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Revista íntima vexatória

Desembargador José Carlos G. Xavier de Aquino analisa o sistema prisional brasileiro

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Por Redação
Atualização:

José Carlos G. Xavier de Aquino*

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Com a tardia edição da Lei 15.552, de 12/08/2014, que proíbe revista íntima nas pessoas que visitam seus parentes, amigos e que tais, segregados nos cárceres superlotados do Estado (cerca de 280 estabelecimentos), vem à lume o questionamento sobre as falhas que as prisões apresentam, sobretudo, no que toca ao princípio da dignidade humana, consectário da obrigação constitucional do Estado em garantir os direitos fundamentais aos custodiados. Prima facie se percebe que os fins hodiernos e básicos da retribuição estatal, na atual conjuntura, jamais serão alcançados, mantendo-se, com todas vênias de Giuseppe Bettiol, a vetusta visão míope de que a retribuição estatal, nos crimes, não passa de castigo levado a efeito através da pura e simples segregação do delinquente, de modo que o afaste do convívio com a sociedade.

Face ao postulado da supremacia da Lei Maior, registre-se que a nossa Carta Magna exsurge como texto mater e de regência em relação à legislação infraconstitucional, tal como adverte Canotilho, ao prelecionar que estado de direito é o estado constitucional, ou seja, aquele que obedece as normas, as regras e aos princípios constitucionais.

Com efeito, ainda que serôdia a medida ora adotada, minimiza parcialmente o flagrante descumprimento do art. 5º, inc. XLV, da CF/88, quando esta norma obtempera que o escarmento judicial, em estrita obediência ao princípio da individualização da expiação, não poderá ultrapassar da pessoa do condenado. É verdade que o conceito de pena não advêm de um estudo jurídico, mas, sim, de um critério inegavelmente político. Como é sabido, o legislador, ao seu bel talante, fixa em "x" anos o preceito sancionador que segue a norma penal incriminadora. Mas uma vez imposta ou estabelecida a sanção indaga-se: qual o critério utilizado para estabelecer a pena mínima do delito de roubo em 4 anos? Poder-se-ia dizer ser influência do humor do legislador?

Em razão de inúmeros Tratados, Convenções internacionais (ou institutos semelhantes) firmados pelo Brasil, principalmente aqueles pertinentes aos Direitos Humanos, transitada em julgado a prestação jurisdicional que fixou o escarmento, a par do condenado ter direito a uma execução condigna (circunstância essa que longe está de ocorrer), na medida em que as nossas prisões mais estão para depósitos de presos, do que institutos que objetivam também a recuperação do segregado é tempo de se buscar, através da Teoria da Pena, outros meios alternativos que substituam a segregação. Todavia, outro dispositivo constitucional é ferido de morte ao se admitir que a retribuição estatal ultrapasse a pessoa do delinquente (art. 5º, XLV, CF/88).

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Confira-se o entorno de presídios e cadeiões onde se verifica com clareza meridiana, que os visitantes para ir ter ao condenado são obrigados a se submeter a vários tipos de agruras, ocasião em que se macula por derradeiro o art. 5º, III, da CF/88, que recita que ninguém pode ser submetido a tortura ou a tratamento cruel ou desumano. Assim, os constrangimentos vão desde improvisadas barracas montadas na frente dos portões dos presídios até longas filas, onde mulheres, não raro, são apalpadas e obrigadas a ouvir todo tipo de chacotas além de passar por vistoria íntima, tendo que, muitas vezes, ceder aos apelos libidinosos dos agentes penitenciários ou dos chamados "Chefes da Grade", líderes da facção criminosa que dominam o presídio, sob pena de se assim não for, o visitado sofrer represálias que vão de simples agressões a consequências funestas e, inclusive, a visita restar prejudicada.

Nem se diga que a nova lei poderá colocar em risco a segurança dos trabalhadores do estabelecimento prisional, isto por que, em substituição, haverá maquinário tecnológico suficiente para fazer as vezes da revista, tal como ocorre nos aeroportos.

Para mudar essa realidade que impera no país, a meu aviso, muitas modificações deveriam ser introduzidas no sistema de ressocialização dos custodiados (termo, a meu ver, inapropriado, na medida em que muitos malfeitores sequer foram socializados), a saber:

a) terceirização dos presídios através de PPP's e a imediata criação eficaz de trabalho, formação profissional técnica, e etc, porquanto o ócio, como diz o ditado popular é "oficina do diabo";

b) labor obrigatório, como para qualquer outro cidadão, se torna a pedra de toque para sobrevivência dentro do sistema e pensar no futuro ao deixar a cela. Nesse diapasão, com o trabalho, pagaria pelo seu custo mensal aos cofres públicos, circunstância essa que propiciaria uma significativa sobra de dinheiro ao governo, a qual poderia ser destinada a educação, capacitação e treinamento dos custodiados. É certo que os críticos da privatização dos presídios, sustentam que a medida redundará na desestruturação do sistema carcerário por outros motivos, isso por que, tal como ocorreu na América do Norte, dois juízes (eleitos) foram corrompidos no sentido de aumentar o número de condenações, evitando-se queda da produtividade da empresa terceirizada. Todavia, isso inocorreria no Brasil, país em que, desculpem o trocadilho, a superpopulação carcerária "sai pelo ladrão".

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Mas o ponto nodal deste artigo, diz respeito a uma visão científica sobre o tratamento dos presos no sistema carcerário. Nos idos de 1985, quando fui membro do primeiro Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária, representando a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, cujo titular era o Dr. Michel Temer, hoje mui digno Vice-Presidente da República, já sustentava a criação de uma Escola Nacional (ou estadual) Penitenciária, onde não se tratasse a população carcerária como penitente ou, de outro lado, como beneficiária de uma instituição de caridade. Confira-se in Execução Penal, Visão do Tacrim/SP uma visão científica do problema, de sorte que, do agente penitenciário ao diretor, se estudasse a psicologia carcerária, para se encontrar o ponto de equilíbrio entre a insensatez e a humanização. Pontofinalizando, uma escola própria para recrutar dirigentes e institutos penitenciários, porquanto não raro, se entrega a direção do cárcere a pessoas cultas e gabaritadas, mas, com todas as vênias, nem sempre especializadas na matéria.

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Destarte, de há muito a questão penitenciária deve ser analisada com os pés no chão e os olhos na realidade, a fim de que todas as partes envolvidas no sistema, do agente penitenciário ao Diretor de Presídio, não exerçam, a um só tempo, funções burocráticas ou relacionadas com o tratamento do preso, a fim de se evitar, através da psicologia carcerária a mescla indiscriminada de indivíduos de baixa e alta periculosidade, isto é, aqueles delinquentes já pós graduados na prática de crimes, sujeitando os primeiros à influência da poluição carcerária.

*José Carlos G. Xavier de Aquino é professor e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 Foto: Estadão
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