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Resolução da crise é um exame de consciência, afirma Elias Rosa

Procurador-geral de Justiça de São Paulo, que deixa o cargo máximo do Ministério Público do Estado, alerta para que País não saia da crise sem corrigir seus desacertos

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Foto do author Julia Affonso
Por Fausto Macedo e Julia Affonso
Atualização:

Marcio Fernando Elias Rosa. Foto: Rafael Arbex/Estadão

O estilo sereno e conciliador com que o procurador-geral de Justiça de São Paulo Márcio Fernando Elias Rosa atuou nos últimos anos frente à Promotoria paulista é o mesmo que ele adota para avaliar o futuro do País, em meio a maior crise deste século. Para Elias Rosa, a crise é um indicativo de interrupção de um processo evolutivo e só pode ser útil se for rápida e superada.

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"Nós podemos sair melhor da crise, o Brasil pode sair melhor da crise. Não precisa necessariamente retroceder. Basta que saibamos corrigir os desacertos. O que não pode é tentar sair da crise sem corrigir os desacertos. Porque nós vamos incidir na mesma crise em pouco tempo", analisa. "A resolução da crise é um exame de consciência e um conserto para que não incida na mesma armadilha."

Marcio Fernando Elias Rosa, procurador-geral de Justiça de São Paulo, deixa a cadeira que ocupa há quatro anos no posto máximo do Ministério Público do Estado nesta segunda-feira, 11. Na próxima semana, ele tira alguns dias de folga antes de voltar a atuar na área de direitos difusos perante ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

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No sábado, 9, o procurador de Justiça Gianpaolo Smanio foi eleito primeiro lugar geral na lista tríplice para procurador-geral de Justiça de São Paulo. Com 932 votos, Smanio - candidato do atual chefe do Ministério Público paulista, Márcio Fernando Elias Rosa -, superou seus oponentes, os procuradores Eloisa Arruda (850 votos) e Pedro Juliotti (547 votos).

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Em entrevista ao Estado, Elias Rosa fez um balanço de seu mandato. Nos últimos dois anos, o Ministério Público de São Paulo abriu 598 ações de controle da constitucionalidade. Foram 450 investigações criminais contra prefeitos e mais de 15 mil cargos públicos sem concurso extintos em municípios do Estado, entre eles 'assessor de serviços funerários'.

Para Elias Rosa, procurador-geral de Justiça deve ter 'equilíbrio, serenidade ou pelo menos buscar conservar a serenidade'.

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

ESTADÃO: Como o sr está vendo a crise do País?

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: A crise só pode ser útil se ela for rápida e superada. A crise é um indicativo de interrupção de um processo evolutivo. Nós podemos sair melhor da crise, o Brasil pode sair melhor da crise. Não precisa necessariamente retroceder. Bastaque saibamos corrigir os desacertos. O que não pode é tentar sair da crise sem corrigir os desacertos. Porque nós vamos incidir na mesma crise em pouco tempo.

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ESTADÃO: Desacertos da administração em geral?

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MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: Não, não. Acho que do sistema político-partidário, sistema de representação, de financiamento de campanha. O modo como o poder econômico se relaciona com o poder político. O Brasil por vezes tanto o interesse público quanto o interesse político são capturados pelo interesse econômico. Acho que o papel do sistema normativo, das leis e da Constituição, é refrear essa captura, para salvaguarda do interesse público, para lisura do processo político. Nós sairemos bem da crise se nós soubermos corrigir os desacertos. Quando se faz um paralelo Lava Jato com (a Operação) Mãos Limpas (grande investigação contra a corrupção na Itália), por que na Itália retrocedeu? Porque talvez não tenha sido completado o ciclo para superação da crise. Não basta repressão às pessoas.

ESTADÃO: Colocar na cadeia.

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: Isso tem de ser feito, mas não se esgota nisso, não é substituir um pelo outro, um velho corrupto por um novo corrupto. Isto não é resolução da crise. A resolução da crise é um exame de consciência e um conserto para que não incida na mesma armadilha.

ESTADÃO: O projeto das 10 medidas contra a Corrupção, do Ministério Público Federal poderia ajudar?

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MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: Ajuda. É esse tipo de dever de casa que precisa ser feito. Nós precisamos passar em revista todos os instrumentos que facilitem o controle do Estado, das ações do Estado, mas também promovam um saneamento do ambiente político-partidário. No Brasil, por vezes a impressão que eu tenho, é que ganha-se a eleição e perde-se o governo. O candidato ganha a eleição, mas perde a capacidade de governar por conta de um sistema que favorece um pluripartidarismo, que favorece uma coalizão. Compromete um projeto de governo, um projeto de nação, fica um projeto fracionado. Se nós imaginarmos uma reunião que mais de uma dezena, mais de duas dezenas de partidos com compromissos programáticos diferentes, participando do mesmo governo, você acaba não tendo uma unidade. Você só governa com eficácia se conservar foco, que tenha unidade nesses programas. O pluripartidarismo, o pluricompromisso, em si, não é ruim. Esse caráter multifacetário acaba por perder o foco.

