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"Todos aqueles que se envolveram em atos ilícitos são igualmente investigados, de A a Z", diz Janot

Leia os principais trechos da entrevista concedida a jornalistas pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot.

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Por Beatriz Bulla
Atualização:
Rodrigo Janot. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Veja abaixo os pontos abordados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em entrevista durante café da manhã com jornalistas em Brasília.

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REAÇÃO POLÍTICA À LAVA JATO

Numa investigação desse porte, quando você toca em centros de poder político e econômico, até a autopreservação impõe uma reação desses centros de poder. Eu vou lembrar o exemplo italiano (Operação Mãos Limpas) para que possamos tirar nossas conclusões no exemplo brasileiro. Com uma análise do que aconteceu lá podemos trazer e fazer um confronto do que acontece aqui.

Nós tivemos medidas legislativas na Itália, em número de 13, todas como forma de contrapor ao sistema de investigação. O primeiro foi a despenalização do crime de financiamento ilícito de partidos e reintrodução do sigilo nas investigações. Nós hoje estamos em discussão sobre a tipificação do crime de caixa 2 e a despenalização daqueles que até agora tivessem partido a isso. As medidas legislativas que ocorreram na Itália, de uma forma ou outra, são discutidas aqui no Brasil.

CONGRESSO LEGISLANDO EM CAUSA PRÓPRIA

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Vou tentar fazer uma tradução livre do que disse o Antonio di Pietro, na mão de quem começou as investigações das Mãos Limpas. Ele disse algo assim, na tradução livre: "aprendemos na escola que quando você é chamado a responder um processo ou você confia na justiça e se entrega a ela, promovendo a sua defesa, ou você escapa e se torna um fugitivo. Isso é o que se ensina na escola. Hoje, após a investigação de Mani Pulite (Mãos Limpas), aprendi algo que não nos ensinam na escola. Existe uma terceira via: você vai ao parlamento, entra como membro e legisla em causa própria para se furtar à atuação da justiça". Fecho aspas, numa tradução livre.

ABUSO DE AUTORIDADE

É óbvio que todos nós queremos uma lei que proíba ou que puna o abuso de autoridade. A proposta que tramita no Senado hoje contém alguns avanços no que se refere a essa lei de 1965, mas ela é muito ruim. Uma proposta de lei de abuso de autoridade não pode deixar de forma aberta tipos de abuso. Uma lei de abuso de autoridade não pode criminalizar o que a gente chama de crime de hermenêutica. Um juiz ou membro do MP não pode ser pelo fato de ter dado uma interpretação jurídica que o próprio sistema judiciário tem sua forma de controle.

Hoje, para mim, o ato mais visível, mais sensível do abuso de autoridade é a famosa "carteirada" e essa lei de abuso de autoridade, não se refere a isso.

ANISTIA AO CAIXA 2

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Existe uma proposta nossa para criminalizar caixa 2. Não há necessidade de anistiar o crime de caixa 2 porque o fato está sendo criminalizado agora e a lei não retroage. Não seria assim conveniente, na minha opinião, que houvesse essa anistia retroativa dos demais crimes que possam ter sido praticados no âmbito da investigação. E nesse viés, se existir a anistia aos crimes que foram praticados antes é uma forma realmente de prejudicar a investigação. Eu costumo dizer que nós chegamos a esse ponto da investigação em que a figura de linguagem que eu faço é que nós envergamos uma vara. Essa vara está envergada e, se agora isso não prossegue, essa vara solta e volta chicoteando todo mundo. Nós dobramos a vara e essa vara tem que ser quebrada.

LENIÊNCIA

A questão da leniência eu vejo da seguinte forma: os órgãos que participam da feitura do acordo a ele se vinculam. Aqueles que não participam, a ele não se vinculam. Se dentro deste contexto o Ministério Público for incluído para acolher, admitir, aceitar, aprovar, o acordo de leniência, o MP a ela se vincularia. Se não for, o MP a ela não se vincula. E lembrar que, pela constituição brasileira, o monopólio da ação penal, é do MP.

ALTERAÇÕES NAS 10 MEDIDAS CONTRA CORRUPÇÃO

É uma ponderação que o parlamento faz. É uma discussão que se dá no parlamento. Não temos a soberba de achar que essas medidas não poderiam ser objeto de discussão, alteração e teriam que ser aprovadas como a gente encaminhou.

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PROVA ILÍCITA

A questão da prova ilícita começou com esse nome danado e contaminou toda a discussão. É preciso entender o que é prova ilícita e a prova produzida de boa fé. (...) Um ladrão vai fazer um furto com arrombamento. Quebrou a janela, entrou na casa do sujeito. Pegou o computador e foi embora. Ele abre o computador e vê material de pedofilia, foi numa delegacia de polícia e entregou para o delegado. O delegado pegou, começou a investigação, MP ofereceu denúncia e lá no final questionou-se a validade dessa prova e essa prova foi anulada. A questão é: é isso mesmo? Isso chegou às mãos do Estado.

