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'Todo político pilhado na corrupção diz que é perseguido político', diz jurista sobre Lula na ONU

Modesto Carvalhosa, autor de 'o livro negro da corrupção', avalia que reação do ex-presidente não tem originalidade e que Organização das Nações Unidas não vai acolher apelo do petista alvo da Lava Jato

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Por Julia Affonso
Atualização:

Professor Modesto Carvalhosa. Foto: Felipe Rau/Estadão

Autor de 'O livro negro da corrupção', crítico implacável dos malfeitos que sangram os cofres públicos, o jurista Modesto Carvalhosa acompanha o cenário político do País desde sempre e avalia: os esquemas investigados pela Operação Lava Jato são diferentes daqueles já descobertos em governos anteriores ao do PT. A Lava Jato desvendou formação de cartel e pagamento de propina a políticos a partir de contratos de empreiteiras com a Petrobrás entre 2004 e 2014.

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"O que houve foi uma organização da corrupção pelo PT. Enquanto os partidos anteriores, em governos anteriores, não havia nenhum planejamento para aparelhar o Estado para a corrupção", afirma.

Modesto Carvalhosa é professor e doutor em Direito e autor, entre outros livros, de 'Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas' e 'O Livro Negro da Corrupção'. O jurista vê com preocupação a atuação do Poder Legislativo no combate à corrupção.

"Existem no Brasil duas forças que se debatem: a força que combate a corrupção, representada simbolicamente e na realidade pela Operação Lava Jato e pela força-tarefa do Ministério Público ligada à Operação Lava Jato, e do outro lado todas as forças para, no Congresso Nacional, legalizar a corrupção", relata.

Nesta entrevista, o professor avalia ainda a petição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Organização das Nações Unidas (ONU). O petista denuncia o juiz Sérgio Moro e os procuradores da República que atuam na Operação Lava Jato por "falta de imparcialidade" e "abuso de poder."

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"Essa reação do Lula não tem nenhuma originalidade, porque instintivamente todo político no mundo quando é pilhado praticando corrupção diz que é perseguido político. Eu acho que a ONU não vai levar em consideração esse tipo de pedido que não tem originalidade nenhuma", afirmou.

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

ESTADÃO: O que diferencia a corrupção investigada nos governos do PT para corrupção em governos anteriores?

JURISTA MODESTO CARVALHOSA: Tem uma diferença, porque o governo do PT aparelhou as estatais e também, naturalmente, para o efeito de coletar recursos criminosos, indevidos da corrupção para o partido a para os partidos aliados e para os seus políticos. Do que resultou também uma pilhagem direta dos próprios agentes, operadores desse esquema. A diferença do governo do PT para os anteriores é que houve um planejamento para estabelecer a corrupção como já ocorreu no Mensalão, depois na Lava Jato e hoje já está em outras estatais e outros agentes públicos.

ESTADÃO: A corrupção anterior era amadora?

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MODESTO CARVALHOSA: Não, não era um propósito de governo. Os governos não tinham o propósito de basear o seu poder na corrupção, enquanto o PT, por exemplo, nomeou diretores de estatais, ministros com a missão de canibalizar as estatais e recolher resultados a favor dele e de empreiteiras que eram aliadas do governo e que lhe davam, por sua vez, recursos que haviam pilhado das próprias estatais. Uma empreiteira consegue aditivos fraudulentos da Petrobrás e uma pequena parcela desses aditivos ela entregava para os partidos através de caixa 2, para os políticos diretamente, comissões de contratos. O que houve foi uma organização da corrupção pelo PT. Enquanto os partidos anteriores, governos anteriores, não havia nenhum planejamento para aparelhar o Estado para a corrupção.

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ESTADÃO: O ex-presidente Lula foi à ONU e acusou o juiz Sérgio Moro de 'abuso de poder'. O que a ONU pode fazer em relação à investigação contra Lula na Lava Jato?

