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Propina e caixa 2 não são produtos de exportação brasileiro, diz delator da Odebrecht

Luiz Eduardo da Rocha Soares, que cuidava de contas secretas da empreiteira, afirmou ao ministro Herman Benjanin, do TSE, que dinheiro não declarado no setor de construção 'ocorre com frequência, não só no Brasil como no mundo inteiro'

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Por Ricardo Brandt , Julia Affonso e Luiz Vazzallo
Atualização:
 Foto: Estadão

Luiz Eduardo da Rocha Soares foi um dos três executivos responsáveis pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, o chamado departamento da propina, de 2006 a 2014. Em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ele afirmou que as propinas e o caixa 2 não são um produto de exportação brasileiro, no setor da construção.

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"Eu acredito que o setor de construção é um setor onde isso ocorre com frequência, não só no Brasil como no mundo inteiro. Não é um produto de exportação brasileiro, eu acredito, que a utilização de pagamento de Caixa 2 ou de propina para alavancagem de obras. Isso já ocorre algum tempo e ocorre em outros países também", afirmou.

O executivo era responsável pelas propinas pagas no exterior da Odebrecht. Ao TSE, ele contou como funcionava a sistemática da rede de contas secretas do grupo, em nome de empresas offshores, para pagamentos de propinas fora do Brasil - propinas e caixa 2, segundo ele.

O executivo confirmou ainda que o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), codinome "Proximus", o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o "Carangueijo" e o marqueteiro do PT João Santana, o "Feira", foram alguns dos beneficiados por essa máquina de gerar recursos ilícitos da empresa.

Ouvido na ação movida pelo PSDB que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff e Michel Temer, de 2014, Soares disse que em 2006 foi transferido para o Setor de Operações Estruturas, chamado pela Operação Lava Jato de "departamento da propina", para cuidar das despesas "não diretamente registradas nos livros da companhia".

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Herman Benjamin / Foto: Roberto Jayme/ Ascom/TSE

Questionado se "caixa 2 para o setor político" também se fazia no setor, ele respondeu: "Sim".

"Não só partidos políticos, não só no Brasil como na América Latina e em outros países", explicou Soares, um dos executivos que cuidavam do setor de propinas da Odebrecht.

O executivo confirmou ao TSE o que a Lava Jato já sabia, antes mesmo da mega delação premiada da Odebrecht - que inclui 78 delatores -, sobre a composição do setor de propinas. Em abril de 2016, as secretárias Maria Lucia Guimarães Tavares e Ângela Palmeira, presas na 23ª fase, batizada de Operação Acarajé, contaram qual eram os membros do departamento e suas funções.

"O chefe era Hilberto Silva e tinham duas pessoas mais diretamente ligadas a ele, que eram Fernando Migliaccio da Silva, que era como se fosse um substituto do Hilberto e eu. E abaixo da gente, em Salvador, tinham duas meninas, que faziam a parte mais operacional, que era a Maria Lúcia Tavares e a Ângela Palmeira", disse o executivo, ao TSE.

Ao TSE, Soares confirmou que "cuidava mais da parte do exterior". "Principalmente na abertura das empresas offshores, do controle dessas empresas e também ainda na busca de alternativas, quais são os bancos que a gente ia trabalhar, essas coisas."

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Esquema montado pelo MPF das offshores da Odebrecht / Reprodução Foto: Estadão

Soares é um dos 78 delatores, que tiveram os acordos de colaboração homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele foi preso na 26 fase, Operação Xepa. Segundo ele, o volume de recursos movimentado pelo "setor de propinas" cresceu conforme aumentou o faturamento da Odebrecht.

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"Logicamente, como dá para verificar que o crescimento do faturamento da empresa foi diretamente proporcional ao valor do volume que o setor movimentava. Então, a empresa, em crescimento, o setor cresceu junto. A porcentagem que o setor movimentava vis-à-vis, o faturamento da empresa se mantém durante todo o período. A gente já tinha dado uma olhada nisso."

"Em outras palavras, o caixa 2 e a corrupção estavam vinculados a este crescimento do volume de negócios da própria empresa", quis saber o ministro Herman Benjamin, relator da ação no TSE.

"Sim", confirmou Soares, que trabalhou do departamento de 2006 a 2014.

O delator afirmou ao ministro Herman Benjamin que tinha certeza que um dia o esquema "poderia dar problema".

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"Qualquer coisa que é feita que não seja diretamente contabilizada dentro da empresa é uma coisa ilícita. Então, acredito que todos (da empresa, envolvidos no esquema) tinham consciência disso."

Soares foi perguntado pelo ministro do TSE se, na sua opinião, "havia, antes da Lava Jato, uma certeza, ou uma quase certeza, de impunidade e, portanto, uma despreocupação com o que poderia ocorrer no Brasil?".

"Da minha parte não, Excelência. Tinha certeza que um dia isso poderia dar algum problema", respondeu. "No Brasil e, principalmente, no exterior."

 Foto: Estadão

Feira. O executivo da Odebrecht confirmou que o marqueteiro do PT, e sua mulher, Mônica Moura, recebeu dessa estrutura de contas secretas em nome de offshores da Odebrecht aproximadamente US$ 15 milhões em repasses feitos entre 2009 e 2013.

"Na fase recente que o senhor trabalhou no setor (de propinas), teve pagamentos para 'Feira'?", quis saber o juiz do TSE. "Sim", respondeu.

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"De 2009 a 2013, que eu posso... ela (Mônica Moura) pode ter recebido alguma coisa em torno de 13 milhões, 15 milhões (de dólares)." Soares disse ainda que em 2014 estava de saída do setor e não sabe o valor.

Santana e a mulher são réus em ação penal que está prestes a ser julgada pelo juiz federal Sérgio Moro, dos processos em primeira instância da Lava Jato, em Curitiba. Na ação, a força-tarefa havia identificado o repasse de US$ 3 milhões das contras secretas da Odebrecht para a conta da offshore Shell Bill Finance, do casal de marqueteiro do PT.

"Esses eram recursos de Caixa 2?."

"Sim", respondeu o delator.

Soares afirmou que Hilberto, o líder do Setor de Operações Estruturadas, era quem tratava dos pagamentos para "Feira".

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O valor repassado em contas secretas é só uma parte da propina do PT destinada ao marqueteiro. A maior fatia é a de entregas de dinheiro vivo no Brasil, o que era operacionalizado por outro executivo do departamento, Fernando Migliaccio. Uma planilha aprendida pela Lava Jato mostra que uma das contas em nome de Feira chegou a ter R$ 24 milhões.

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