ESTADÃO: São 35 partidos.

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: A existência de muitos partidos, em si, não é ruim. No momento em que se faz a viabilidade da candidatura, é preciso que haja um concerto em torno da unidade, um compromisso pragmático em torno da unidade. Isso resolve o problema da eficiência do governo. Mas o que antecede é preocupante. O que antecede é: o modo de financiamento de campanha. O que é antecede é preocupante, porque leva em conta o modo pelo qual são feitas as contratações com o setor público. É preciso atualizar a Lei de Licitações.

ESTADÃO: Quais mudanças o sr sugeriria?

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: A redução de prazos nas diversas fases. Hoje o mercado é muito mais ágil, há uma difusão de informações de maneira mais instantânea e imediata. Em 1993, não. Era publicação pelo Diário Oficial, pela versão impressa. Você acaba provocando elevação de preço. A Lei precisa ser mudada para que o rito da licitação tenha agilidade como forma de garantir melhor preço.

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ESTADÃO: O sr é favorável à publicidade dos processos, como está ocorrendo na Lava Jato?

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: Eu sou favorável à publicidade. Todo mundo é favorável, ninguém é contrário, eu acho. O que a Constituição afirma, no acaso específico da Lava Jato, é que o sigilo deve ser mantido salvo se de algum modo puder prejudicar o interesse social. Sempre em que não existir risco para a elucidação do fato, risco para a intimidade das pessoas e o interesse social exigir, deve ser dada publicidade. É o que diz a Constituição.

ESTADÃO: O caso do telefonema do Lula com a Dilma seria de interesse público?

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: O que atua em favor da divulgação? A coerência do juiz Moro, que vem adotando esse procedimento em todos os casos. Desejo de afirmar a transparência, até como forma de exercício de controle social sobre aquilo que é feito pelo próprio Judiciário. A avaliação da conveniência é feita pelo julgador que tem de ser respeitada.

ESTADÃO: O que ficou faltando na gestão?

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MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: Não consegui implantar as Promotorias Regionais que nós criamos.

ESTADÃO: Por quê?

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: Falta de tempo. Nós conseguimos aprovar, no ano passado, Promotorias Regionais para o interior na área do meio ambiente, por exemplo. Elas serão implantadas ao longo dos próximos meses ou anos. Está no orçamento, previsto na Lei. Muda o modo de atuação do Ministério Público, facilitando uma atuação tanto integrada do MP quanto articulada, sobretudo no campo dos direitos sociais: saúde e educação. Consegui um feito interessante, a Promotoria especializada em violência de gênero, 20 cargos aqui na Capital. Era uma demanda. Violência contra mulher, violência doméstica, o Brasil ocupa os mais vergonhosos lugares em qualquer pesquisa.

ESTADÃO: O sr sofreu pressão durante estes quatro anos?

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: Não, nenhuma.

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ESTADÃO: Tem de ter jogo de cintura para este cargo.

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: Tem de ter equilíbrio, serenidade ou pelo menos buscar conservar a serenidade. Em nenhum momento pressão, nem constrangimento. Nem mesmo nas situações mais extremas de contrariedade, como, por exemplo, foi na relação com o Tribunal de Justiça quando Ministério Público teve problema relacionado à autonomia administrativa conseguimos superar. Com a própria Assembleia Legislativa quando havia necessidade de posicionamento público. Nem um instante. Com secretários de Estado, governador, nada. Conseguimos estabelecer uma relação muito boa com o Ministério Público Federal, com o Procurador-Geral da República.

ESTADÃO: Qual foi o momento mais difícil?

MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA: Acho que o mais preocupante foi o da PEC 37. Quando eu assumi, em março de 2012, a PEC seria aprovada. Eu fui a Brasília, na primeira semana, falar com o presidente da Câmara, que era o Marco Maia (PT-RS), pedindo que não pautasse, já estava na ordem do dia. Fui na vice-presidência da República, pedir ao Michel Temer (PMDB-SP). Houve apoio. Na ocasião, me lembro que eles falaram: não é uma matéria que precisa ser pautada agora, mas ela precisa ser muito debatida, discutida. Eles não se manifestaram favoráveis à PEC. Ao contrário, é um debate que precisa ser realizado. O que eu pedi era: nos deem tempo para expor a inconstitucionalidade dessa proposta. Começou uma grande campanha nacional contra a PEC. Depois vieram as manifestações de 2013. Ali era ou tudo ou nada. Ou rejeitavam naquela ocasião, naquele contexto, ou depois de algumas semanas, passadas as mobilizações, elas seriam aprovadas. O momento mais difícil acho que foi o da PEC 37. E o momento mais emocionante foi na manifestação quando 5 mil pessoas vieram a este prédio (do Ministério Público do Estado, no centro de São Paulo) e cantaram o hino nacional, em um final de tarde, num sábado, em maio de 2013. Mostrou apoio popular. As mobilizações de 2013 eram contra o Estado, contra os serviços públicos. Uma das formas de defender o serviço público de qualidade, com uma atuação mais qualificada do Estado era apoiando o Ministério Público.

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