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Terrorismo - o que compliance tem a ver com isso?

Finalmente, foi aprovada no Brasil a Lei que criminaliza o terrorismo. Independentemente da resposta tardia ao compromisso internacional firmado pelo Brasil em novembro de 2001 durante a Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo, promulgado pelo Decreto 5.640/2005, a resposta emergencial do governo, grande parte resultado do risco do país sofrer sanções econômicas e ser enquadrado numa espécie de "lista negra" do GAFI (Grupo de Ação Financeira contra a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo), resulta em mais um ganho para nossa história legislativa.

Por Alessandra Gonsales e Gabriela Guimarães
Atualização:

A lei tem dois grandes objetivos que visam ao atendimento à referida convenção internacional: criminalizar a pratica de ato de terrorismo e ainda criar mecanismos para recuperação rápida, pelas autoridades públicas, dos recursos financeiros dedicados a este fim. A semelhança da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998, modificada pela Lei 12.683/2012) a Lei Antiterrorismo ("LAT") prevê dispositivos que autorizam o juiz a adotar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores, que sejam instrumento, produto ou resultado dos crimes previstos na LAT, e, ainda, a efetuação de sua alienação antecipada, caso necessário à sua preservação. A aplicação deste recurso previsto na Lei de Lavagem de Dinheiro vem sendo utilizada na Operação Lava Jato e já contribuiu para o retorno aos cofres públicos de cerca de R$3 bilhões.

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Tal como em outros países que adotaram uma lei de combate ao terrorismo, no intuito de evitar o mau uso de instrumentos legais para opressão de movimentos sociais, a LAT foi taxativa ao excluir os atos de propósito social ou reivindicatórios do rol de ilícitos considerados como terrorismo. Esse dispositivo, apesar de fortemente criticado, é importante, sobretudo, se considerarmos o atual momento político do Brasil e as recorrentes movimentações sociais que estamos observando em todo país. Ainda que inequívoco o risco de aplicação arbitrária da lei em função da vagueza e ambiguidade de alguns termos, louvável a intenção do legislador que não atendeu exclusivamente às pressões internacionais e procurou redigir uma lei alinhada à realidade local e em respeito ao Estado Democrático.

Mas, o que esta lei tem a ver com o Compliance? Se consideramos o Compliance que chamamos de Financeiro, aquele aplicável às instituições financeiras ou empresas que estão obrigadas a ter um Programa de Prevenção à Lavagem de Dinheiro à luz da já citada Lei n. 9.613/1998, tem tudo a ver.

Essas empresas que, alinhadas às boas práticas internacionais, já incluíam ao seu Programa de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, o Programa de Prevenção de Financiamento ao Terrorismo, agora terão que rever e aprimorar suas ações diligenciais (procedimentos de "KYC- Know Your Client") para evitar que a sua instituição e, principalmente, qualquer de seus colaboradores ou gestores estejam praticando os atos previstos na Lei, pois, de acordo com a Lei 13.260/2016 , incorrerá nas mesmas penas do ato de terrorismo, ou seja, de 15 a 30 anos de prisão, aquele que OFERECER (ex. financiamento bancário), ou RECEBER (ex. aplicação em fundo de investimento), OBTIVER, GUARDAR, MANTIVER EM DEPÓSITO, SOLICITAR, INVESTIR ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativo, bem ou recurso financeiro, com a finalidade de financiar, total ou parcialmente, pessoa, grupo de pessoas, associação, entidade, organização criminosa que tenha como atividade principal ou secundária, mesmo em caráter eventual, a prática dos crimes previstos na Lei.

Cabe lembrar que a análise do cliente para efeito de prevenção à lavagem de dinheiro não necessariamente será a mesma para prevenção de financiamento ao terrorismo. Isso porque, os recursos provenientes da lavagem de dinheiro são de origem ilícita e os recursos direcionados ao financiamento ao terrorismo podem ter origem ilícita ou não.

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E, as empresas que não estão sujeitas aos mecanismos de controle previstos na Lei de Lavagem de Dinheiro? Estas, a princípio, não têm a obrigação de incluir em seus Programas de Compliance procedimentos tão rigorosos de "Conheça seu Cliente", mas continuam tendo que adotar diligências razoáveis para conhecer seus parceiros de negócios e comerciais, aqui incluindo os terceiros que atuam em seu favor (procedimento de Conheça de Fornecedor, na sigla em inglês "Know Your Supplier"), a fim de atender as premissas do Programa de Integridade, previstas no Decreto 8.420/ 2015 que regulou a Lei 12.846/13 ( "Lei Anticorrupção").

Inúmeros são os exemplos aplicáveis ao compliance da chamada economia real, mas sem adentramos nesse meandro, a simples possibilidade de celebração de contrato com empresa cujos sócios efetivos (beneficiários finais) sejam terroristas ou pessoas que financiam o terrorismo, já é elemento suficiente à revisão dos processos de due diligence, isso em função do imensurável (e de difícil recuperação) dano à imagem da empresa e de seus dirigentes, associada (ou colaboradora) de grandes perdas financeiras. A boa notícia é que a comunhão das boas práticas trazidas pelas leis de combate ao terrorismo e à corrupção, tipos muitas vezes associados, garantirão às empresas o aperfeiçoamento dos seus controles internos, além de contribuírem para uma sociedade onde as vantagens competitivas estão pautadas em real capacidade técnica/ qualidade, não na realização de pagamentos indevidos, no caso de corrupção, e na qual os atos de xenofobia, discriminação ou preconceito serão efetivamente e severamente punidos, no caso de terrorismo.

Ao final, além de proteger o próprio negócio, a empresa estará desempenhando um papel social fundamental, o de coibir atos indevidos pela educação de seus funcionários e daqueles que compõem sua cadeia de suprimentos- essa sim é a verdadeira função social das empresas.

*Alessandra Gonsales, sócia do WFaria Advogados, responsável pela área de Governança, Risco e Compliance e da LEC (Legal, Ethics and Compliance), mestre em Direito Comercial, tendo realizado as pesquisas acadêmicas na Universidade de Harvard.

*Gabriela Guimarães, Gerente de Compliance Cone Sul da Olympus Optical do Brasil. Advogada especialista em compliance, certificada pela SCCE/ USA como CCEPI - Certified Compliance & Ethics Professional International e com MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e Ohio University.

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