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Análise política em um tempo de incerteza

A democracia brasileira não precisa ter medo de cara feia

Há alguma chance de "risco institucional", no desfecho da crise brasileira? A pergunta veio de um correspondente estrangeiro, dias atrás, em um debate sobre tema do impeachment. Minha resposta foi direta: nenhum. O rito estabelecido pelo Supremo vem sendo obedecido, o Deputado Rosso, presidente da Comissão, vem se mostrando um craque, e os discursos mais radicais, em particular o do "golpe", parecem ganhar um tom cada vez mais protocolar.

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Por Fernando Scheller
Atualização:

É evidente que há tensões. Haviam barraquinhas armadas na Avenida paulista, contra o governo, e a Presidente adquiriu o hábito de promover comícios, quase todas as tardes, no salão nobre do Palácio do Planalto. Há muito bate boca na internet, gente vaiando deputados governistas, nos aeroportos, e personagens de filme B metidos a valentões falando em "incendiar" o País, caso alguma coisa não corra como eles esperam.

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Digo com clareza: não vão incendiar coisa nenhuma. É puro blefe. Se o governo perder a votação, no plenário da Câmara, não irá acontecer nada de extraordinário no País. Chico Buarque voltará compor e fazer shows, ao invés de comícios; Fernando Morais continuará a postar fotos de Stalin e Nicolas Maduro, no facebook e a CUT, amparada na fonte milagrosa do imposto sindical, continuará fingindo falar grosso caso alguém mexer nos "direitos dos trabalhadores". Se alguém sugerir uma idade mínima para a previdência, por exemplo.

Meu ponto é simples: em uma grande democracia, como a brasileira, ninguém precisa ficar com medo de cara feia. Nem com o MST ou MTST, nem com o décimo quinto abaixo assinado promovido pelos artistas e intelectuais apoiadores do governo. Valeria a mesmíssima lógica se os sinais fossem trocados. O dia que o Lobão e o Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, quem sabe com a ajuda do "revoltados online", resolverem fazer uma passeata pela Vila Madalena, ninguém precisa se assustar. Basta respeitar. Democracias convivem bem com minorias ativas, em geral barulhentas, e nem sempre lá muito razoáveis.

Estas ideias me vinham à cabeça quando via crescer, na última semana, a tese das "eleições gerais" como uma saída para crise. De Marina Silva, passando pelo PSOL e o Senador Valdir Raupp, até a revista inglesa The Economist, muita gente comprou a ideia. Ela seguia, de certo modo, a preocupação do correspondente estrangeiro. Seria uma solução "menos agressiva" para a crise, nas palavras de Jaques Wagner. O governo gostou da tese. Viu nela uma chance de tirar fôlego do impeachment.

Quem melhor sintetizou o argumento das eleições gerais foi o Jornal Folha de São Paulo, em seu editorial. Seu foco era evitar o "ressentimento" que um eventual impeachment poderia produzir na militância petista. Uma "minoria expressiva", dizia o Jornal, ainda que por ora "desmoralizada".

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Achei curioso o Jornal, em momento algum, se preocupar com a questão inversa: a frustração que uma eventual derrota do impeachment poderia provocar na imensa "maioria expressiva" favorável ao processo. A lógica parecia a seguinte: a maioria é bem comportada, vai entender. Já a minoria...

Meu ponto é: há muita gente boa, Brasil afora, preocupada com as "cicatrizes" ou, como diz a matéria da The Economist, com um desfecho que "dividiria o país e arriscaria envenenar sua política por anos". De novo, o blefe. Como saber até que ponto a política brasileira já não anda envenenada? Não conheço régua para medir o nível de contaminação política do País. Sei que há regras, nesse processo, e que a questão central é saber se elas estão sendo respeitadas. E que, da mesma forma que não se deve afastar um presidente por impopularidade ou exigência da maioria, não se deve deixar de faze-lo por medo de uma minoria barulhenta. Seja qual for a cor de sua bandeira.

Isto tem um nome: maturidade democrática.

Se alguém desejar alguma coisa para ter medo, neste processo, tenho uma lista de sugestões: tenhamos medo da "lógica da guerra" contida na narrativa do "golpe"; do ataque à justiça, materializada em representações jurídicas e todo tipo de agressão politica que vem sofrendo o juiz Sérgio Moro; medo dos comícios quase diários da presidente, com recursos públicos, no Palácio do Planalto; do uso da Advocacia Geral da União como advocacia política. Medo do leilão ostensivo da máquina do Estado para barganhar votos, no Congresso.

Alguns dirão que tudo isto faz parte do jogo, e eu concordo. Do jogo de uma democracia que ainda tem muito a aprender. Oxalá a crise nos sirva para isto, e um bom começo será aprender a seguir na trilha da Constituição, com serenidade, e não ter medo de cara feia.

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Fernando L. Schüler é cientista político e professor do Insper.

@fernandoschuler

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