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Provas em Whatsapp de investigado não têm validade judicial

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Por Rubia Ferrão
Atualização:
 Foto: Arquivo Pessoal

O sistema penal tem como uma de suas bases o princípio da presunção de inocência, o qual consiste em uma garantia de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, nos exatos termos do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

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Nesse sentido, ainda que determinada pessoa seja flagrada praticando uma conduta criminosa, até sua devida condenação, há um longo caminho processual, no qual deverão ser produzidas provas inequívocas da autoria e materialidade delitiva.

Por isso, a preocupação com a prova deve ser primordial, sendo certo que a legislação prevê a forma pela qual a prova deverá ser produzida, sob pena de ser considerada ilícita e, consequentemente, inadmissível no processo.

Aliás, o artigo 157, do Código de Processo Penal, estatui que "são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (...)"

O Código de Processo Penal, especificamente no artigo 6º, atribui à autoridade policial o dever de adotar certas providências tão logo tome conhecimento da prática da infração penal, incluindo a preservação do local do crime até a chegada de peritos criminais, apreensão de objetos que tiverem relação com o fato, colheita de todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias, realização de perícias etc.

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Feitas essas considerações, vale destacar que os aplicativos de troca de mensagens, principalmente o WhatsApp, têm se tornado importantes meios de prova, considerando sua grande popularidade na vida cotidiana, seja para fins de evidenciar condições contratuais, reclamações, dentre outras questões, mas também para comprovar condutas ilícitas e até mesmo delitivas, já que constituem ferramenta popular na comunicação entre os criminosos.

Noutras palavras, o acesso às mensagens contidas no aplicativo, não raro, poderá permitir a comprovação da autoria e da materialidade de variados tipos de crimes, podendo viabilizar, inclusive, o acesso a detalhes de esquemas criminosos e até mesmo a identificação de outros membros da quadrilha sob investigação.

Importante destacar que, diante da natureza dos aplicativos como o WhatsApp, cuja finalidade principal é a comunicação entre as pessoas, é certo que recebe a proteção jurídica de diversas fontes de direito, merecendo destaque a Constituição Federal; a Lei 9.296/96, a qual trata dos trâmites para interceptação das comunicações; o Código Civil, especialmente no tocante aos direitos da personalidade; e a Lei 12.965/14, popularmente conhecida como Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.

A incidência de um dispositivo legal ou de outro dependerá da forma como a investigação está sendo conduzida e do tipo de prova que se almeja obter, visto que o acesso ao conteúdo de uma comunicação poderá ocorrer, dentre outras formas, pelo auxílio dos provedores, bem como pelo acesso direto ao conteúdo constante no aparelho celular ou no computador do alvo.

No caso específico de conteúdo estático armazenado no aparelho celular, o direito protegido é o da intimidade ou da proteção à vida privada; quando se trata de fluxo de comunicação por meio do aplicativo, se está diante da proteção do sigilo da comunicação, sendo certo que tais garantias, para serem transpassadas, demandam a existência de ordem judicial.

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Mas e quando o agente está em flagrante delito e evidências importantes podem estar armazenadas em seu celular, especificamente em aplicativo de mensagens como WhatsApp, podem os policiais, sem ordem judicial específica, fazer uma vistoria no aparelho em busca de tais provas?

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Para os que defendem que sim, a resposta está fundamentada na prerrogativa constante no artigo 6º, do Código de Processo Penal, pelo qual a autoridade policial deve preservar o local do crime, o que inclui o levantamento das provas. Além disso, destaca-se também o grande risco de perecimento das evidências, haja vista as peculiaridades dos meios eletrônicos, o que permite até mesmo a deleção remota de dados. Recorde-se que o WhatsApp apresenta uma função de apagar mensagens, desde que isso seja feito dentro de 07 (sete) minutos.

Defendendo esse tipo de entendimento, estão os seguintes julgados do Tribunal de Justiça Mineiro:

"EMENTA: HABEAS CORPUS - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO - IRREGULARIDADES DO FLAGRANTE - CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA - MODIFICAÇÃO DO TÍTULO PRISIONAL - ACESSO AO CONTEÚDO DE MÍDIA DO APARELHO CELULAR - DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - PROVA LÍCITA - HIPÓTESE QUE NÃO CARACTERIZA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA (...) - A garantia constitucional de inviolabilidade das comunicações telefônicas diz respeito à vedação de escutas clandestinas, a qual não se confunde com a mera checagem de textos, mensagens ou imagens do celular apreendido. (...)" (TJMG, Habeas Corpus Criminal 1.0000.17.023709-3/000, Relator(a): Des.(a) Jaubert Carneiro Jaques, Data de Julgamento 18/04/2017, Data da Publicação 04/05/2017)

