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Tributação sobre softwares: mais uma batalha fiscal

Por muitos anos o Brasil tem assistido a grande discussão acerca da tributação do software, visto não se encaixar perfeitamente nem no conceito clássico de mercadoria nem no de serviço. Trava-se já longa batalha para definir se a tributação dos mais variados negócios jurídicos que o tem por objeto seria pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), pelo Imposto sobre Serviços (ISS) ou por nenhum dos dois.

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Por Camila Galvão
Atualização:

A partir da mesma dicotomia também se tem debatido quais incidências seriam corretas no âmbito federal, com destaque às operações cross border, em que a tributação também depende da definição da natureza jurídica do software e das operações que o cercam.

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A identificação da correta qualificação jurídica do software para fins fiscais tem gerado conflito de competências e engrossado o coro dos assuntos que atolam os tribunais, mobilizam recursos públicos e privados e reforçam a insegurança jurídica, impactando o chamado "custo Brasil".

Em 1998 uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que as operações com software de prateleira vendido no varejo configurariam transações com mercadoria sujeitas ao ICMS.

Não foi o foco central daquela decisão se as transferências por download estariam sujeitas ao mesmo entendimento. Em caráter liminar, em 2010, em uma decisão de Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade, o STF entendeu que as operações realizadas por download estariam sujeitas ao ICMS. A situação atual, portanto, passados mais de 20 anos de debate, permanece incerta especialmente em relação ao download. E a realidade do mercado já é outra: a do cloud computing. Na vigência da indefinição, estados e municípios se julgam competentes para tributar tais negócios e o tratamento para os tributos federais oscila. No âmbito municipal o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação estão previstos no item 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar Federal nº 116, de 31 de julho de 2003, que autoriza os municípios a cobrarem ISS, sem distinção entre encomenda e prateleira.

No Município de São Paulo foi publicado o Parecer Normativo nº 01, de 18 de julho de 2017, no sentido da incidência do ISS sobre o licenciamento ou cessão de direito de uso de software, seja por meio físico, download, bem como quando instalados em servidor externo (Software as a Service).

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Na esfera estadual, o Convênio ICMS nº 181 de 28 de dezembro de 2015, celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), determinou que o ICMS incida sobre 5% do valor das operações com software. O Estado de São Paulo incorporou aludido tratamento ressalvando que as operações feitas por download não seriam tributadas até que se determinasse o estabelecimento onde ocorre o fato gerador. Com efeito, sendo o ICMS moldado a operações com bens corpóreos, as regras vigentes se apegam à movimentação física dos bens e não dão conta de esclarecer muitos aspectos da incidência nas operações por download.

O que se tinha, assim, eram estados e municípios se julgando competentes para cobrar cada qual o seu tributo, mas com a tributação estadual suspensa temporariamente.

Recentemente, mais um capítulo dessa história veio a reacender a batalha entre estados e municípios. Trata-se do Convênio nº 106, publicado em 5 de outubro de 2017, que buscou trazer os parâmetros faltantes e regular vários aspectos da cobrança do ICMS nas operações com software, entre outras transações igualmente relevantes no âmbito digital. Estabeleceu-se, em linhas gerais, a tributação no estado do consumidor final do software, ao contrário do que diz a regra geral constitucional.

Foram veiculadas ainda normas para operacionalizar tal tributação, bem como regra de substituição tributária, atribuindo-se às operadoras de cartão de crédito a responsabilidade pela retenção do ICMS nas operações de importação.

Quer nos parecer que o Convênio extrapolou a sua atribuição ao buscar inverter as competências impositivas dos estados, parte do pacto federativo consolidado na Constituição Federal, segundo a qual, como regra geral, o ICMS incide nas diversas etapas da produção até o consumo e não apenas no consumo. Em situações similares o STF já reconheceu a inconstitucionalidade de deliberações dos estados (RE 680089/SE).

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E isso tudo sem mencionar a questão central e prejudicial, que ainda há de ser definida, que é saber se as operações de download de software são passiveis de tributação pelo ICMS ou pelo ISS.

O fato é que ao verem as regras do Convênio implementadas pelos estados os contribuintes terão de se haver com a dupla exigência do ICMS e do ISS, e diversas obrigações acessórias a serem cumpridas. A saída certamente passará pelo judiciário.

Ao que tudo indica, o Convênio assim será mais um elemento a mobilizar recursos públicos e privados na multiplicação de litígios e de custos de compliance no já tão complexo sistema tributário brasileiro.

*Camila Galvão é sócia da área Tributária do Machado Meyer Advogados

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