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Spa sedia cooperativas 'laranjas' em Bebedouro

Hotel da família de ex-dirigente da Coaf abriga investigadas na ‘máfia da merenda’

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Foto do author Pedro  Venceslau
Por José Maria Tomazela , Pedro Venceslau e Bebedouro
Atualização:

Entrada do Natural Spa, endereço das cooperativas Horta Mundo e Associação Agrícola Orgânica de Bebedouro. FOTO: EPITACIO PESSOA/ESTADÃO Foto: Estadão

Duas das cooperativas usadas pela chamada "máfia da merenda" - alvo da Operação Alba Branca, que investiga um esquema que superfaturava preços dos produtos e pagava propina para vender alimentos às escolas no Estado de São Paulo - têm sede num spa em Bebedouro, interior paulista. A Associação Agrícola Orgânica de Bebedouro (AAOB) e a Horta Mundo Natural foram usadas para simular disputas com a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf), que firmava contratos das prefeituras para fornecer a merenda escolar.

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A entidade é o alvo central da investigação do Ministério Público Estadual e Polícia Civil. Quem procura as cooperativas de produção de alimentos, encontra hóspedes jogando tênis ou fazendo exercícios aquáticos num conjunto de piscinas. O endereço da AAOB e da Horta Mundo é o mesmo do Natural Spa, um hotel de emagrecimento com diárias de até R$ 310. O empreendimento pertence à família de Cassio Izique Chebabi. Ex-presidente da Coaf, ele é apontado pelos investigadores como coordenador das fraudes. Chebabi colocou "laranjas" na direção das duas cooperativas de fachada que, em muitos contratos com prefeituras, são as únicas que "concorrem" com a Coaf.

O gerente do spa, Deceir Aparecido Valseirio, disse que uma parte da área do empreendimento, que ocupa terreno de 106 mil metros quadrados, foi usada por Cássio Chebabi para a produção de legumes e verduras. Ele contou também que a horta parou de produzir há muito tempo. A reportagem teve acesso ao terreno e encontrou mato quase encobrindo o "esqueleto" do que haviam sido quatro estufas, além de algumas máquinas, equipamentos e mangueiras para irrigação transformados em sucata.

As três cooperativas já existiam quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou a Lei no.11.947/2009, determinando que 30% dos recursos do Fundo Nacional da Alimentação Escolar fossem destinados à compra de produtos da agricultura familiar para a merenda. A lei dispensa a licitação, mas exige uma série de documentos que obriga o agricultor a se organizar em associações ou cooperativas. Chebabi usou a Horta Natural para se cadastrar como produtor familiar.

A Coaf começou adquirindo a produção de 60 pequenos produtores familiares, como manda a lei, mas a prática durou pouco, conforme contou ao Estado o presidente interino Carlos Alberto Santana da Silva. "Não tinha logística para levar a produção de cada pequeno agricultor, então era comprado onde havia o produto, inclusive no Ceasa."

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Para simular a compra da agricultura familiar, a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) - registro que comprova que o produtor é de fato familiar - emitida por órgãos do Ministério e da Secretaria de Agricultura era adulterada. "Na essência, todos os contratos (da Coaf com prefeituras) eram irregulares pelo uso indevido do DAP", admite Silva.

Política. Em depoimento ao Ministério Público, o presidente interino da cooperativa afirmou ter ouvido de Chebabi, que foi filiado até o ano passado ao PMDB, e de vendedores da cooperativa, "que em relação às vendas para as prefeituras de Campinas e Ribeirão Preto, valores eram repassados ao deputado Baleia Rossi".

Presidente do PMDB paulista e filho do ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi, que era presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), quando a lei 11.947 entrou em vigor, Baleia afirma que não tem envolvimento com o caso.

Local onde era cultivada horta da cooperativa Coaf, em Bebedouro. Foto: Epitácio Pessoa/Estadão

Ele disse, ainda, que foi citado devido a uma disputa política local. "O Chebabi se afastou do PMDB. Um grupo político que me odeia quer resgatar o apoio dele a mim", diz o parlamentar. Baleia Rossi também afirma que não conhece Carlos Alberto Santana da Silva. "Querem municipalizar o problema."

