Por Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Fausto Macedo e Julia Affonso
O Ministério Público Federal denunciou nesta quinta-feira, 11, 36 pessoas suspeitas por ligação em um esquema de desvios envolvendo contratos da Petrobrás, investigadas na Operação Lava Jato. A lista inclui o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef, além de dezenas pessoas ligadas a empreiteiras.
São citadas na denúncia a OAS, Camargo Corrêa, UTC, Mendes Jr., Engevix e Galvão Engenharia, todas alvo da sétima etapa da Lava Jato. Neste momento, o procurador Deltan Dallagnol apresenta os detalhes da denúncia. O MPF estima que R$ 300 milhões tenham sido desviados no esquema, mas acredita que o valor chegue a R$ 1 bilhão. De acordo com o procurador, foram identificados 154 atos de corrupção e 105 atos de lavagem de dinheiro.
Ao esclarecer detalhes sobre a destinação de dinheiro para partidos políticos, os procuradores informaram que o valor da propina do 1% do PP na Diretoria de Abastecimento da Petrobrás somou R$ 300 milhões. Eles informaram que 3% era o total desviado no esquema global. "Essas pessoas roubaram o orgulho dos brasileiros", declarou o procurador-geral da República, Ricardo Janot.
Na entrevista coletiva realizada na tarde desta quinta feira, o procurador-geral foi enfático. "Diante do que se esboça vocês podem entender o recado que externei dias atrás de que seremos firmes e contundentes. Essa investigação chegará até o fim, aos esquemas subterrâneos , esquemas da opacidade, da escuridão. Compete ao Ministério Público Federal aplicar os instrumentos que lhe são postos à disposição. Cada um tem responsabilidade pelo ato que praticou. Isso não é vontade do Ministério Público Federal, é vontade do legislador. Esses corruptores serão punidos para que amanhã não cogitem corromper novamente."
Os procuradores da força-tarefa pretendem insistir na manutenção da prisão dos executivos das maiores empreiteiras do País - eles foram presos dia 14 de novembro, por ordem da Justiça Federal no Paraná. "As prisões nesse caso são absolutamente imprescindíveis." Os procuradores anotam que os empresários mantêm grandes somas de dinheiro no exterior e podem "fugir do País".
O procurador Deltan Dallagnol foi taxativo. "Descobrimos que as empresas simularam um ambiente de competição, fraudaram esse ambiente e em reuniões secretas elas definiam quem iria ganhar a licitação e quais empresas participavam de qual licitação. Temos aí um ambiente fraudado com cartas marcadas. Existia um regulamento dentro do cartel, dissimulado em forma de regulamento de campeonato de futebol e uma divisão de mercado dos contratos que cada empresa ganharia como se fosse um torneio de bingo. Mas diferente do que acontece no bingo, eles já sabiam quem ganharia."
As denúncias apresentadas nesta quinta-feira, 11, englobam uma parte do núcleo empresarial alvo da Operação Lava Jato. Outros executivos e empresas como a Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, serão alvo de outras denúncias envolvendo o mesmo esquema. Denúncias contra o operador do PMDB, Fernando Antônio Falcão Soares, o Fernando Baiano, e contra o ex-diretor de Serviços Renato Duque - indicado pelo PT - serão feitas em um segundo momento.
"Esse é apenas um pacote de denúncias oferecidas. As acusações não param por aqui. Eu asseguro que novas acusações virão inclusive de improbidade contra as empresas cartelizadas", afirmou o procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Operação Lava Jato.
Ele explicou que as primeiras cinco denúncias desta quinta-feira dizem respeito aos casos com alvo preso cautelarmente - são ao todo 11. "Essas (outras) empresas serão acusados por todos os crimes que praticaram. A decisão foi baseada tão somente pelo fato de que nessas empresas há acusados presos, e tínhamos que prioriza-las, mas o trabalho não para aqui, as investigações continuam."
Segundo Deltan Dallagnol, as acusações se concentraram especificamente nos contratos da Diretoria de Abastecimento da Petrobrás. Além das denúncias por organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro contra os demais executivos, o Ministério Público Federal prepara as ações cíveis que vão buscar o ressarcimento dos valores desviados e também o enquadramento por formação de cartel. Só a Receita Federal tem cerca de 20 procedimentos de fiscalização envolvendo cerca de 200 alvos das primeiras etapas da Operação Lava Jato.
