O Supremo Tribunal Federal vai analisar a necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, apta a instruir Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME). Por unanimidade dos votos, o Plenário Virtual da Corte reconheceu a existência de repercussão geral da matéria constitucional em discussão no Recurso Extraordinário (RE) 1040515.
As informações foram divulgadas no site do Supremo.
O recurso foi apresentado pelo Ministério Público Eleitoral contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral, que, ao analisar uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, entendeu que a gravação ambiental somente é viável mediante autorização judicial, sendo regra a proteção à privacidade direito fundamental estabelecido na Constituição Federal.
Ainda em 2012, o TSE excepcionou esse entendimento para considerar lícitas as gravações ocorridas em ambientes abertos.
No entanto, no caso concreto, o TSE observou que duas gravações ambientais fundamentaram a condenação de uma das partes. A primeira gravação foi realizada no interior de um automóvel e, na segunda, não houve a identificação do respectivo local, afastando, assim, a aplicação da exceção.
Para o Ministério Público, a gravação ambiental pode ser admitida como meio de prova, independentemente de autorização judicial.
O autor do recurso considera que, conforme decisão do Supremo, a gravação ambiental de conversa por um dos interlocutores não estaria relacionada à interceptação de conversa por terceiros a ela estranhos. Salienta que esse entendimento seria aplicável também no campo eleitoral no qual 'encontram-se em jogo interesses maiores, coletivos, os quais deveriam se sobrepor a quaisquer interesses particulares menores'.
O Ministério Público Eleitoral assinala que o fundamento segundo o qual a gravação ambiental somente seria legítima se utilizada em defesa do candidato, nunca para acusá-lo da prática de um ilícito eleitoral, conflita com a jurisprudência do Supremo, segundo a qual a gravação ambiental pode ser utilizada não apenas pela defesa, mas também em prol da persecução penal.
A Procuradoria eleitoral argumenta que a questão não é de inviolabilidade das comunicações, 'e sim proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público'.
O relator da ação no Supremo, ministro Dias Toffoli, afirmou que há relevância jurídica, política e social da matéria, com base no argumento de que o TSE está conferindo interpretação equivocada à garantia do sigilo das comunicações telefônicas, 'a fim de sedimentar a licitude de gravação ambiental utilizada em processo eleitoral, inclusive como meio de prova da acusação'.
Toffoli considerou importante o debate, a fim de saber se a posição adotada pelo TSE viola o artigo 5º, incisos II e XII, e artigo 93, inciso IX, ambos da Constituição Federal.
O ministro manifestou-se pela repercussão geral da matéria, ao concluir que o tema discutido no Recurso Extraordinário apresenta 'nítida densidade constitucional e extrapola os interesses subjetivos das partes, pois repercute na sociedade como um todo, na medida em que impacta diretamente o processo eleitoral e, em última instância, o normal funcionamento do Estado Democrático de Direito'.
Toffoli observou que a questão apresenta discussão sobre direitos e garantias fundamentais 'da mais alta relevância e da maior grandeza', uma vez que a matéria está relacionada ao direito à privacidade e ao sigilo das comunicações, bem como ao princípio da legalidade.
Em sua manifestação, o relator considerou que a questão analisada na hipótese pode ser objeto de inúmeros processos em todo Brasil, atingindo candidatos em todas as fases das eleições e até mesmo após o encerramento dessas. "Isso, evidentemente, tem severas implicações para a normalidade institucional, política e administrativa de todas as unidades da Federação, independentemente do nível de que se esteja a falar", avaliou.
Toffoli destacou que, embora o Supremo - questão de ordem no RE 583937 - tenha assentado a validade da prova obtida por meio de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, 'a seara eleitoral guarda peculiaridades as quais, inexoravelmente, conduzem à necessidade de uma reflexão mais detida sobre a aplicabilidade daquela posição a este ramo específico do direito'.
De acordo com o relator, neste caso os réus chegaram a ser condenados em segunda instância por decisão de órgão colegiado e, apesar de se tratar de eleição em 2012, o interesse jurídico apresentado no recurso do Ministério Público Eleitoral persiste, em função do que dispõe a Lei Complementar 135/2010, que elevou o prazo de inelegibilidade.
"Ademais, não há que se olvidar que a condenação de detentor de mandato eletivo por abuso dos poderes econômico e político, inclusive em sede de julgamento de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, com decisão transitada em julgado, atrai a inelegibilidade prevista na Lei de Inelegibilidades, ainda que se compreenda como um efeito secundário", destacou Toffoli.