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Soberba, avareza e ira: os três pecados da diplomacia de Dilma Rousseff

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Por Redação
Atualização:

 Guilherme Casarões, Doutor em Ciência Política, professor do CPDOC/FGV e da EAESP-FGV, onde vem lecionando disciplinas de Relações Internacionais nos cursos de Administração Pública e de Empresas.

 

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Já se vão cinco meses desde o início do velho-novo governo, mas parece que estamos voltando no tempo. As disputas entre Dilma Rousseff e seus próprios aliados no Congresso Nacional, transformado em campo de batalha ideológico, têm ocupado quase todo o noticiário. Perdida entre os escombros está a diplomacia brasileira: quando assuntos relevantes à nossa política externa aparecem - como, por exemplo, o recente agravamento das relações com a Indonésia após a execução de dois brasileiros naquele país - eles são arrastados para o maniqueísmo simplista do debate partidário. Ou nem sequer dão manchete.

Atuando com discrição em meio à turbulência política, o chanceler Mauro Vieira mantém uma intensa agenda de viagens internacionais cuja intenção é, antes de tudo, sinalizar ao mundo que o Brasil não está fora do jogo diplomático global. Em cinco meses, esteve na China, em quatro países da África, na Inglaterra e no Chile, além de acompanhar a presidente em suas viagens à posse de Evo Morales, à Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e, mais recentemente, à Cúpula das Américas, no Panamá. Com destreza, aproveita cada janela de oportunidade que se abre.

Tendo como pauta prioritária comércio e investimentos, Vieira busca cumprir sua promessa de posse: uma "diplomacia de resultados", concentrada nos ganhos econômicos. Eles são, sem dúvida, um alento diante da penúria dos últimos tempos. Mas a inserção internacional do Brasil não pode prescindir de sua dimensão política, que sempre lhe foi fundamental. Retomá-la envolverá um considerável esforço - superar a herança do primeiro mandato, um misto de desinteresse presidencial e falta generalizada de recursos. Essa herança se traduz em três "pecados diplomáticos" cometidos pelo governo Dilma Rousseff, de maneira por vezes consciente e por vezes atabalhoada.

O primeiro deles, e talvez mais grave, é a soberba. Traduz-se no profundo desprezo que se nutriu, nos últimos quatro anos, pela diplomacia como instrumento do desenvolvimento e da projeção nacionais. A presidente nunca escondeu sua indisposição com o tempo e os meios da diplomacia. O afã pelos resultados de curto prazo de sua "diplomacia dos balancetes" obliterou as estratégias políticas que, em outros tempos, caracterizaram o sucesso da política externa brasileira. Como resultado, a presença global do Brasil perdeu amplitude e profundidade.

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Some-se a isso uma sistemática rejeição à liturgia diplomática. Sabemos que a tradição pela tradição pode ser perniciosa e a morosidade das respostas brasileiras diante dos ventos do mundo está em parte ligada a rotinas burocráticas ultrapassadas. Mas isso não autoriza o tratamento conferido, por parte do Planalto, ao linguajar universal da diplomacia ou ao protocolo mais básico das relações internacionais. Voltando ao exemplo da Indonésia, a recente recusa de Dilma em aceitar as credenciais do embaixador indonésio sem comunicação prévia, em alegada retaliação à execução de Marco Archer, extrapolou o aspecto simbólico e transformou-se num ato de descortesia.

A soberba, no caso da política externa, leva ao segundo pecado: a avareza. Não é novidade que, no quadro da retração diplomática, o Brasil vem sendo tolhido dos meios financeiros em sua projeção internacional. E engana-se quem acha que se trata de uma reclamação prosaica, relativa à verba do cafezinho ou do sabonete. Algumas embaixadas encontram-se sem luz ou telefone, com dificuldades de realizar suas tarefas básicas. Projetos de cooperação técnica estão cada vez mais escassos. Os menos de 0,2% do orçamento federal destinados ao MRE são claramente incompatíveis com os interesses brasileiros lá fora.

Além disso, o esgotamento prematuro dos aportes emite sinais negativos para o exterior, uma vez que limita a mobilidade dos agentes diplomáticos, o comparecimento a reuniões importantes ou a quitação da contribuição voluntária a organizações nas quais o Brasil deveria, em tese, desempenhar papel central. As dívidas acumuladas com as Nações Unidas e com a Unasul, noticiadas sistematicamente, bem como a retirada de candidatos brasileiros a tribunais internacionais, são sintomas embaraçosos de que algo desviou o caminho da potência global de outrora. Talvez não se compreenda que uma boa política externa se faz não só com vocação, mas com as contas em dia.

 

O terceiro pecado é a ira, decorrência natural do arrocho e da negligência. Nas semanas, o Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty) realizou a segunda greve dos servidores diplomáticos desde o início do governo Dilma, em reação aos atrasos no auxílio-moradia e às condições gerais de trabalho no exterior. Também preocupam os entraves nos processos de promoção e remoção na carreira diplomática, na base da hierarquia.

 

Dentro e fora do Itamaraty, não são poucos os que se ressentem do retrocesso internacional do Brasil. Oficialmente, os objetivos da política externa permanecem os mesmos daqueles que vinham sendo perseguidos desde o início dos anos 2000. Mas já não mais se aceita, para além dos palanques, a tese dos doze anos de política externa do Partido dos Trabalhadores. O descolamento entre retórica e prática é patente: quem mais criticou a paralisia da política externa, neste início de mandato, foram exatamente aqueles que, protagonistas da ascensão global brasileira nos anos Lula, agora temem pelo desmonte de seu legado de longo prazo.

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Se é incontestável que a conjuntura econômica e as dinâmicas geopolíticas desgastam a projeção global do Brasil, é também verdade que o governo abriu mão até das coisas mais caras ao projeto de nação emergente, ainda que financeiramente inofensivas. Do envolvimento em novos temas multilaterais ao retorno ao Conselho de Segurança, da cooperação africana aos esforços diplomáticos no Oriente Médio, pouco sobrou da política externa "ativa e altiva" de tempos passados, restando atitudes táticas, predominantemente defensivas - por mais corretas que sejam - e muitas vezes sem o interesse ou o esmero da escolha correta do tom, das palavras ou dos interlocutores.

 

Estes próximos quatro anos serão o teste definitivo da presidente Dilma, de seu partido e de um ambicioso projeto de inserção internacional. O expurgo dos pecados envolve readequar, com muito esforço político, os meios disponíveis aos fins declarados. Subordinar os objetivos da política exterior brasileira a recursos cada vez mais escassos não é uma opção viável, tampouco desejável. E oxalá o Planalto compreenda, o quanto antes, que a diplomacia é importante aliada na superação dos desafios que hoje se colocam.

 

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