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Portaria sobre trabalho escravo é retrocesso inadmissível

A Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho, publicada esta semana, concretiza, sem sombra de dúvidas, um retrocesso normativo na proteção aos direitos humanos e no combate ao trabalho escravo no Brasil. Isso porque restringe a definição dessa prática criminosa e reduz os níveis de transparência para a classificação das empresas que incorrem nesse crime, prejudicando sobremaneira as condições de fiscalização.

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Por Wilson Belchior
Atualização:

Em um país que teve sua formação social alicerçada sobre a escravidão, com graves repercussões até os dias atuais, a exigência deve ser sempre de avanços institucionais, políticos e jurídicos que contribuam com a desconstrução dos elementos que estabelecem vínculos com as práticas associadas a esse fenômeno.

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Este retrocesso não pode ser admitido do ponto de vista dos valores definitivos fixados com a democracia e com a promulgação da Constituição de 1988, das atuais exigências da economia internacional no concernente à proteção dos trabalhadores e da experiência juridicamente bem construída de combate ao trabalho escravo no Brasil dos últimos anos.

A exigência de expressa determinação do Ministro do Trabalho para divulgação do Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores às condições análogas à de escravo contraria a Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso a Informação) e, por consequência, o direito fundamental de acesso à informação, assegurado pela Constituição no artigo 5º, XXXIII. O dispositivo estabelece a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção e não o inverso, afinal esse cadastro contém informações de interesse público e sua permanente divulgação atende ao dever de estímulo contínuo para o desenvolvimento da cultura de transparência ativa e passiva na Administração Pública.

Além disso, a portaria colide frontalmente com a definição de escravidão estabelecida no artigo 149 do Código Penal, segundo a qual trabalhos forçados ou jornada exaustiva já são critérios suficientes para caracterizar este tipo de crime contra a liberdade pessoal, diferentemente da temerária mudança proposta pelo Ministério do Trabalho.

No plano internacional, afronta diretamente a Convenção nº 29 da OIT, ratificada pelo Brasil desde 1957 (Decreto nº 41.721/57), que exige a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas. E mais recentemente destaca-se o Protocolo de 2014 da OIT relativo à convenção sobre trabalhos forçados, com a exigência de medidas eficazes para prevenir e eliminar essa prática, em conjunto com a proteção das vítimas e ações jurídicas adequadas para reparação dos danos sofridos por elas.

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Nesse sentido, não se admite sob qualquer justificativa a flexibilização do direito humano a não ser submetido à escravidão enquanto instrumento indissolúvel para proteção da dignidade da pessoa humana em sociedades preocupadas com a firme e contínua consolidação dos avanços democráticos.

*Wilson Belchior é advogado e sócio do Rocha, Marinho e Sales Advogados.

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