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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Por que Dilma recuou na ONU?

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Por Redação
Atualização:

Marco Antônio Carvalho Teixeira, Cientista Político e professor do Departamento de Gestão Pública da FGVSP; Guilherme Casarões, Internacionalista e professor do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da FGVSP e da ESPM.

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A cerimônia de assinatura do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima, na sede das Nações Unidas em Nova York, ganhou as manchetes brasileiras. A razão era bem mais política do que ambiental: havia a possibilidade de a presidente Dilma Rousseff usar o seu discurso para denunciar que o processo de impeachment não passa de um "golpe", buscando com isso influenciar a opinião pública internacional e trazê-la para o último front da batalha pelo seu mandato: o Senado.

 

Essa era a expectativa de membros do governo e ativistas pró-Dilma às vésperas da ida da presidente aos Estados Unidos. Havia três razões principais para se apoiar uma denúncia frontal ao que entendem como um golpe. A primeira delas tem a ver, naturalmente, com a busca de apoio internacional diante da ausência de alternativas políticas no Brasil que se alinhem ao governo, para além dos apoios que já possui.

 

A segunda razão relaciona-se com a narrativa - por vezes exagerada, mas correta - segundo a qual os principais veículos da imprensa estrangeira assistem, com desconfiança, os desdobramentos políticos ligados ao processo de impeachment. Exagerada, porque não há propriamente uma tese dominante de "golpe de Estado" na grande mídia internacional, mas questionamentos sobre a lisura do julgamento. Correta, porque as avaliações estrangeiras têm dado bastante ênfase aos riscos à democracia colocados pela maneira como o Congresso vem conduzindo o processo.

 

A terceira razão está ligada ao fato de que o apoio internacional ao mandato de Dilma vem ganhando adeptos importantes. A estratégia, que vem sendo adequadamente chamada de "diplomacia do impeachment", começou com as aproximações de Dilma Rousseff às embaixadas estrangeiras em Brasília, passou por algumas circulares enviadas por diplomatas na tentativa de mobilizar movimentos sociais fora do país e chegou aos principais países vizinhos e organismos regionais.

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Mas o que inicialmente parecia uma mobilização "bolivarista", capitaneada por Evo Morales e Nicolas Maduro, ganha legitimidade política na medida em que os representantes máximos da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Comissão Econômica da ONU para a América Latina (CEPAL) posicionam-se contrários à alegada ruptura democrática no Brasil.

 

Em seu breve discurso às Nações Unidas, contudo, Dilma optou pela prudência. Ao contrário do que desejavam os correligionários, não falou em golpe. Mencionou o "grave momento que vive o Brasil", mas reafirmou a "pujança" da democracia brasileira e a indisposição do povo em tolerar retrocessos. Em termos de tom e conteúdo, sua fala lembrou o discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, em setembro passado. Distanciou-se, assim, das recentes acusações contra instituições nacionais ou algumas de suas lideranças que vinha fazendo a plateias no Brasil.

 

A decisão de Dilma Rousseff parece ter sido movida por considerações de curto e longo prazos. O jogo imediato tem nas audiências estrangeiras um instrumento não só do governo, mas também da oposição, incluindo o vice-presidente. O palco principal, por razões políticas e principalmente econômicas, são os Estados Unidos. Enquanto Aloysio Nunes foi a Washington, no dia seguinte à votação do impeachment na Câmara, para articular apoio a um eventual novo governo, Michel Temer tenta mobilizar a imprensa internacional para mostrar sua disposição em conduzir o país para fora da crise.

 

Ao portar-se como estadista na ONU, a presidente tenta colar nos opositores a imagem de conspiradores, que ferem a democracia ao se anteciparem ao fim do processo. O barulho causado pela restrição às credenciais de parlamentares oposicionistas para assistirem ao discurso de Dilma em Nova York somente reforçam essa impressão, sobretudo em se tratando de um país em que a política externa raramente serviu aos interesses legislativos.

 

A decisão de Dilma também revela um senso de auto-preservação. Membros do STF criticaram a possibilidade de a presidente levar a disputa pelo seu mandato para uma reunião da ONU. Se assim fizesse, poderia criar mais dificuldades na batalha judicial que pode se seguir ao fim do processo no Senado. Ademais, dependendo da forma que a crítica assumisse no discurso, havia um risco de o tiro sair pela culatra: conhecida pelos maus-entendidos que certas declarações suas suscitam, a presidente poderia ser acusada de afrontar todas as instituições do Estado voltadas para o funcionamento da democracia.

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Por fim, há um cálculo de longo prazo que deve ser considerado. É possível que Dilma Rousseff, munida do que lhe resta de esperanças de permanecer no cargo, queira evitar uma degradação ainda maior da imagem brasileira no mundo. A reputação do país já vem sendo maculada pelos desgastes relativos ao impeachment noticiados na imprensa internacional, o que somente se agravou com a postura dos deputados durante as declarações de voto. A proximidade dos Jogos Olímpicos, que revela o mais absoluto despreparo da cidade do Rio de Janeiro em receber o evento, é também um fator complicador num momento em que os holofotes estão voltados ao Brasil.

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O discurso na ONU, portanto, mostra que a presidente deseja descolar sua imagem da crise imediata e salvar sua reputação caso vença a batalha do impeachment. A estratégia de vitimização acrítica, muitas vezes utilizada aqui dentro, poderia simplesmente reforçar a imagem do Brasil como uma "república das bananas". Ao abraçar o tema das mudanças climáticas, mostra que o país ainda tem algum resquício de política externa que pode ser utilizado para melhorar a posição brasileira. Mas a diplomacia de pouco servirá se decisões - essas sim, cruciais - não forem tomadas para a superação dos entraves políticos e econômicos que ainda nos assolam.

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