A maioria dos gestores e parlamentares que assumiu dia primeiro de janeiro talvez não saiba, mas no mesmo dia entrou em vigor, para todos os municípios brasileiros, a Lei 13.019/14, que permite que a gestão dos serviços públicos municipais sejam executados por organizações privadas sem fins lucrativos.
Sendo mais claro: gestão de escolas, unidades de saúde, assistência social, cultura ou qualquer área que não cumpra funções "exclusivas" de estado podem ser contratadas pelos governos municipais junto a organizações da sociedade civil. As escolas municipais tem baixo desempenho? Ok, o prefeito pode desenhar um bom contrato de gestão e selecionar uma instituição educacional privada de alto padrão para gerenciar integralmente a escola; o hospital municipal ou os abrigos da prefeitura são ineficientes? Da mesma forma: o prefeito pode virar o jogo. Buscar as melhores instituições gestoras, junto ao setor privado, e repactuar toda a prestação do serviço.
O mesmo vale para museus, bibliotecas, centros de cultura e eventos, asilos, creches, parques ou áreas esportivas. Toda esta imensa malha de repartições públicas que consome quase todo o orçamento municipal e sobre a qual o prefeito praticamente não tem controle pode ser gerida com base em contratos com o setor privado. Com metas claras e avaliação de resultados. A instituição contratada não trabalhou direito? Foi alertada e não acertou o passo? Sem problemas: troca-se o fornecedor do serviço. O prefeito retoma o controle sobre a gestão de seu próprio governo. Volta a ter condições de responder à sociedade, que (com razão) exige cada vez mais. Além disso, deixa de onerar o sistema de previdência municipal e gerar mais e mais burocracia pública.
O modelo de gestão contratualizado ainda tem outra vantagem: estimula a busca de recursos para além do orçamento público. Um exemplo: em Nova Iorque, boa parte das bibliotecas públicas tem gestão privada (exatamente dentro deste modelo). Quando morei por lá, era um frequentador, e me impressionava o número de voluntários trabalhando nas mais diversas funções, de recepcionistas a professores de literatura e história americana. No curso que frequentei o professor era um executivo aposentado do mercado financeiro. Alguém dirá que isto só acontece em Nova Iorque. Errado. Acontece em qualquer lugar. Basta criar a oportunidade para que as pessoas participem. Indivíduos e empresas doarão seu tempo e recursos para organizações civis de qualidade. Mas não o farão para o "governo".
A lei faz essencialmente três exigências: que as organizações contratadas tenham experiência e competência comprovada na área em que irão atuar, que não tenham fins lucrativos e que a sua escolha seja feita por um processo de seleção pública. Um concurso simples e efetivo. Conduzido com critério técnico e imparcialidade. E que o poder público elabore um bom "termo de colaboração", isto é, um bom contrato, com objetivos bem definidos e critérios para cobrar resultados efetivos para os cidadãos.
Minha recomendação aos prefeitos: façam uma boa análise da Lei 13.019/14. Ela é um instrumento jurídico de inovação, que não gera obrigações, mas cria possibilidades. Se o prefeito quiser, pode continuar a tocar a máquina da prefeitura no modo tradicional, trocando lâmpadas nas escolas e comprando seringas nas unidades de saúde com a nossa velha lei das licitações; pode continuar abrindo concursos, aumentando a máquina pública e o poder das corporações. Mas agora ele tem uma alternativa: pode gerenciar de um jeito novo, leve, exigindo a responsabilização de quem executa os serviços.
Haverá, por óbvio, quem diga que não é bem assim. Haverá quem não entenda exatamente o que são "atividades exclusivas de estado". Haverá quem diga que tudo não passa de mais uma tentativa de "privatização" dos serviços públicos. Isto mesmo que a Lei tenha sido formulada, votada e sancionada pela ex-Presidente Dilma. Minha sugestão: que os gestores saibam separar o joio do trigo. Identificar o que é interesse público e o que não passa de simples jogo corporativo. Ao final do dia, são eles, os prefeitos, que serão cobrados pela qualidade dos serviços prestados à sociedade.
Fernando L. Schüler é cientista político e professor do Insper.