MODESTO CARVALHOSA: O presidente da Transparência Internacional, José Carlos Ugaz contou que todo político corrupto diz que as ações do Estado, do Ministério Público e da Justiça contra ele é uma perseguição política. Essa reação do Lula não tem nenhuma originalidade, porque instintivamente todo político no mundo quando é pilhado praticando corrupção diz que é perseguido político. Eu acho que a ONU não vai levar em consideração esse tipo de pedido que não tem originalidade nenhuma. Ele está simplesmente repetindo o que todos os políticos pilhados em conduta de corrupção fazem: 'sou perseguido político'. Ele está repetindo o que já se conhece, segundo a experiência do presidente da Transparência Internacional.

ESTADÃO: Desde a condução coercitiva de Lula, tem havido um embate entre o ex-presidente e Moro. Na semana passada, Moro afirmou que Lula poderia ter sido preso com base nos grampos. O sr. acha que a condução coercitiva foi a medida judicial correta naquela ocasião?

MODESTO CARVALHOSA: Foi correta, porque as acusações eram muito graves. Conforme a gravidade das acusações, a condução coercitiva é absolutamente normal. O que os políticos reclamam?Porque eles não são naturalmente presos comuns, não são pretos, não são pobres, eles são corruptos, milionários. Então, como você vai fazer condução coercitiva para um camarada, o Lula? Condução coercitiva é a coisa mais comum que existe em matéria de Polícia Federal e Polícia Estadual. Não tem nada de novo. Eu acho que a gravidade justificava perfeitamente a condução coercitiva até mesmo para evitar o tumulto.

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ESTADÃO: Recentemente, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) desengavetou um projeto de abuso de poder. Há no Congresso também projetos que tentam modificar termos da delação premiada, houve a polêmica Medida Provisória que tratava do acordo de leniência. A quem interessa esses projetos?

MODESTO CARVALHOSA: Existem no Brasil duas forças que se debatem: a força que combate a corrupção, representada simbolicamente e na realidade pela Operação Lava Jato e pela força-tarefa do Ministério Público ligada à Operação Lava Jato, e do outro lado estão todas as forças para, no Congresso Nacional, legalizar a corrupção. Eles querem legalizar a corrupção e conseguir através de leis que eles estão apresentando a possibilidade de fugirem de serem levados à prisão. Tem esse famigerado projeto de lei 280 de 2016, de autoria do Renan Calheiros, que é exatamente para não admitir delação premiada de preso e outras medidas que eles estão providenciando. Além disso, existe também um projeto igual a Medida Provisória 703, aquela coisa horrorosa que a Dilma mandou para o Congresso, dizendo que ia haver acordo de leniência e daí não precisaria as empreiteiras pagarem nada ao governo, podiam voltar a contratar com o governo, um corpo de delito, um horror. O Congresso não tomou nem conhecimento dessa Medida Provisória. Acontece que tem um Projeto de Lei 5208/2016 que é exatamente igualzinho à Medida Provisória da Dilma que permite que as empreiteiras façam lá uma bobagem, um ritualzinho, dizendo que é acordo de leniência, com isso elas não têm mais de pagar a multa pelo crime de corrupção, ficam todos os processos que o Ministério Público ingressou contra elas. Esse projeto está solto no Congresso. Você tem essas medidas terríveis.

ESTADÃO: Como avalia a decisão do Supremo de mandar prender após condenação em segunda instância?

MODESTO CARVALHOSA: Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, por manifestação de dois dos seus ministros, está derrogando a própria decisão majoritária da própria Corte. Uma vez condenado em segunda instância, o criminoso será encarcerado. Eu acho essa medida perfeita, corretíssima. Mas já dois ministros, em casos diferentes,... O Celso de Mello, em caso de um assassino, que não tem nada a ver com corrupção, aproveitou para dizer que não, só em trânsito em julgado que o assassino poderá ser preso. Ou seja, não será preso nunca. O ministro (Ricardo) Lewandowski, em caso típico de corrupção, declarou que não pode haver a prisão do prefeito, só quando tiver o trânsito em julgado. Os próprios ministros estão derrogando a decisão majoritária do Supremo que consagrou o princípio da prisão após a condenação em segunda instância. Aí também há uma legalização da corrupção, porque se os corruptos forem presos só depois de que haja trânsito em julgado e todos os recursos que os milionários advogados que eles contratam vão conseguir, o que vai ocorrer? Não serão presos nunca. Ou por prescrição ou porque morrerão muito antes de serem condenados. São coisas terríveis que estão ocorrendo. De um lado você tem a Lava Jato que leva a realmente a um combate à essa chaga da corrupção no Brasil, do outro lado você tem forças dentro do próprio Estado que querem legalizar corrupção e impedir que os corruptos sejam presos e condenados, que é o caso do Supremo com essas duas decisões e do Poder Legislativo, que está armado para melar completamente a questão das investigações e dos processos de corrupção.

