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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

O PT na conjuntura política brasileira

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Por Redação
Atualização:

Cláudio Gonçalves Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV-EAESP e pesquisador do CEPESP-FGV. É também Secretário Executivo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS).

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Nas últimas duas décadas e, em particular, nos últimos doze anos, o país passou por mudanças estruturais do ponto de vista de sua estratificação social. Elas alteraram as relações de classe tradicionalmente estabelecidas e levaram a uma desorganização das referências antes postas. A considerável redução da pobreza e da desigualdade, bem como a ascensão de um considerável contingente de cidadãos a níveis médios de renda (sem que se possa chamá-los propriamente de "classes médias") impactou significativamente o sistema de distinção social em vigor.

Com os emergentes ganhando acesso a bens e lugares antes exclusivos das camadas médias e altas estabelecidas, diluiu-se parcialmente uma distinção baseada em padrões de consumo e acesso exclusivo a espaços privilegiados. Tal diluição provocou incômodo em segmentos dos setores estabelecidos, alimentando ressentimentos de algumas de suas parcelas e abrindo espaço para sua radicalização política - potencializada pelo discurso raivoso de certos publicistas da mídia tradicional e das novas mídias. As redes sociais engrossaram o fenômeno, pois formam uma subopinião pública que reitera sentimentos e convicções.

O alvo preferencial dessa radicalização foi o Partido dos Trabalhadores (PT), identificado como o principal responsável pelas políticas redistributivas. Se, por um lado, esse seu papel na modificação da estratificação social no Brasil provocou ressentimentos, por outro, seu envolvimento em seguidos escândalos de corrupção agravou o quadro. E isso porque teve um duplo efeito. Em primeiro lugar, potencializou e ampliou para segmentos mais amplos das camadas estabelecidas o rechaço antes restrito aos segmentos ressentidos. Em segundo lugar, forneceu uma justificativa moralmente mais edificante aos seus detratores, que não precisariam encampar abertamente (ou exclusivamente) o discurso contrário à redução das desigualdades - ou, para ser mais preciso, às políticas que lhe promovem.

O que já era difícil tornou-se pior com a estagnação dos anos de Dilma Rousseff, que pôs freio ao contínuo incremento dos padrões de vida (e expectativas) ocorrido desde a implantação do Plano Real. Se os setores emergentes já se mostravam insatisfeitos com a baixa qualidade dos serviços públicos, mais universalizados do que no passado, porém ainda de qualidade ruim, decepcionaram-se também com a paralisação de seu progresso econômico. A chamada 'classe C', tornada consumidora voraz de bens privados, mas ainda usuária intensiva de serviços públicos, experimentara uma melhoria significativa de suas condições de vida "da porta de casa para dentro", sem correspondência na vida "da porta de casa para fora". A debacle econômica fez com que mesmo da porta de casa para dentro as coisas ficassem insatisfatórias.

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Junto a estes setores emergentes e aos da base da pirâmide socioeconômica (até 2014 ainda fiéis aos governos federais petistas), os escândalos de corrupção que afetavam o PT eram relativamente contrabalançados pela bonança do consumo. Com o fim da boa fase, não houve mais como a satisfação do consumo contrapesar a crise moral. Paradoxalmente, os governos petistas promoveram mudanças sociais que ultrapassam sua capacidade de dialogar com os setores ascendentes. Os segmentos médios, em particular os emergentes, não reconhecem a centralidade das políticas capitaneadas pelo partido em sua melhora material - dão mais importância a seus méritos próprios. Noutros termos, o partido promove uma mudança que solapa suas próprias bases eleitorais e de legitimidade no médio prazo, pois é cada vez mais frágil junto aos setores médios de renda.

E o PT (como organização, não como governo) não ajudou muito a melhorar sua própria situação nesta frente. O ensimesmamento do partido diante dos escândalos, bem como sua incapacidade de renovar-se, tisnaram severamente sua imagem. A marca partidária forte, que era bônus, virou ônus pois o partido não tem como se esconder.

Há aí outro paradoxo. Nem tanto porque o próprio PT tenha tido em sua fase "heroica", ainda na oposição, uma agenda anticorrupção importante. Mas sim porque seus governos implementaram políticas relevantes nessa área, reforçando instituições como a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União, além de nomear sempre o preferido do Ministério Público Federal em suas listas tríplices. Isto se mostrou insuficiente diante da avalanche de problemas que o partido enfrentou nesse campo - alguns deles causados justamente pela maior eficiência das instituições que seu governo ajudou a reforçar.

Por fim, a crise é agravada pela falta de uma liderança política efetiva na Presidência da República. A presidente Dilma não é uma política, mas uma militante. Políticos são figuras talhadas à busca de soluções de compromisso e ao cálculo pragmático das possibilidades postas por diversos cursos de ação, subordinando a concretização dos princípios à viabilidade dos atos. Já militantes agem movidos pela convicção, mais que pela responsabilidade. São mais dados a arroubos voluntaristas, tanto em suas táticas políticas como na formulação do conteúdo das políticas que tentam implementar. O primeiro traço ficou nítido na (des)articulação política junto ao Congresso; o segundo, na fracassada política econômica do primeiro mandato.

Para piorar, a esse perfil militante se funde um viés burocrático de meticuloso micromanagement, ao estilo de um guarda-livros - traço talvez herdado de sua experiência como figura da retaguarda administrativa da guerrilha. Parece não ter perdido ainda hoje a preocupação com detalhes, a dificuldade em delegar e a desconfiança dos que não pertencem ao seu grupo mais íntimo. Nada poderia tornar mais difícil liderar uma máquina da magnitude do governo federal, ainda mais com quase quarenta ministérios e uma coalizão de dez partidos - a maior parte deles muito distante das preferências ideológicas presidenciais.

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Em resumo, a presidente produziu problemas maiores do que sua capacidade de resolvê-los. No início de sua primeira gestão, uma saída teria sido delegar poder a quem tivesse capacidade de lidar com assuntos que ela não domina - como fizeram seus dois antecessores. Em vez disso, concentrou decisões em suas próprias mãos, não delegou no tempo certo e agora, dado seu enfraquecimento, o que poderia ter sido delegação virou abdicação - como fica claro na nova política econômica e na incumbência da articulação política ao vice-presidente pemedebista.

Isto tudo ocorre num cenário em que (para além dos erros presidenciais) o custo da negociação política aumentou. O aumento da fragmentação partidária nos últimos doze anos tornou paulatinamente maior o custo de negociação congressual; o crescimento do número de ministérios reflete isto, pois foi a forma mais fácil de lidar com o problema e com as divisões internas ao próprio PT. Nem sempre o mais fácil é o menos custoso. A consequência de tudo isto é que a deslegitimação do PT e de seu governo abriram espaço para o fortalecimento político da direita política - não só partidária, mas também social. Tanto é assim que uma nova direita da sociedade civil foi capaz de capitanear um movimento de ruas que lhe ultrapassa e, por isto mesmo, é forte. Revela uma vitória sua na disputa por hegemonia, pois tirou da esquerda (ao menos conjunturalmente) um espaço em que tradicionalmente ela predominava. Ironicamente, parece que preocupação delirante de certos publicistas de direita com o "gramscismo" acabou ensinando a seus seguidores algo sobre disputas de hegemonia.

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