"Estamos em uma guerra contra a impunidade e a corrupção. Esse é apenas um pacote das várias denúncias que virão", afirmou o procurador.
Segundo a força tarefa da Operação Lava Jato, a Petrobrás era vítima do esquema criminoso. "A Petrobrás celebrava contrato com as empresas cartelizadas em que ela pagava de modo sobrevalorado pelas obras e serviços prestados por essas empreiteiras", assinalou o procurador Deltan Dallagnol. "Para o funcionamento do esquema as empreiteiras pagavam os funcionários públicos que compunham o segundo núcleo criminoso. Para que os pagamentos viessem para os beneficiários de forma dissimulada, disfarçado, aparentando dinheiro limpo, lícito, embora fosse propina, essas empresas transferiam o dinheiro por meio de empresas de fachada, por contatos simulados."
Os procuradores anotaram que o esquema de corrupção e propinas na Petrobrás tinha três características da lavagem de dinheiro, num moderno sistema desse tipo de crime: a profissionalidade, porque a lavagem não era realizada pelos corruptores ou corrompidos, outra é a internacionalidade, e a última a complexidade.
Os procuradores e a Polícia Federal constataram que de 10% a 20% dos valores que eram creditados nas contas de fachada eram sacados em espécie. Boa parte era transferida para contas operadas por um outro doleiro, Leonardo Meirelles, com a empresa Labogen.
Meirelles era doleiro. Ao invés de entregar o dinheiro em especie ao doleiro Alberto Youssef ele mantinha clientes especialmente da Rua 25 de Março, maior centro comercial de São Paulo, "que objetivavam mandar dinheiro para o exterior de modo fraudulento, mediante importações fictícias e subfaturadas". Meirelles, segundo a Procuradoria, fazia contratos fictícios e remetia o dinheiro dessas empresas de fachada para o exterior. Essas remessas se davam por contratos de importações que nunca existiram. O dinheiro saía, mas os bens correspondentes aos valores nunca entraram no País. Algumas dessas empresas sequer tinham cadastro para realizar importações.
Segundo a Procuradoria, ao invés de sacar o dinheiro de suas contas para entregar a Alberto Youssef, Leonardo Meirelles pegava o dinheiro em espécie de comerciantes da 25 de março e disponibilizava para Youssef. "Essa é uma operação de dolar-cabo que caracteriza quebra do fluxo econômico financeiro, típico de operações complexas de lavagem de dinheiro", considera a Procuradoria.
Pagamentos de consultorias para servidores da Petrobrás também eram forma de pagar a propina, indica a força tarefa da Lava Jato. "As empreiteiras contratavam consultorias fictícias. Ele apresentou alguns contratos de fachada entre as empresas cartelizadas e as empresas controladas por Youssef."
A Receita Federal investiga cerca de 200 contribuintes relacionados à Lava Jato. A informação foi divulgada pelo coordenador-geral da Receita, Gerson Shann. Os autos de infração do Fisco deverão alcançar R$ 1 bilhão. As fiscalizações da Receita já foram iniciadas nas empreiteiras que formaram cartel na Petrobrás. Shann declarou que já foram "identificados diversos ilícitos tributários, há indícios de crimes contra a ordem tributária".
COM A PALAVRA, A DEFESA
O criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, constituído pelo vice presidente da Camargo Corrêa, Eduardo Leite - que está preso -, protestou contra a denúncia do Ministério Público Federal. Numa referência direta ao ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, que no dia 2 de dezembro foi solto por ordem do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, Mariz foi taxativo. "Causou espécie o pedido do Ministério Público Federal de manutenção da prisão preventiva de Eduardo Leite não só porque não foram apontados os fatos que mostram a necessidade dessa medida bem como há uma falta de equidade no sistema penal na medida em que atores principais desse episódio tido como criminoso estão em liberdade e outros que são coadjuvantes estão presos."
Mariz de Oliveira disse que assim que o executivo Eduardo Leite for citado será apresentada a defesa preliminar "na qual será demonstrada a falta de objetividade da denúncia especialmente no que diz respeito à descrição e à individualização das condutas". Ele acentua que "muitas dessas condutas foram qualificadas como crimes diversos, vale dizer, vários crimes em uma só conduta, o que torna a denúncia inepta."
