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Pacote anticorrupção vai além de propostas de aumento de pena

Por Fernando Augusto Fernandes
Atualização:
Fernando Augusto Fernandes 

A proposta de pacote anticorrupção vai além de um aumento da pena de 2 a 12 anos para 4 a 12 anos. As medidas que acompanham o projeto são inconstitucionais e não resolvem a corrupção no Brasil, mas incentivam abusos do poder estatal. A ideia de incluir este tipo e outros correlatos como peculato (312) e concussão (316 caput) em lista de crimes hediondos demonstra exagero e inconstitucionalidade. Caso o constituinte desejasse a inclusão deste tipo no artigo 5º XLIII da Constituição Federal, o teria feito vedando a fiança, assim como fez ao tráfico de drogas, o terrorismo e a tortura. A definição de outros crimes como hediondos deve levar em conta a vida humana e não campanhas momentâneas. A reprovação da sociedade a determinado crime já está previsto no quantum da pena fixada e a proposta já seria aumentar esta reprovação. Além disso, o juiz no momento da condenação levará em consideração a circunstância do fato para a aplicação da reprimenda.

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Mas se a Constituição veda a tortura e rejeita o abuso, não é possível pensar-se em repressão sem coibir abusos dos promotores e juízes. Vão se tornar hediondos também estes abusos?

Não se esconde no projeto inúmeras afrontas ao texto legal. A tentativa de reduzir a amplitude do habeas corpus querendo impedir que através deste se declare nulidades demonstra o desejo de atropelar o devido processo legal (artigo 5º LIV da CF) e encontra um impeditivo no art. inciso LXVIII da CF (conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder).

Quando trata da prova ilícita, o próprio texto afirma que a Constituição veda de forma irrestrita e se propõe através de lei uma mudança para admitir aquela obtida com suposta boa-fé do agente público. Não é possível a alteração de cláusula pétrea da Constituição. Estas são imutáveis. Assim prevalece o inciso LVI do artigo 5º: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícito". O ministro Sepúlveda Pertence já definiu no Supremo que a Constituição brasileira não admite a proporcionalidade ou maleabilidade em questão de prova ilícita.

A ideia do Recurso Extraordinário não esperar o julgamento do Recurso Especial somente aumentaria o número de processos no Supremo, em processos que poderiam ser solucionados no STJ e onde já existe um filtro mais do que severo para a admissão de recursos ao Supremo.

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Quanto à ideia de que somente atos decisórios de juiz incompetente poderá ser declarado nulo, ofende o princípio do juiz natural constitucional que não somente decide, mas forma sua opinião através do processo. Já adotamos a identidade física do juiz com o processo sabendo que quem humanamente viu as provas serem desenvolvidas deve julgar.

O crime de lavagem passou por uma ampliação que vulgarizou o tipo, podendo ser aplicado até ao pivete da rua. É preciso voltar a regulamentar e definir o crime, limitando a sua aplicação. A ideia de informante confidencial ao Ministério Público é inconstitucional. Seria permitir uma lavagem de prova ilícita e falta de controle da origem da prova.

Considerar organização criminosa e lavagem como crime hediondos é um grave risco ao cidadão. Isto porque os dois tipos penais viraram verdadeiros coringas da polícia e do Ministério Público e foram vulgarizados pelo juízes e tribunais. Empresas, associações sociais, todo tipo de entidades e pessoas são acusadas de organização criminosa. Não há um processo complexo que não conste com esta acusação. Com a revogação dos crimes antecedentes como limitadores da origem da possibilidade de acusação de lavagem, a partir de 2012 tudo virou lavagem de dinheiro. E com a proliferação sem controle dos exageros nas acusações, e a minimização do habeas corpus e propostas ainda mais limitadoras deste remédio constitucional, a tendência é que haja ainda mais abusos e exageros.

*Fernando Augusto Fernandes é criminalista, doutor em ciência política e sócio do Fernando Fernandes Advogados

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