" porque foi exatamente o clima do trabalho que presenciei. Fiquei positivamente surpreso com aquilo. Era como se os funcionários da Junta Militar soubessem que estão lidando com uma população jovem mais carente, com níveis de vulnerabilidade social um pouco acima da média do que alguns outros municípios. É como se eles tivessem pressa para compartilhar o maior número possível de informações no pouco tempo que tinham e aproveitar aquela chance única de dialogar com os garotos.

Instalar e manter as Juntas Militares é uma das muitas responsabilidades de um governo municipal. Em Diadema, claramente há uma espécie de rotina desses discursos, mas tudo parece feito às pressas. Parece ter sido uma ideia que nasceu da boa vontade dos servidores daquela repartição, mas com uma execução que pode ser melhorada.

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"Essa mulher fala demais", reclamou um rapaz ao meu lado quando finalmente terminou o discurso da funcionária da Junta. Emendou uma conversa com o colega. "Tá trampando onde?", perguntou. "Tô parado! Tudo que é trampo nessas firmas só paga um salário mínimo. Assim não dá, mano!", respondeu o outro.

Seria um ganho conseguir dialogar com qualidade com esses rapazes. Com pressa, em 15 minutos, no meio do processo de alistamento parece não ser o bastante. Os municípios podem se organizar melhor para lidar com essa demanda e com essa faixa etária, aproveitando este momento "cultural" da obrigatoriedade militar aos 18 anos. Uma boa intervenção militar.

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