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Porte de fuzil é crime hediondo. Onde está a certeza do castigo?

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Por Luiz Flávio Gomes
Atualização:
Luiz Flávio Gomes. Foto: Arquivo Pessoal

No dia 26/10/17 foi sancionada nova lei penal que transformou a posse de fuzil em crime hediondo. No dia 2/11/17 o Globocop flagrou parte da bandidagem pesada do Rio de Janeiro, armada até os dentes com fuzis, promovendo um baile funk (era um tipo de celebração da impunidade).

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Não há brasileiro que não esteja amedrontado ou indignado com a medonha violência no Brasil (30 mortes para cada 100 mil habitantes). Não há brasileiro que não queira proteção e tratamento penal mais efetivo e concreto para os delinquentes (violentos ou do colarinho branco).

Mas o que está fazendo o Estado brasileiro para "solucionar" o problema? Sempre edita novas leis penais e diz que assim a questão será resolvida. Esse estelionato acaba de ser repetido com a nova lei penal que transformou o porte de fuzil em crime hediondo. A severidade abstrata da lei penal, no entanto, não muda a realidade.

A primeira lei dos crimes hediondos é de 1990. Nenhum crime diminuiu com ela. O cérebro das lideranças parasitárias, diante de tanta degeneração, vai perdendo a capacidade de pensar.

Por meio dessa política estelionatária aqui implantada o Brasil se transformou no 9º país mais violento do planeta (10% dos homicídios do mundo), o 5º que mais mata mulheres, o 6º que mais mata crianças e adolescentes (Unicef), o 7º que gera mais impunidade nos homicídios de jornalistas e por aí vai.

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Na América do Sul, dizia Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil), "As constituições são feitas para não serem cumpridas e as leis existentes para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias".

Mas entre nós ainda circula a crença na excelência de fórmulas teóricas. Nossas elites dominantes e dirigentes, mergulhadas na corrupção sistêmica, "são pouco especulativas".

São, ademais, regidas "por um demônio pérfido e pretensioso, que se ocupa em obscurecer aos nossos olhos verdades singelas" (Sérgio B. de Holanda). Não enxergam a realidade.

Por força da Lei 13.497/17 (de 26/10) tornou-se crime hediondo (que tem tratamento legal rigoroso) a posse ou o porte ilegal de armas de fogo de uso restrito, reservadas a agentes de segurança pública e às Forças Armadas.

Durante 56 anos (de 1941 a 1997) o porte de armas era mera contravenção penal (infração de menor importância). Diante da explosão da criminalidade violenta no Brasil (mais de 61 mil mortes somente em 2016), a contravenção passou a ser crime. Mesmo assim, não houve redução na criminalidade.

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Vinte anos depois, o porte de algumas armas se tornou crime hediondo. É claro que os portadores de fuzis não estão nem um pouco preocupados com isso. Porque o que vale é a "certeza do castigo" (como já dizia Beccaria, em 1764), não a severidade abstrata da lei. O povo nem sabe qual pena é prevista para cada crime.

Quando da edição da primeira lei dos crimes hediondos (1990) o Estado já revelava total descontrole da criminalidade. Vendeu para a população uma "solução" ilusória. Os índices de criminalidade, desde então, só pioraram.

Nenhum dos crimes hediondos (homicídio, estupro, latrocínio etc.), como se sabe, diminuiu no Brasil. A ineficácia dessa estratégia é mais que evidente.

O que nos falta é a prevenção (escolarização de qualidade para todos, em período integral, até aos 18 anos) e a certeza do castigo, que se consegue melhorando a polícia investigativa (que está sucateada).

Moro não necessitou de nenhuma lei nova para impor mais de 1.600 anos de prisão a delinquentes poderosos que sempre estiveram acima da lei. Fez valer o império da lei. É isso que deve servir de eixo para uma nova política de segurança pública.

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"É pueril acreditar que essa mudança legislativa vai desarmar o tráfico, especialmente no que diz respeito à munição pesada, como fuzis e outras armas de grande porte. O combate ao uso ilegal desse tipo de armamento exige um trabalho de inteligência por parte do Estado" (diz Pedro da Conceição, Conjur).

Nunca resolveremos nossos problemas com o carimbo ou com a lei isoladamente. A punição certa (certeza do castigo) é que tem efeito preventivo.

A parte do Estado não surrupiada pelas elites dominantes corruptas (econômicas e financeiras) não está cumprindo o seu papel protetivo da sociedade. Ele sempre edita novas leis para iludi-la. Pura enganação.

É hora de pensarmos em um Estado não empresarial e completamente eficiente nas suas funções essenciais (segurança, educação, saúde, Justiça e supervisão do mercado tendencialmente corrupto).

*Luiz Flávio Gomes, jurista. Criador do movimento Quero Um Brasil Ético. Estou no F/luizflaviogomesoficial

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