A LAVA JATO VAI ACABAR COM A CORRUPÇÃO?

Ninguém tem a ilusão de que essa investigação vai acabar com a corrupção no País. Não vai acabar. Não tem nenhum herói aqui, não tem nenhum deus, não tem nenhum santo que vai, de um passe de mágica, dizer 'agora o Brasil virou um paraíso'. O enfrentamento é para que possamos controlar essas atuações de corrupção endêmica. E nisso aí eu acho que a Lava Jato vai ajudar, sim.

Nós temos que passar, cruzar essa linha e dizer 'agora nós vencemos a corrupção endêmica'. A corrupção episódica isso existe no mundo inteiro e vai continuar existindo. No que se refere à endêmica, essa vara está vergada, e eu espero que seja sim a Lava Jato que vai quebrar essa vara. No sentido de vencer essa corrupção endêmica e essa corrupção sistemática.

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REFLEXO NA ECONOMIA

Acho engraçado. Me parece que não existe aqui mais esse ditado de "rouba mas faz". Então assim: fez para roubar. Eu não conheço nenhum sistema capitalista em que qualquer investigação possa ter reflexo de redução de PIB, de reduzir a economia. Estamos falando de investigação criminal por ilícito praticado. Nós temos empresas cujos titulares são objeto de investigação e essas empresas têm sofrido realmente consequências dos atos que elas praticaram. Não foi ninguém que praticou, foram elas mesmas. Qual era o quadro da economia por trás dessas empresas? Era uma economia de mercado, era uma economia de competição? Não. Era uma economia em cima de cartelização, em cima de um capitalismo tupiniquim de acerto, de pagamento de suborno. Não é essa economia que se pretende resguardar. Se for essa economia que se pretende resguardar vamos então alterar a constituição e dizer que o modelo nosso não é o modelo capitalista, não é o modelo de competição.

LAVA JATO SEM VIÉS POLÍTICO

Eu tinha ouvido, agora menos, que essa investigação tinha endereço certo, um viés político. Os números não revelam isso. Não revelam que estejamos privilegiando nenhum grupo partidário ou nenhum partido político. Todos aqueles que se envolveram em atos ilícitos são igualmente investigados, de A a Z. O enfrentamento desse modo de fazer política não criminaliza a política, porque estamos enfrentando um modo de atuar criminalmente. Estamos dando um tratamento criminal a criminosos.

RECALL DE DELAÇÕES

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Quando se faz a colaboração, ele (delator) revela todos os atos que entende necessários para o processo, para a investigação. Mas existe a possibilidade de esquecer mesmo, estamos falando de anos mesmo que se passaram. Se for esquecimento doloso, deliberado, ele pode receber pena maior, aumentar multa ou até quebrar a colaboração. Uma das cláusulas do acordo é que em caso de quebra, o MP pode usar das provas entregues pelo colaborador. É muito ruim para o colaborador que omite ou mente, porque além de perder os benefícios, tudo que ele entregou de prova nós podemos utilizar. Agora tem que analisar por que é que esses fatos não vieram? Pode ser porque na época não existiam meios de prova e depois se encontram e trazem. Vários são os motivos que podem chegar.

GARGALOS

Nossos gargalos são de estrutura. No âmbito da PGR nós somos 8 ou 9 pessoas parar tratar de toda essa confusão. Estamos chegando no nosso limite da capacidade operacional. É cada dia sua agonia. Um gargalo seria estrutura, espaço físico, até isso. Aqui o grupo de trabalho da Lava Jato funciona na minha sala de reuniões.

PENA POR PENA

Uma investigação dessa (Lava Jato) vocês não fazem ideia de como é puxar essa linha... O ministro Teori (Zavascki, do STF) brincou, 'Na Lava Jato, você puxa uma pena, vem uma galinha inteira'. Não. Vem uma pena de cada vez mesmo. Não vem uma galinha inteira, não. Então é pena, pena, pena. E você segue os caminhos da investigação que são tortuosos em tentativa e erro.

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SOBRE PACTO DIABÓLICO MENCIONADO POR LULA

Vivemos num país livre onde o direito de critica e de manifestação é assegurado na constituição, eu não tenho que me referir ao que ele disse. Ele tem todo direito de externar as opiniões e as críticas que entender necessárias.O que eu posso dizer é que eu não sou religioso.