ESTADÃO: O Poder Executivo e o Legislativo estão fazendo pouco no combate à corrupção?

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MODESTO CARVALHOSA: O atual Executivo não tem agido em favor da corrupção, não tem tomado nenhuma medida contra a Lava Jato, de jeito nenhum. Tem agido de uma maneira muito serena, de respeito à Lava Jato. No Legislativo, há uma verdadeira conspiração contra a Lava Jato. Essas medidas de agora do Supremo, derrogando suas próprias decisões, também são terríveis.

ESTADÃO: Por que o Congresso não quer avançar no combate à corrupção?

MODESTO CARVALHOSA: Porque têm dezenas de congressistas implicados nessa questão toda de corrupção. Em todo sentido, de receber comissões, de caixa 2 de campanha, de fazer parte do esquema. Eles querem de qualquer maneira sabotar a luta contra a corrupção por interesse de sobrevivência não só política, mas pessoal. A coisa é grave. Um gesto quase de defesa de seus próprios interesses de não serem processados e condenados.

ESTADÃO: O sr. publicou o 'O livro negro da corrupção' em que trata do caso dos Anões do Orçamento. Imaginava que poderíamos ter um escândalo da magnitude da Lava Jato?

MODESTO CARVALHOSA: Acho que não. O que havia na época era uma corrupção caso por caso das empreiteiras que tinham sido filiadas nos Anões junto ao antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, hoje o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Não havia nenhum planejamento vindo do governo para facilitar esse tipo de corrupção, embora a corrupção fosse terrivelmente levantada no DNER. Praticamente todos os contratos que tínhamos no DNER naquela época fossem fraudulentos na sua execução.

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ESTADÃO: Qual é a sua avaliação do projeto das 10 Medidas que o Ministério Público Federal levou ao Congresso com apoio maciço de mais de dois milhões de brasileiros?

MODESTO CARVALHOSA: Essas medidas são absolutamente indispensáveis, necessárias, ótimas. Mas não vejo da parte do Poder Legislativo, boa vontade de levar avante isso. Essas medidas são para impedir a corrupção a partir de agora, a partir da vigência das novas leis, não pega nem os passados. Tendo em vista que elas combatem de maneira extremamente eficiente a corrupção, eles não querem. Querem ter o caminho aberto, um horror. Não vejo nenhum movimento do Poder Legislativo a favor da aprovação de regime de preferência das 10 Medidas. O Poder Executivo não pode fazer uma Medida Provisória das 10 Medidas, porque é matéria processual, que no pode haver Medida Provisória. Se o Congresso tivesse alguma vontade de sanear o País da corrupção, teria dado regime de preferência às 10 Medidas, que é de iniciativa popular inquestionável. O Ministério Público propôs e 2 milhões de pessoas assinaram. O Poder Legislativo, que representa o povo, não pode levar na conversa uma iniciativa popular dessa. Mostra a má vontade do Poder Legislativo com relação a isso.

ESTADÃO: A votação final do impeachment está se aproximando. Com fica o País se a presidente Dilma voltar ou se o presidente em exercício Michel Temer permanecer?

MODESTO CARVALHOSA: Se o presidente em exercício permanecer, acho que essa política que ele está fazendo, uma política econômica muito consistente, vai prosseguir, acho que vai melhorar muito. Já está melhorando muito o clima no País. Acho que tem condições de melhorar efetivamente. Se voltar a presidente afastada, será o caos, o fim do mundo. É como o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) falou: se a votação fosse secreta, nem o pessoal votaria pela volta da Dilma. Não tem a menor condição de ser presidente do Brasil.

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