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Procuradoria denuncia primeira mulher por crimes na ditadura

Agente 'Neuza', primeiro-tenente da Polícia Militar, é acusada pelas mortes de três militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN)em março de 1973, na Penha, zona Leste de São Paulo

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Prédio do antigo DOI, em São Paulo. Foto: Alex Silva/Estadão

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou nesta segunda-feira, 12, a primeiro-tenente da Polícia Militar, Beatriz Martins, a agente Neuza, e o sargento Ovídio Carneiro de Almeida, o agente Everaldo, e o informante do Exército João Henrique Ferreira de Carvalho, o Jota, pelas mortes de três militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN).

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Neuza é a primeira mulher denunciada pelo MPF por causa de assassinatos ocorridos no regime militar. Ela e Everaldo eram agentes do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 2.º Exército (com sede em São Paulo).

As mortes Arnaldo Cardoso Rocha, do comando da ALN, e dos militantes Francisco Emmanuel Penteado e Francisco Seiko Okama ocorreram na Rua Caquito, na Penha, na zona leste, em 15 de março de 1973.

Dias antes, Rocha havia escapado de uma emboscada montada pelos militares pouco depois de se encontrar com Jota.

Foi o informante - então militante da ALN - quem levou os integrantes da Seção de Investigação do DOI, até os colegas, que foram metralhados pelos militares.

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Horas antes da ação do DOI, Okama encontrou-se com Jota. Depois que se separou do informante, Okama foi seguido por homens do DOI até chegar a um ponto na Penha.

Neuza estava com os militares quando viram chegar Penteado e Rocha. Os militantes foram surpreendidos por três agentes do DOI que se aproximaram em um Fusca. Eram Everaldo, Alemão e Melancia.

Sobre a ação, Neuza disse em entrevista, em 2005: "Esse menino do Exército, que tem um vozeirão (Melancia), falou no rádio - e eu estou com o HT na rua - ele falou assim : 'Eu vou passar lá e metralhar eles.' Eu estava na mesma quadra que eles, só que na outra calçada. Passaram e costuraram, que só deu tempo de um (militante) sair correndo e descer a rua."

O relato de Neuza é conflitante com o de outros dois envolvidos, Alemão e Melancia. Ambos afirmam que receberam ordens para abordar os três, mas que eles reagiram à prisão.

Vingança. O Ministério Público Federal tomou o depoimento do ex-agente do DOI Marival Chaves, que disse que a ordem no caso era matar os militantes da ALN.

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A morte dos três seria uma forma de o Destacamento se vingar das mortes do delegado Octávio Gonçalves Moreira Junior, o Otavinho, e do comerciante Manoel Henrique de Oliveira.

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O primeiro era um agente do DOI que foi executado no Rio por um grupo formado por integrantes da ALN e duas outras organizações,o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).

O comerciante havia sido morto por um comando da ALN porque era suspeito de ter denunciado três integrantes da organização que foram mortos por agentes do DOI em São Paulo.

A ordem para matar os militantes teria partido do então capitão Ênio Pimentel da Silva, o Doutor Ney, e do major Carlos Alberto Brilhante Ustra, o Doutor Tibiriçá. O primeiro chefiava a Seção de Investigação e o segundo comandava o DOI.

Ney morreu em 1987 e Ustra, em 2015. De acordo com a denúncia do procurador Andrey Borges de Mendonça, há indícios de que dois dos militantes foram apanhados ainda com vida pelos militares - Cardoso e Okama - que teriam sido torturados antes de morrer. Cardoso recebeu 15 tiros.

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O Estado não localizou a defesa dos militares denunciados. Ustra sempre negou ser torturador ou ter cometido crimes durante seu comando.

A Justiça Federal tem sistematicamente recusado denúncias criminais anteriores contra agentes do DOI sob a argumentação de que os crimes foram alvo da anistia promulgada pelo presidente João Figueiredo em 1979 e confirmada em decisão do Supremo Tribunal Federal em 2010.

Retificação. A Comissão Municipal da Verdade da cidade de São Paulo quer a retificação das certidões de óbito de cerca de uma centena de militantes políticos mortos por órgãos envolvidos na repressão à oposição política durante os governos militares. Essa será uma das principais recomendações do relatório final da comissão que deve ser apresentado nesta semana.

A retificação das certidões é para resgatar o que de fato houve com as pessoas - na maioria dos casos, os militares registravam nas certidões de óbito a causa da morte como 'atropelamentos ou tiroteios', o que escondia, segundo a comissão, assassinatos sob tortura ou execuções de prisioneiros.

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