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Programas de integridade devem ser incorporados a atos societários

*Por Mateus Cassoli e Camila Ramos Di Prospero

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Por Redação
Atualização:

A corrupção se tornou um tema de suma importância nos últimos anos, tanto no Brasil como no exterior, devido à globalização e o aumento das relações comerciais internacionais. Desta forma, surgiu a necessidade da criação de mecanismos reguladores, para se evitar e punir a corrupção praticada pela pessoa jurídica.

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A primeira legislação imputando responsabilidade às empresas por atos de corrupção foi promulgada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1977. O Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), conhecido como a Lei Anticorrupção Americana.

Após a concepção da Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) houve um crescimento diante da cooperação internacional em relação às práticas de corrupção - o que resultou nas convenções contra a corrupção, tendo como exemplos a Organização dos Estados Americanos (OEA) de 1996, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 1997, a Convenção Penal do Conselho Europeu contra a Corrupção de 1999 e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de 2003.

Em 2010, a Grã Bretanha publicou o The Bribery Act (BA), cujo foco é a existência de corrupção não apenas área pública, mas também na área privada. Ao regulamentar essas áreas, o BA estruturou a legislação de forma inovadora.

No ordenamento jurídico nacional, o Código de Direto Penal (Decreto - Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) já prevê a corrupção como crime contra a Administração Pública, aplicando sanções de reclusão e pecuniárias contra a corrupção ativa e passiva cometidas pela pessoa física. Temos ainda em nosso ordenamento jurídico os crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo (Lei nº 8.137/90 e Lei nº 8.078/90); crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/86); crimes contra as licitações (Lei nº 8.666/93); crimes contra a lavagem de capitais (Lei nº 9.613/98) - todas relacionadas a atos ilícitos efetuados também pela pessoa jurídica.

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Entretanto, diante do cenário político e socioeconômico recente, houve a necessidade de desenvolver mecanismos específicos ao combate à corrupção de forma que englobasse também as empresas brasileiras. O Projeto de Lei 6.826/10 deu origem à lei 12.846/13, conhecida como a "Lei Anticorrupção", que entrou em vigor em janeiro de 2014 e dispõe sobre responsabilização objetiva administrativa e civil das pessoas jurídicas ao praticar atos de corrupção, em seu interesse e benefício, contra a administração pública, nacional ou estrangeira, atendendo desta forma aos padrões solicitados pelas convenções internacionais ratificadas.

A grande novidade da lei foi a imputação da responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas por atos de corrupção. A responsabilidade objetiva é aquela que independe de culpa. Assim, a empresa pode ser responsabilizada quando um dirigente, gestor, preposto, empregado e até terceiro, praticar em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não, qualquer ato lesivo à administração pública nacional ou estrangeira. Evidentemente, a responsabilização da pessoa jurídica não será excludente da responsabilização individual, das pessoas naturais agentes do ato de corrupção.

Na esfera administrativa, pode-se aplicar multa que será de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos tributos; além da publicação extraordinária da decisão condenatória nos meios de comunicação de grande circulação, referente ao local de atuação da pessoa jurídica, sendo que a aplicação dessas sanções não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.

Além da responsabilidade administrativa, a pessoa jurídica possui responsabilidade civil objetiva de indenizar todos os prejuízos causados, em razão da prática de atos previstos no art. 5o da Lei de Anticorrupção, podendo ainda ser aplicadas sanções como: (a) o perdimento dos bens, direitos e valores que representa as vantagens indevidamente recebidas pela empresa devido à infração; (b) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; (c) a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou com o controle do Poder Público e; (d) em casos mais graves há a possibilidade da dissolução compulsória da pessoa jurídica.

A lei em questão também estabelece os critérios de gradação da multa, expressos no artigo 7º, dentre os quais está o da existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, então denominados Programa de Integridade, conhecido também como Compliance.

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A existência de um Programa de Integridade ganha ainda força com o Decreto nº 8.420/15, que regulamenta a Lei Anticorrupção, o qual expressamente determina que a pessoa jurídica crie mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo a denúncia de irregularidade, com a criação e aplicação de um código de conduta a ser aplicado por todos os colaboradores. Também neste sentido o Decreto nº 55.107/14 (Art. 24) e a Portaria CGU Nº 909/2015 (Art. 5).

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O programa se desenvolve através do mapeamento e análise de riscos, baseados em cada área de atuação da pessoa jurídica; nas políticas internas da empresa, com a finalidade de desenvolver um Código de Ética e Conduta; o controle dos procedimentos, como a análise de planilhas contábeis, verificação dos contratos com terceiros, para que haja transparência efetiva; a comunicação clara das políticas e procedimentos corporativos, juntamente com um treinamento contínuo; e o monitoramento, auditoria e remediação, assegurando o cumprimento do programa.

Essencialmente, a finalidade do programa de integridade é prevenção e redução da incidência de atos lesivos à administração pública. No entanto, caso a empresa seja processada por atos de corrupção, o programa de integridade poderá ser utilizado como atenuante na aplicação das penas, dentre elas da multa administrativa.

Muitas empresas nacionais detidas ou controladas por empresas estrangeiras já possuem um programa de integridade, pois isso já era uma exigência legal da matriz. Por exemplo, no caso de empresas americanas, a matriz é obrigada a ter um programa de integridade local por força do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) e no caso de empresas britânicas, por foça do The Bribery Act (BA).

No entanto, há a necessidade de se incorporar os programas de integridade aos atos societários das empresas brasileiras, para que não seja um sistema sem eficácia tanto em sua prevenção, como forma de atenuar as penas previstas na Lei Anticorrupção.

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Assim, os atos societários das empresas devem ser alterados para recepcionar de maneira eficaz o programa de integridade. O registro de tais atos garante a publicidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos. A incorporação de uma cláusula de anticorrupção, a criação de um comitê de ética, juntamente com um código de conduta bem incorporado e monitorado, evidenciará, portanto, a boa conduta da pessoa jurídica brasileira.

Não obstante as benesses da notoriedade já destacadas, a positivação de um programa de integridade nos atos societários permitirá que as decisões sejam tomadas a partir de um conjunto de valores e princípios, essenciais nas relações comercias da empresa.

A atual tendência do mercado é verificar se a parte contratante possui um programa de integridade efetivo e incorporado em seus atos societários. Portanto, as empresas que não o tiverem poderão ter dificuldades para obter um financiamento, por exemplo.

Tudo indica que por conta da pressão da sociedade brasileira, a Lei Anticorrupção ganhe cada vez mais força e a existência de um programa de integridade efetivo e incorporado aos atos societários das empresas passe a ser pré-requisito para a contratação entre particulares e, até mesmo, desses com o poder público.

* Mateus Cassoli: Vice-Presidente IBDEE - Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial; Especialista em Direito Empresarial pela PUC/SP.

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* Camila Ramos Di Prospero: Graduanda em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e com o curso de Direito Internacional pela Hasselt University, Bélgica. Sênior Trainee na Noé Araujo Advocacia.

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