A procuradora-geral Raquel Dodge vê 'arbítrio' do presidente Michel Temer no indulto de Natal. Nesta quarta-feira, 27, Raquel protocolou no Supremo Tribunal Federal ação direta de inconstitucionalidade de parte do decreto do indulto que, em sua avaliação, beneficia corruptos e 'os amigos do rei'. Ela adverte que 'não é dado ao presidente da República extinguir penas indiscriminadamente, como se seu poder não tivesse limites'.
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SEM LIMITES"O limite do seu poder, no caso de indulto, é o livre exercício da função penal pelo Poder Judiciário, encarregado de aplicar a lei ao caso concreto e, assim, produzir os efeitos esperados do Direito Penal: punir quem cometeu o crime, fazê-lo reparar o dano, inibir práticas semelhantes pelo condenado e por outrem, reabilitar o infrator perante a sociedade", sustenta Raquel.
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A procuradora pede medida cautelar, contra o artigo 1º-I , §1º- I do artigo 2º, e os artigos 8.º, 10 e 11 do Decreto nº 9.246, de 21 de dezembro, 'que concedem indulto com afronta à Constituição'.
"O arbítrio do chefe do Poder Executivo ao editar um decreto que constitui, em última análise, a impunidade de graves crimes, pois além de perdoar determinados delitos de relevância social, também comuta penas de forma indiscriminada, constitui violação de diversas outras garantias constitucionais, como a dignidade da pessoa, a construção de uma sociedade justa e solidária, a promoção do bem de todos, o princípio da igualdade e o da eficácia da jurisdição", assinala a procuradora.
Raquel observa que 'a utilização do instituto do indulto pelo chefe do Poder Executivo encontra limitação material constitucional naquelas situações de crimes hediondos ou qualificados como graves pelo ordenamento jurídico-constitucional e também, quanto aos demais delitos, quando não forem atendidos critérios finalísticos específicos do instituto, ou seja, aquelas situações concretas ou abstratas pautadas em relevantes razões humanitárias relacionadas à saúde, idade, especial situação do condenado, sem que constitua, como foi o caso do Decreto 9.246/17, causa de ineficácia da aplicação da lei penal, de violação da igualdade de todos perante a lei e de impunidade'.
"Sob esta perspectiva, o indulto possui uma limitação material à sua aplicação justamente na chamada 'dupla face' do garantismo constitucional que, se por um lado estabelece garantias fundamentais ao indivíduo frente ao Estado, por outro, também garante à sociedade a legítima expectativa de manutenção da ordem jurídica e aplicação e cumprimento das leis, aprovadas sob o rigor do devido processo legislativo", segue a procuradora na ação levada ao Supremo.
Raquel alerta para os reflexos do indulto de Temer na Lava Jato, a maior e mais complexa investigação já desfechada no País contra a corrupção.
"Ora, praticado um delito, notadamente delitos graves como aqueles punidos em processos que tramitaram no escopo da chamada Operação Lava Jato, a sociedade tem a legítima pretensão de aplicação da lei penal, com a devida responsabilização dos condenados pela prática de tais crimes."
Na avaliação da chefe do Ministério Público Federal 'o perdão amplo e irrestrito destes criminosos, devidamente julgados e condenados pelo Poder Judiciário e que apenas iniciaram o cumprimento das suas penas, afronta o ordenamento jurídico-constitucional vigente, sob a ótica da separação dos poderes, pois o chefe do Poder executivo não tem a competência constitucional de extrapolar os limites finalísticos do instituto do indulto, e também sob a ótica da tutela de proteção deficiente de bem jurídico constitucionalmente protegido'.
"Por outras palavras, o indulto aqui impugnado, por ser excessivamente abrangente e desatento à ideia da pena individualizada que deve ser cumprida, afronta o princípio constitucional da proporcionalidade, por atribuir ao Estado um resultado deficiente naquilo que deve ser a reprimenda justa e eficaz da criminalidade."
Ao final de suas argumentações, a procuradora pede à presidente do Supremo Tribunal Federal, 'que conceda com a maior brevidade possível, em decisão monocrática e sem intimação dos interessados, medida cautelar para suspender a eficácia das normas impugnadas, em razão da urgência do caso, ad referendum do Plenário'.