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O grande salto da Coaf aconteceu com a introdução do suco de laranja na merenda, como relata Silva. "Bebedouro é a capital nacional da laranja, então era tudo o que a cooperativa queria", contou, atribuindo a estratégia do suco ao bom relacionamento do então presidente da entidade com prefeituras e pessoas ligadas aos governos estadual e federal.

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Como presidente da cooperativa, Chebabi frequentava eventos públicos, principalmente nas cidades da região de Ribeirão Preto, aproximava-se de políticos e de autoridades e distribuía generosamente caixinhas de suco de laranja. Numa dessas festas políticas, no dia 28 de abril de 2014, em Bebedouro, ele "colou" no governador Geraldo Alckmin e no prefeito do município, Fernando Galvão (DEM). Alguém da própria equipe de Chebabi fotografou o momento de confraternização - o tucano aparece sorridente entre o prefeito e Chebabi, estes dois exibindo caixinhas do suco.

Dívida. Na próxima quarta-feira, uma assembleia vai decidir o futuro da Coaf. A cooperativa deve R$ 3 milhões e tem menos de R$ 100 mil para receber. Os 29 funcionários voltaram de férias um dia após as prisões e não têm o que fazer. No Barracão do Produtor, onde são recebidos e embalados os produtos, as máquinas estão paradas. "Há uma semana não recebemos produção nenhuma. A gente tem família e vamos pagar por algo que não fizemos", queixou-se o conferente Leandro Vechiatto, de 30 anos.

Instalações da cooperativa investigada na Operação Alba Branca estão abandonadas após denúncias de corrupção. FOTO: EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO Foto: Estadão

A prefeitura de Bebedouro não tem plano para salvar a Coaf. De acordo com o diretor de Desenvolvimento Econômico, Lucas Seren, o agronegócio vive um bom momento na região e pode absorver a mão de obra que venha a ser dispensada.

Na cidade de 76 mil habitantes, a Alba Branca, que no dia 19 de janeiro prendeu sete dirigentes e vendedores da Coaf, monopoliza a atenção dos moradores. Trechos de supostos depoimentos dos envolvidos fervilham nas redes sociais.

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O 1.º Distrito Policial centraliza as investigações da força-tarefa, composta por um promotor público, um delegado e dois investigadores da Polícia Civil em tempo integral, além de dois delegados e dois investigadores em meio expediente. Há grande expectativa com o que ainda vai surgir das investigações, já que grande parte do material apreendido ainda está sendo analisada. "Espero que eles cheguem também nos políticos, naqueles que embolsaram a propina", disse o comerciante Paulo Nogueira.

Cassio Chebabi foi procurado em sua casa, no spa da família e no escritório de advocacia dos familiares. Em todos os locais, a informação era de que ele estava viajando. Nenhum dos familiares quis se manifestar.

O advogado de Chebabi, Ralph Stettinger Filho, disse que seu cliente está apreensivo com a repercussão do caso. Ele disse que a Justiça determinou sigilo nas investigações e por isso não podia dar mais detalhes do caso. "A Coaf não tinha interesse em pagar propina. Sempre que se negociava com as prefeituras, era mais benéfico não ter que pagar."

O atual presidente da Coaf, Carlos Alberto Santana da Silva. FOTO: EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO Foto: Estadão

Quando foi detido pela Polícia Civil, Chebabi apontou aos investigadores da Operação Alba Branca os nomes do presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez (PSDB), e do secretário estadual de Logística e de Transportes Duarte Nogueira, como supostos beneficiários de uma propina de 10% sobre contratos da Secretaria de Estado da Educação no governo Geraldo Alckmin (PSDB).

Nogueira e Capez negam qualquer envolvimento com o esquema investigado pela Alba Branca. A Procuradoria-Geral de Justiça requereu na sexta-feira ao Tribunal de Justiça a quebra do sigilo bancário de Capez e encaminhou para o Supremo Tribunal Federal a parte da operação que cita os deputados federais Baleia Rossi (PMDB) e Nelson Marquezelli (PTB), e também de Duarte Nogueira, que está licenciado do mandato.

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