Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

STF decide: Renan fica! Mas...

PUBLICIDADE

Por Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral
Atualização:
Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral. Foto: Divulgação

Já abordei a situação inaugurada pela decisão do Min. Marco Aurélio que concedeu medida liminar no sentido de afastar Renan Calheiros da Presidência do Senado. O voto foi proferido em ADPF proposta pela Rede Sustentabilidade, na qual o partido questiona a possibilidade de réus, em processos penais, poderem exercer cargo de Presidência de qualquer um dos órgãos (Câmara, Senado e STF) cujos dirigentes compõem a linha de sucessão ou substituição do cargo de Presidente da República.

PUBLICIDADE

Afirmei que, se seguíssemos a lógica, Renan deveria ser afastado, assim como Cunha havia sido, embora eu não veja com bons olhos essa espécie de ativismo por parte do STF. Agora, tendo em vista a decisão em relação a Cunha, o mesmo deveria se dar em relação a Renan. Adverti, contudo, - e esse me parece um bom argumento - que o afastamento de Cunha não havia ocorrido com base na ADPF em questão, mas sim em medida cautelar oferecida pelo Procurador-Geral da República, cujo principal fundamento se encontrava na interferência do então Presidente da Câmara no que tange à investigação da qual ele próprio era sujeito.

Essa distinção é importante. Dispositivos do Código de Processo Penal foram lembrados, para evitar que investigado ou réu pudesse, a partir do exercício de seu cargo, afetar o curso da investigação ou da instrução criminal. Sendo assim, para além de afastar Eduardo Cunha da Presidência da Câmara, o STF o afastou do exercício do mandato. A liminar concedida por Marco Aurélio não chegou a tanto. Mas como decidiu o STF? Por maioria de votos, vencidos os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Rosa Weber, o Pleno decidiu manter Renan Calheiros na Presidência do Senado, mas o impediu de ocupar a Presidência da República, em caráter temporário, na ausência de Temer e de Rodrigo Maia. Seguindo essa lógica, nessa situação, a Presidente do STF assumirá a Presidência da República, "pulando-se" o Senado Federal.

Muitos sabem que liminares dependem de ao menos dois requisitos: o perigo da demora e a "fumaça do bom direito". Para Marco Aurélio, ambos estariam presentes no instante em que Renan se tornou réu em processo criminal perante o STF. Particularmente, não vejo do mesmo modo. Para a divergência inaugurada pelo Min. Celso de Mello, esses requisitos não se apresentam no caso de Renan. Aliás, alguns ministros chegaram a cogitar que tais requisitos militavam em favor da permanência de Renan, já que a agenda do Senado seria claramente afetada a partir de seu afastamento. Eis aí um argumento político.

O que podemos concluir a respeito do que se deu hoje no STF? Penso que, uma vez mais, a heterodoxia reinou. Provocado pela REDE, o STF teve que decidir. A decisão não era simples, já que, com o máximo respeito, a ADPF em comento é quase uma "consulta com efeitos práticos" da maneira como apresentada ao Tribunal. O Judiciário não se presta a "consultas". Não penso que a ADPF "sirva para tudo", na esteira do que muitos parecem pensar. A situação concreta relativa à assunção da Presidência da República por Renan Calheiros foi avaliada em tese. A liminar, porém, gerou efeitos concretos e individuais.

Publicidade

A decisão do STF inova sua própria jurisprudência, em alguma medida pode-se pensar até que a altera. Qualquer cidadão médio teria dificuldade de imaginar um cenário tão catastrófico como o que vivemos. Mas há algo positivo nesse julgamento. Firmado o entendimento acima aduzido, Câmara e Senado terão mais cuidado - espero! - ao elegerem seus respectivos presidentes, a fim de que não seja eleito alguém que não poderá exercer plenamente as funções decorrentes do cargo, dentre elas ocupar a Presidência da República em caso de vacância e em caráter temporário. Além disso, houve significativo debate a respeito da maneira desrespeitosa como políticos tratam juízes e como estes se tratam entre si. Esse elemento expõe tão somente a crise institucional que nos assola. Não se pode dizer que os Poderes no Brasil dispensam tratamento adequado um ao outro. Ao contrário, são frequentes os embates entre integrantes de um mesmo Poder e entre os que compõem Poderes diversos. Essa situação precisa ser revista, pelo bem da democracia. Afinal, além do desrespeito, tem havido ingerência entre os Poderes.

Outro aspecto muito abordado diz respeito aos atos atentatórios à dignidade da justiça. Nesse ponto, os ministros se referiram à inegável desobediência por parte da mesa diretora do Senado. De fato, ainda que discordemos de decisões judiciais, elas devem ser cumpridas. Se não for assim, teremos o caos instalado. Renan poderia recorrer? Claro que sim! Mas não deveria ter se prestado a negar obediência à decisão judicial, ainda que com ela não estivesse de acordo.

Para finalizar, cabe afirmar que o julgamento representou mais um momento em que o STF agiu com inegável vocação política. É claro que os votos contam com fundamentação jurídica. Entretanto, a maior parte deles também abordou a crise e a instabilidade que se instalaram no Brasil. Restou evidente que a abertura da declaração dos votos pelo Min. Celso de Mello, que seria o penúltimo a votar, voltou-se a uma espécie de pacificação do julgamento. Suas palavras colocaram panos quentes no imbróglio. Assim, a PEC do teto deve ser votada pelo Senado, fato que pode amenizar o caos que vivemos. Essa página parece ter sido virada. Mas há muito mais para resolvermos.

*Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral, é advogado, professor do Instituto de Direito Público de São Paulo, da Faap e da Universidade Paulista

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.