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Prisão não é automática com decisão do Supremo

O Supremo Tribunal Federal reabriu, esta semana, uma polêmica muito debatida no passado pela doutrina, pelos operadores do Direito e pelos Tribunais. A corte decidiu, por maioria de votos, que o condenado já pode iniciar o cumprimento de pena de prisão após o julgamento em segunda instância - ainda que existente recurso para as Cortes Superiores (STJ e STF).

Por Daniel Bialski
Atualização:

Todavia, apesar do momentâneo alarde que se faz, a decisão deve ser interpretada adequadamente. A Suprema Corte esclareceu que o acusado poderá iniciar o cumprimento da pena. Não está expresso que deverá. A corte, no entanto, deixou a entender que em todo e qualquer caso, julgado em segundo grau, a expedição da ordem de prisão deverá ser automática. Mas, inicialmente, é preciso se pontuar que nada obstante o novo entendimento explicitado, princípios de ordem processual e constitucional deverão ser preservados.

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Assim, eventual decisão condenatória em primeira instância e que condicionou a expedição de ordem de prisão à coisa julgada não pode sofrer implementação, se não houve recurso por parte da acusação. Ou seja, se o Ministério Público não recorreu neste aspecto, o órgão colegiado - a Corte de 2ª instância - não poderá determinar a prisão de ofício, sob pena de incorrer em reformatio in pejus.

Essa questão não é nova e no passado não tão remoto já foi exaustivamente examinada pelos Tribunais. Prevaleceu a regra de obediência da formalidade. E este entendimento deverá ser renovado.

Em um caso relatado no STJ pelo ministro Jorge Scartezzini, ficou decidido da seguinte forma: "Se a sentença condenatória condiciona, expressamente, a expedição de mandado de prisão após o trânsito em julgado e de tal decisão não recorre a acusação, descabe ao Tribunal, por ocasião da análise da apelação interposta pela defesa, determinar a expedição de mandado de prisão do réu, uma vez que ainda possível a interposição de recurso. Ordem concedida para que o paciente responda ao processo em liberdade nos termos da sentença".

Além disso, não se pode esquecer que existem recursos perante as Cortes Estaduais - Embargos de Declaração (art.619 do CPP) e Embargos Infringentes (art.609, p. do CPP) - que possuem efeito suspensivo descritos e expressos em lei e, assim, impediriam qualquer providência drástica - prisão antecipada - em desfavor do acusado.

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O Supremo já entendeu, em Habeas Corpus relatado pelo ministro Marco Aurélio, da seguinte forma: "Opostos embargos de declaração ao acórdão de apelação, deve-se aguardar o seu julgamento para cumprimento do mandado de prisão".

Em outro HC, relatado no STJ pelo ministro Hamilton Carvalhido, ficou decidido: "Opostos embargos declaratórios ao acórdão estadual, tem-se por não exauridas as instâncias ordinárias, possibilitando-se ao réu o direito de aguardar, em liberdade, o julgamento do apelo integrativo.2. Ordem concedida para assegurar à paciente o direito de, em liberdade, aguardar o julgamento dos embargos de declaração opostos". E não é só. Em infrações afiançáveis, o acusado poderá e poderia prestar fiança para permanecer solto até o efetivo trânsito em julgado, na forma do que estabelece o artigo 334 do Código de Processo Penal - A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória".

É importante salientar, ainda, que como toda decisão judicial deve ser fundamentada (art.,93, inciso IX da Constituição Federal), não se pode instituir, substituindo o legislador pátrio, novamente a já derrogada imposição de prisão obrigatória. Ausente a correta motivação, ainda que em julgamento de segundo grau, o recurso confirmatório da responsabilidade jamais poderá admitir como válida e idônea a imposição excepcional privativa de liberdade. Inadmissível seria a prisão até por suas drásticas consequências, sem a necessária fundamentação.

Alerta a Suprema Corte que em casos de carência, a nulidade é a consequência. Assim entendeu o ministro Celso de Mello em um caso no STF: "A fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões emanadas do Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pelo art. 93, IX da Carta Política, precisamente por traduzir grave transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídico do ato decisório e gera, DE MANEIRA IRREMISSÍVEL, A CONSEQUENTE NULIDADE DO PRONUNCIAMENTO".

Ademais, conquanto os recursos Extraordinário e Especial não possuam efeito suspensivo, medidas cautelares inominadas, consoante previsão no Regimento Interno da Suprema (artigo 304) e Superior Corte (artigo 288), poderão atribuir esse efeito. Se deferidos, afastariam qualquer cogitação de imposição de custódia antecipada.

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Há um tema ainda maior que se refere realmente ao respeito ao princípio da presunção de não culpabilidade. Cabendo recursos que poderão quiçá anular ou modificar a condenação, parece refletir certa insegurança a imposição de prisão cautelar prévia. Tal ponderação certamente levará os implicados a se utilizar do meio heroico - habeas corpus - para tentar preservar seu Direito sagrado a liberdade e especialmente o da dignidade da pessoa humana. A expectativa é que os Tribunais Superiores flexibilizem igualmente a questão da admissibilidade do writ para debater temas e teses, justamente para evitar injustiças, constrangimentos indevidos e erros judiciários, pois qualquer tempo indevido no cárcere jamais será esquecido, apagado e ou superado.

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O sistema carcerário brasileiro é extremamente deficitário e causaria ainda mais malefícios, já que pessoas condenadas em regime intermediário(semiaberto), muitas vezes, esperam meses, quiçá anos, para ingressar no regime de cumprimento de pena adequado, o que é inaceitável.

Espera-se assim que a repercussão que se está se dando da decisão da Suprema Corte seja controlada e analisada com enorme cautela, pois difusamente do que pode parecer, não causa efeitos imediatos às causas, devendo cada caso ser examinado concretamente.

A prisão preventiva, em qualquer grau, não é automática e continua a ser a excepcionalidade. A regra continua sendo da liberdade. É preciso respeitar as premissas citadas e não transformar combate de impunidade em arbitrariedade.

Daniel Bialski é criminalista e sócio do escritório Bialski Advogados Associados

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