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Sem limites ao atrevimento

Inconformado por ver seu voto ser questionado publicamente, o desembargador Sartori partiu para o ataque

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Por Redação
Atualização:

No dia 27 de setembro, a 4.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) anulou os 5 julgamentos que condenaram 74 policiais militares pelo massacre de 111 presos no Carandiru, em 1992. Ao apresentar seu voto, o relator do recurso, desembargador Ivan Sartori, defendeu inclusive que os acusados deveriam ser absolvidos, o que não foi aceito.

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A decisão do TJ-SP recebeu muitas críticas. Inconformado por ver seu voto ser questionado publicamente, o desembargador Sartori partiu para o ataque. Sem apresentar provas e nem sequer indícios, Ivan Sartori - que foi presidente do TJ-SP durante o biênio 2012-2013 - insinuou que parte da imprensa e das organizações de direitos humanos é financiada pelo crime organizado.

"Diante da cobertura tendenciosa da imprensa sobre o caso Carandiru, fico me perguntando se não há dinheiro do crime organizado financiando parte dela, assim como boa parte das autodenominadas organizações de direitos humanos. Note-se que o voto foi mandado para os órgãos de imprensa e ninguém se dignou a comentá-lo em sua inteireza. Estão lá todas as explicações da anulação e tese da absolvição", afirmou o desembargador Sartori em sua conta numa rede social. O título do post era Quando a Imprensa é Suspeita.

Sua reação não é apenas destemperada. Ela lança dúvidas sobre o respeito que devota à qualidade da formação jurídica que, como magistrado, decerto há de ter. Suas insinuações - sem apontar nenhum indício para o que afirma - denotam estranha tentativa de driblar o princípio do ônus da prova. Ser-lhe-ia sem dúvida despicienda a observação de que quem acusa tem o dever de apresentar provas. Se não apresenta, é porque não as tem. E se não as tem, a conclusão é cristalina - não deve acusar.

O desembargador Sartori, no entanto, fazendo vista grossa à elementar lógica jurídica, prefere insinuar sem apresentar qualquer tipo de prova. Não presta, assim, bom serviço à imagem do Poder Judiciário, pois, ao proceder desse modo, transmite a impressão de que nem todos entre seus membros levam na devida conta princípios comezinhos do Direito.

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Aliás, não é a primeira vez que o desembargador coloca a imagem do Poder Judiciário em risco. Tempos atrás, quando era presidente do TJ-SP, Ivan Sartori ajuizou ação contra este jornal e o desfecho não lhe foi favorável. Na decisão, a Justiça considerou que Sartori carecia de legitimidade ativa para propor a ação. Era o próprio Poder Judiciário afirmando que o presidente do Tribunal de Justiça paulista havia ajuizado uma ação sem observar regras processuais.

Na época, a imprensa trazia à tona problemas estruturais da Justiça e mazelas pessoais de alguns - felizmente, poucos - magistrados acusados de desvio de conduta. O desembargador Sartori não gostou do que saiu publicado e processou o jornal. Perdeu. Não é demais lembrar que, pouco antes, a então corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, havia classificado a Corte paulista como a mais refratária ao controle do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Lamenta-se que o desembargador tenha tanta dificuldade em aceitar críticas, como se suas decisões fossem, por princípio, perfeitas. Vale lembrar que as críticas ao seu voto absolvendo os policiais do massacre do Carandiru foram de natureza técnica. Não houve ataques à sua pessoa nem à sua honra. Questionava-se simplesmente a adequação do seu voto ao ordenamento jurídico. Sartori preferiu, no entanto, fazer insinuações sobre o trabalho da imprensa em geral. Anteriormente havia acusado este jornal de irresponsável e tendencioso, lamentando não haver "o que breque essa senda criminosa".

Reagindo dessa forma, o desembargador Sartori deixa transparecer sua inquebrável resistência a críticas jurídicas ao seu voto. Com dificuldades em transitar no terreno da argumentação jurídica, prefere levar a discussão para o nível da sarjeta. Lá não nos encontrará. Ficará, como está, sozinho.

*Editorial publicado em 6 de outubro de 2016 no jornal O Estado de S.Paulo

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