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Sem punição a políticos, Lava Jato terá sido em vão, diz delegado

Responsável pela investigação que originou o maior escândalo de corrupção do Brasil, Márcio Anselmo deixou nesta semana força-tarefa, em Curitiba

Por Ricardo Brandt e e Julia Affonso
Atualização:

Márcio Adriano Anselmo. FOTO: GERALDO BUBNIAK/ESTADÃO  

Em sua mais difícil fase, a Operação Lava Jato perdeu nesta semana o delegado que iniciou, em 2013, as investigações de lavagem de dinheiro da família do ex-deputado José Janene (PP-PR) - morto em 2010 -, que resultaram no escândalo Petrobrás: Márcio Adriano Anselmo. Aos 39 anos, ele está de mudança para Vitória, onde vai assumir a Corregedoria da Polícia Federal, no Espírito Santo.

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Na última quinta-feira, 23, quando todas atenções estavam voltadas para os desdobramentos da Operação Carne Fraca - de corrupção em fiscalizações do Ministério da Agricultura, em empresas de carnes e processados -, foi publicada a ordem de remoção de Anselmo.

Memória viva da Lava Jato, ele deixa a equipe da força-tarefa de Curitiba, depois de três anos de investigações ostensivas e 38 operações deflagradas.

Enquanto limpava as gavetas e amontoava caixas de papelão com pastas de inquéritos, laudos e livros, na sala 213, do segundo andar da Superintendência Regional do Paraná, Anselmo deu sua última entrevista ao Estadão como membro da Lava Jato.

"De nada adiantará a Operação Lava Jato se os políticos envolvidos não forem punidos."

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Nascido em Cambé, pequena cidade da região metropolitana de Londrina, Anselmo pensou em seguir carreira de diplomata, antes de entrar para polícia.

Há 14 anos na Federal - quatro deles como escrivão, antes de virar delegado -, Anselmo enfrentou poderosos da política nacional pela primeira vez, em sua carreira de especialistas em crimes financeiras, em 2009, ao comandar a Operação Faktor (também conhecida como Boi Barrica), no Maranhão. O alvo era supostos crimes de lavagem de dinheiro do empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (PMDB) - em 2011 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou provas da investigação.

Desde 2014, Anselmo virou uma das principais figuras públicas da Lava Jato, que levou para cadeia empreiteiros como Marcelo Odebrecht, ex-ministros como José Dirceu e Antonio Palocci e provocou uma reação em cadeia sem precedentes no combate à corrupção no Brasil.

A Lava Jato revelou que a partir de um esquema de loteamento político das principais diretorias da Petrobrás, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, PT, PMDB e PP passaram a arrecadar de 1% a 3% de propina em grande contratos da estatal, em conluio com um cartel formado pelas maiores empreiteiras do País. O esquema, que teria durado de 2004 a 2014, abasteceu a base e partidos de oposição, como o PSDB. Um rombo de mais de R$ 40 bilhões.

O escândalo completou três anos no último dia 17.

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Márcio Anselmo, na Superintendência da PF no Paraná. FOTO GERALDO BUBNIAK / ESTADÃO Foto: Estadão

Em meados de 2016, ano em que a Lava Jato atingiu o suposto líder da organização criminosa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Anselmo pediu para deixar a equipe. Alegou esgotamento. Queria estudar fora do Brasil e viajar.

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Convidado a assumir a Corregedoria no Espírito Santo, para onde já havia sido transferido seu colega de força-tarefa, Luciano Flores de Lima, ele aceitou. Fã de alta gastronomia, Anselmo diz que a troca de função na polícia é um recomeço, não uma mudança, e cita a badalada chef Roberta Sudbrack. "Fechou o restaurante quando esperavam que ela ganhasse uma nova estrela do Guia Michelin e foi cuidar de um food truck."

Contraofensiva. Considerado por colegas de investigação a "alma" da Lava Jato, Anselmo deixa a força-tarefa em um momento em que políticos empreendem a mais dura contraofensiva, em busca de anistia e leis de salvaguarda aos investigados.

A mega delação premiada dos 78 executivos e ex-executivos da Odebrecht emparedou deputados, senadores e ministros do governo Michel Temer (PMDB). A possibilidade de uma anistia aos políticos investigados por corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobrás representaria "o fim da Lava Jato", avalia o delegado.

"Seria a prova irrefutável de que o crime compensa no Brasil".

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LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA:

Estado: A Lava Jato completa hoje 3 anos de fase ostensiva. Há o que comemorar?

Márcio Adriano Anselmo: Certamente. A Lava Jato é reconhecida nacional e internacionalmente como a maior operação de combate a corrupção da história. Ter participado dela, desde o início, sem dúvida é um grande orgulho. Mais do que isso, ter convivido com uma equipe fantástica ao longo desses anos, que começou de forma despretensiosa e se tornou uma grande equipe, uma referência no combate aos crimes de corrupção no País.

Estado: A Lava Jato está acabando?

Anselmo: Acredito que não. Ainda há muito por fazer. Creio que o trabalho da primeira instância, ao menos no Paraná, está próximo da sua conclusão, mas ainda há uma imensidão de trabalho nas investigações que envolvem autoridades com prerrogativa de foro, bem como vários trabalhos em andamento em outros Estados, muitos deles 'filhotes' da Lava Jato.

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Estado: O Supremo Tribunal Federal recebeu a maior carga de pedidos de investigação da Procuradoria Geral da República contra alvos com foro privilegiado da Lava Jato. A Corte está preparada, na avaliação do sr, para julgar esses processos?