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Nós nunca, enquanto Ministério Público, estivemos em uma época tão favorável internacionalmente para a cooperação internacional. A cooperação hoje é efetiva, rápida e com resultados muito positivos. Nós temos excelentes experiências com os EUA, com a França, com a Itália, com a Suíça. Países do Caribe, Portugal, Espanha. Espedimos 122 pedidos de cooperação ativa a 33 países distintos e recebemos no âmbito da investigação 26 pedidos de cooperação passiva de 16 países. Essa investigação não teria chegado aonde chegou sem a cooperação internacional.

FORO PRIVILEGIADO

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Mais de 22 mil autoridades com prerrogativa de foro são julgadas não pelos juízes de primeiro grau, mas por tribunais. E qual é a estrutura da justiça brasileira? O juiz de primeiro grau é vocacionado para formar o processo. Os tribunais ao contrário são preparados para receber processos já feitos e analisar esses processo em grau de recurso.

Numa estrutura em que os tribunais não foram feitos pra criar processos, é lógico que a velocidade da tramitação de um feito no tribunal nesse processo que está sendo formado é mais lenta. (...) O que posso dizer é que com essa quantidade de pessoas (com foro) não há a menor condição de continuar. A questão não é fácil, a questão é complexa. A solução tem que existir. O melhor lugar pra se discutir isso é o parlamento.

SISTEMA RECURSAL

O problema estrutural da Justiça é que nós temos um sistema de recursos muito arcaico. Quem frequenta os julgamentos do STF não raro, no enunciado de um recurso, se depara com a seguinte expressão e não vou exagerar "embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos infringentes...". Chegam a 16 recursos seguidos para uma mesma causa. Nós temos um sistema de recursos muito complicado.

PEDIDO DE VISTA NO STF

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Pedido de vista serve para quê? Se você não se convence ou se tem dúvida é natural que se peça vista sobre uma matéria qualquer. Agora não me parece razoável que pedidos de vista possam ficar um ano, dois anos. Isso realmente não contribui para a celeridade da justiça. Mas há outra questão. Muitos pedidos de vista não voltam porque quando se pede vista o processo sai da pauta e depois tem que retornar para a fila da pauta.

EXECUÇÃO DA PENA APÓS SEGUNDA INSTÂNCIA

Dos vários importantes julgamentos que o STF teve nesses três anos do meu mandato, eu destaco dois que foram cruciais para uma mudança de paradigma. Primeiro quando o STF reconheceu expressamente a possibilidade de o MP promover investigações regradas, controladas, mas promover.O segundo é esse da (execução da pena após a condenação em) segunda instância. Esse julgamento de segunda instância é um salto de qualidade para o sistema penal no brasil.

PROCURADORIA NACIONAL ANTICORRUPÇÃO

Quanto à Procuradoria Nacional Anticorrupção, não há um formato pronto ainda. Estávamos para encaminhar uma solução quando nós começamos a receber ideias de outros países que têm modelos que possam inspirar. (A Procuradoria Anticorrupção) Seria um núcleo com a estrutura a ser formada de acordo com a necessidade, não haveria uma estrutura estanque. Não se atravessaria o promotor natural, não há possibilidade de avocação para esse núcleo. Esse núcleo teria regras definidas prévias e os colegas pediriam auxílio da estrutura aderindo às regras de investigação.

SUCESSÃO

A escolha do PGR é feita já entre integrantes da carreira. Já é um filtro. Indicação de presidente e aprovação do senado são mais dois filtros. Um filtro muito importante é a nossa lista tríplice. Com a conjugação de quatro filtros, para que possa ter uma manipulação política de quem senta nessa cadeira aqui já é difícil. Outra coisa, a pessoa que senta nessa cadeira não trabalha sozinha, vai precisar de colegas e vai trabalhar com a polícia e outros órgãos com expertise nesses assuntos. Não passa na cabeça de ninguém que essa pessoa possa entender que controla todos esses órgãos. Não há essa conspiração generalizada a esse ponto. Acho muito difícil.

VAZAMENTOS DE INFORMAÇÃO

Segredo de mais de uma pessoa é impossível. Quando você começa a partilhar esse fato, a chance de conversa é muito grande. Então há vários interesses por trás destes ditos vazamentos. Exemplo: se o advogado tem um cliente em que o que ele se dispõe a entregar pra justiça enquanto eventual colaborador não despertou o interesse do acusador em fazer a colaboração, uma forma de pressionar é ir pra imprensa e dizer "ele sabe disso e daquilo".

Nós temos aqui várias barreiras de contenção para evitar vazamentos. O vazamento em 90% dos casos é mais prejudicial do que ajuda a investigação. O clamor popular não interfere na investigação. Boa parte do sucesso está exatamente no sigilo, nas pessoas não saberem quais informação temos, quais elementos de prova temos e qual a estratégia.

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