Mariz apontou para outras empreiteiras que não foram alvo das denúncias. "Empreiteiras notoriamente participantes dos fatos tidos como delituosos não tiveram nenhum de seus funcionários, diretores ou acionistas, denunciados."
A Camargo Corrêa informou, em nota de sua Assessoria de Imprensa, que "pela primeira vez seus executivos terão a oportunidade de conhecer todos os elementos do referido processo e apresentar sua defesa com a expectativa de um julgamento justo e equilibrado".
O criminalista Marcelo Leonardo, que defende a cúpula da Mendes Jr., disse que não teve acesso à denúncia. "Pelas notícias veiculadas foi possível perceber que há um excesso acusatório, tanto em relação às pessoas, quanto em relação às próprias imputações."
Para o advogado José Luís Oliveira Lima, que defende executivos da Galvão Engenharia, a denúncia "é fruto da criatividade da acusação". Segundo ele "a Galvão Engenharia obteve seus contratos de maneira lícita e nunca participou de um suposto cartel". "Durante a instrução processual ficará demonstrado que a empresa foi vítima bem como que a acusação é uma ficção", afirmou Oliveira Lima.
VEJA A LISTA DOS 36 DENUNCIADOS PELO MPF
Alberto Youssef, doleiro
Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás
Waldomiro de Oliveira, operador de Youssef
Carlos Aberto Pereira da Costa, advogado de empresa de fachada de Youssef
João Procópio Junqueira Pacheco de Almeida Prado, operador de Youssef
Enivaldo Quadrado, operador de Youssef
Sérgio Cunha Mendes, vice-presidente da Mendes Júnior
Rogério Cunha de Oliveira, diretor da área de Óleo e Gás da Mendes Júnior
Ângelo Alves Mendes, diretor vice-presidente da Mendes Júnior
Alberto Elísio Vilaça Gomes, representante da Mendes Júnior nos contratos com a Petrobrás
José Humberto Cruvinel Resende, gerente da Mendes Júnior
Antonio Carlos Fioravante Brasil Pieruccini, advogado ligado a Youssef
Mário Lúcio de Oliveira, atuava na empresa GFD, ligada a Youssef
Ricardo Ribeiro Pessôa, presidente da UTC Engenharia
João de Teive e Argollo, funcionário da UTC Engenharia
Sandra Raphael Guimarães, funcionária da UTC Engenharia
Dalton dos Santos Avancini, executivo da Camargo Corrêa
João Ricardo Auler, presidente do Conselho de Administração da Camargo Corrêa
Eduardo Hermelino Leite, "Leitoso", vice -presidente da Camargo Corrêa
Marcio Andrade Bonilho, presidente do Grupo Sanko
Jayme Alves de Oliveira Filho, agente da Polícia Federal
Adarico Negromonte Filho, irmão do ex-Ministro das Cidades
José Aldemário Pinheiro Filho, vulgo "Léo Pinheiro", presidente da OAS
Agenor Franklin Magalhães Medeiros, diretor-presidente da área internacional da OAS
Mateus Coutinho de Sá Oliveira, diretor financeiro da OAS Petróleo
José Ricardo Nogueira Breghirolli, executivo da OAS
Fernando Augusto Stremel Andrade, funcionário da OAS
João Alberto Lazzari, representante da OAS
Gerson de Mello Almada, vice-presidente da Engevix Engenharia
Carlos Eduardo Strauch Albero, diretor técnico da Engevix Engenharia
Newton Prado Junior, diretor técnico da Engevix Engenharia
Luiz Roberto Pereira, ex-diretor da Engevix Engenharia
Erton Medeiros Fonseca, diretor presidente da Divisão de Engenharia Industrial da Galvão Engenharia
Jean Alberto Luscher Castro, diretor presidente da Galvão Engenharia
Dario de Queiroz Galvão Filho, presidente da Galvão Engenharia
Eduardo de Queiroz Galvão, diretor presidente da Galvão Engenharia
VEJA AS DENÚNCIAS SOBRE AS EMPREITEIRAS
VEJA AS POSSÍVEIS PENAS DOS DENUNCIADOS