"EMENTA: HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE DROGAS - DESENTRANHAMENTO DE PROVAS ILÍCITAS - SIGILO DE ARQUIVOS ELETRÔNICOS ESTÁTICOS - INAPLICABILIDADE - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO - ORDEM DENEGADA. A salvaguarda Constitucional do sigilo das comunicações não acoberta direito à prática de ilícito criminal, nem diz respeito à dados armazenados em aparelhos que foram utilizados na execução de crimes. Se forem atendidas as exigências previstas na Lei n° 9.296/96 não há nulidade da prova produzida em decorrência de interceptação telefônica." (...) (Habeas Corpus Criminal 1.0000.16.086709-9/000, Relator(a): Des.(a) Fernando Caldeira Brant, Data de Julgamento 0810312017, Data da Publicação 15/03/2017)

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Os que são contrários sustentam que referida prática culminaria na violação da intimidade e da vida privada, visto que a Constituição ressalva a proteção desses direitos, os quais embora não sejam absolutos, só podem ser mitigados por ordem judicial, sob pena de ilicitude das provas.

Aliás, a Lei 12.850/2013, a qual define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, dentre outras questões, ressalva ao delegado e ao Ministério Público o direito de ter acesso, "independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito", conforme artigo 15.

Noutras palavras, a prerrogativa atribuída ao delegado e ao Ministério Público não abrange o livre acesso ao conteúdo de comunicações.

Começando a pacificar a discussão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça tem defendido a necessidade de ordem judicial para acessar conteúdo de mensagens de aplicativos.

Nesse sentido, recentemente, ao apreciar recurso em habeas corpus tramitado sob o n.º 89.981, o Colendo Superior Tribunal de Justiça entendeu que mensagens arquivadas no aplicativo WhatsApp não podem ser verificadas pela polícia militar sem autorização judicial, por culminar na violação da intimidade e da vida privada. Consequentemente, referidas provas foram declaradas ilícitas, sob o seguinte entendimento:

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"PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. FURTO E QUADRILHA. APARELHO TELEFÔNICO APREENDIDO. VISTORIA REALIZADA PELA POLÍCIA MILITAR SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL OU DO PRÓPRIO INVESTIGADO. VERIFICAÇÃO DE MENSAGENS ARQUIVADAS. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE. PROVA ILÍCITA. ART. 157 DO CPP. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO.

  1. Embora a situação retratada nos autos não esteja protegida pela Lei n. 9.296/1996 nem pela Lei n. 12.965/2014, haja vista não se tratar de quebra sigilo telefônico por meio de interceptação telefônica, ou seja, embora não se trate violação da garantia de inviolabilidade das comunicações, prevista no art. 5º, inciso XII, da CF, houve sim violação dos dados armazenados no celular do recorrente (mensagens de texto arquivadas - WhatsApp ).
  2. No caso, deveria a autoridade policial, após a apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do sigilo dos dados armazenados, haja vista a garantia, igualmente constitucional, à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista no art. 5º, inciso X, da CF. Dessa forma, a análise dos dados telefônicos constante dos aparelhos dos investigados, sem sua prévia autorização ou de prévia autorização judicial devidamente motivada, revela a ilicitude da prova, nos termos do art. 157 do CPP. Precedentes do STJ.
  3. Recurso em habeas corpus provido, para reconhecer a ilicitude da colheita de dados do aparelho telefônico dos investigados, sem autorização judicial, devendo mencionadas provas, bem como as derivadas, serem desentranhadas dos autos."

Resumidamente, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o fato de uma pessoa estar sob investigação não lhe retira a proteção de seus direitos individuais à intimidade e vida privada, ou seja, para que seu aplicativo de mensagem seja igualmente investigado, remanesce como necessária a competente ordem judicial.

Em verdade, o assunto é polêmico, pois de um lado está a necessária manutenção da segurança, direito que também tem proteção constitucional, e de outro, a também necessária preservação da intimidade, da vida privada e do sigilo das comunicações.

É necessário se ter em mente que a tecnologia tem sido amplamente utilizada para a prática de condutas criminosas, e o Estado, a quem compete a manutenção da segurança coletiva, também deve tê-la como uma importante aliada, providenciando o devido aparelhamento de suas polícias e o fortalecimento de institutos capazes de realizar perícias eletrônicas, em curto espaço de tempo, a fim de se permitir à correta preservação e produção das provas, evitando seu perecimento, harmonizando-se com a proteção dos direitos e garantias individuais, como a intimidade, a vida privada e o sigilo das comunicações, tudo em tempo hábil de se concluir uma investigação para evitar a continuidade dos delitos.

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* Rubia Ferrão é advogada especializada em Direito Digital. Sócia do escritório Pigão, Ferrão e Fioravante Advogados Associados. Especialista em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professora do Curso de Especialização em Computação Forense do Mackenzie e da Faculdade de Direito da Universidade São Francisco (2009-2016). Professora convidada de algumas instituições de ensino como USP, FGV, EPD, UNICID e AASP.

 

 

 

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