Anselmo: Não, de forma alguma. O Supremo não tem estrutura seja para a fase de investigação, seja para a fase das ações penais. Isso é objetivo. Veja o tempo que a pauta do STF ficou trancada para o julgamento do mensalão que era um único processo.

Quase todos os casos de ações penais que lá tramitam acabam prescrevendo. O problema é estrutural. É impossível uma suprema corte julgar a quantidade de casos que são julgados no Brasil. É humanamente impossível. Tudo no Brasil termina no STF e isso precisa ser revisto. A quantidade de autoridades no Brasil com foro por prerrogativa colabora com esse estado de caos e funciona como garantia de impunidade.

Estado: A punição de políticos que participaram do esquema de corrupção na Petrobrás é algo essencial para que a Lava Jato seja efetiva?

Anselmo: Certamente. De nada adiantará a operação se os políticos envolvidos não forem punidos. Os demais envolvidos, como corruptores, agentes públicos e operadores financeiros, sempre atuaram na certeza de serem blindados.

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Estado: Uma anistia geral para os alvos políticos não poderia representar um retrocesso para a Lava Jato ?

Anselmo: Uma anistia dessa forma, como já foi cogitado, seria o fim da Lava Jato. Seria a prova irrefutável de que o crime compensa no Brasil.

Delegado da PF Márcio Anselmo FOTO DENIS FERREIRA NETTO / ESTADAO Foto: Estadão

Estado: O sr. deixa a equipe da Lava Jato, com um pedido feito um ano atrás, em que se declarou esgotado. Seu estresse e cansaço têm relação com pressões sofridas ou ameaças de processos?

Anselmo: Poucos conhecem o ritmo de trabalho da equipe Lava Jato, seja na PF, Receita, Ministério Público Federal ou Justiça Federal. Muitas vezes o horário do expediente começa bem antes das oito horas da manhã e termina depois das dez da noite. Antes da deflagração da primeira fase, por falta de pessoal, eu levava trabalho todo dia para casa para garantir o cumprimento dos prazos rígidos das interceptações. Cuidava do monitoramento de mais de uma dezena de e-mails.

Passados quase quatro anos, o cansaço físico e mental é inevitável. Já tinha manifestado meu desejo de sair há algum tempo. Trabalho na área de crimes financeiros e desvio de recursos públicos há mais de dez anos. É uma área que exige muito e às vezes é preciso parar e retomar o caminho.

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A Roberta Sudbrack - que considero um dos maiores nomes da gastronomia no Brasil -, fechou o restaurante, quando esperavam que ela ganhasse uma nova estrela do Guia Michelin, e foi cuidar de um food truck.

Com as devidas proporções, é importante sempre parar e repensar os caminhos. Felizmente, a PF me permite trabalhar em diversas áreas e locais. Não significa um afastamento da área de investigação, mas apenas um recomeço.

Estado: O Congresso articula medidas para tentar livrar os investigados pela Lava Jato. Há chances delas tornarem a Lava Jato uma operação sem resultados?

Anselmo: Certamente. É só observar o exemplo da Operação Mãos Limpas na Itália, cuja semelhança com a Lava Jato é muito grande. Quando a operação estava próxima de quem detinha na mão o poder de fazer as leis, tudo se perdeu. Isso é o que a sociedade brasileira não pode permitir.

Estado: A delação da Odebrecht, que revela corrupção em contratos públicos de outros setores, não só na Petrobrás, com governos de estados e prefeitura, trará um efeito positivo ou negativo para a Lava Jato?

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Anselmo: Um eventual efeito positivo ou negativo vai depender da capacidade de se lidar com essas informações. A lei é bastante clara no sentido de que a palavra do colaborador não é suficiente para condenação. Assim, um efeito positivo somente será gerado se houver possibilidade de investigação dos fatos para obtenção de provas do que foi narrado. Assim, se não for possível um bom trabalho de investigação nesses casos, tudo continuará como antes.

Estado: Em 2014, primeiro ano das investigações, as pessoas se mostraram chocadas com a frase dita por um criminalista, defensor de um dos investigados da Lava Jato, de que no Brasil não se colocava um paralelepípedo sem se fazer acerto com políticos. Passados três anos de Lava Jato, algo mudou no País?

Anselmo: Essa frase reflete a realidade. Sempre existiu no Brasil uma simbiose entre agentes econômicos e agentes políticos, em qualquer grau. Desde o caso do pequeno empresário que fornece para uma prefeitura às grandes obras de engenharia. A Lava Jato só fez evidenciar que essa frase é a mais pura realidade no País. Como ponto relevante, muitas empresas têm adotado medidas de compliance, estruturando seu ambiente interno anticorrupção, mas é um longo caminho.

Basta lembrar que, num exemplo da Lava Jato, havia um caso de um contrato de fachada firmado com uma grande empreiteira e uma empresa que na verdade era uma barraca de uma feira de importados e que, mesmo com manifestação contrária do departamento jurídico da empresa, a contratação fraudulenta foi efetivada.

Estado: Um dia antes da Lava Jato completar 3 anos, o doleiro Alberto Youssef, figura central da Lava Jato, conseguiu o direito de cumprir pena em regime aberto, isso é, vai para a rua. O sr defende mudanças nas regras das delações ?

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Anselmo: A lei é suficiente. O problema que considero é algumas interpretações equivocadas, bem como a concessão de benefícios não previstos em lei. Talvez falte mais critério para o Judiciário ao analisar esses acordos quando da sua homologação ou mesmo uma posição mais dura quando são identificadas falhas e omissões por parte dos colaboradores. Nossa legislação é recente e, sem ela, certamente a Lava Jato não teria chegado onde chegou.

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