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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Outras lições importantes para o Brasil

Aristóteles dizia que a ignorância tem duas faces: a ignorância de negação e a ignorância de disposição. A primeira trata da ausência completa de conhecimento acerca de algo; a segunda cuida da falsa percepção da realidade.

Por Ali Mazloum
Atualização:

Muito além da Lava Jato, para quem não sabia ou apenas desconfiava, métodos corrosivos da República existem e foram postos à mostra. Motivos agora não faltam para exigir mudanças, o quanto antes!

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Com efeito, casos policiais, investigações e condenações judiciais são o assunto do dia em todos os segmentos da sociedade. Penalizações vêm à seu tempo surgindo. A população quer ver gente na cadeia! Este parece ser o único resultado esperado. Contudo, é para isso apenas que serve um processo criminal?

A sanção penal não tem natureza meramente retributiva: vingança ante o mal causado pelo autor de uma infração penal. Sua finalidade, ressocializadora, é essencialmente preventiva: visa a retirar o agente do meio social, impedindo que volte a delinquir (prevenção especial), bem como presta-se à intimidação geral, impedindo que outros intentem delinquir (prevenção geral).

Ademais, o Processo Penal, observado o princípio constitucional do devido processo legal, colima precipuamente tornar efetiva a aplicação da pena correspondente ao delito praticado (fim imediato). Serve, como fim mediato, para garantir a paz social e indicar pedagogicamente caminhos pra o aperfeiçoamento da ordem jurídica. Ao fim e ao cabo de um processo, algo útil deve ser extraído.

Impende destacar que importantes ações penais contra a corrupção foram deflagradas nos últimos anos, maior exemplo disso é o processo do "mensalão", julgado pelo Supremo Tribunal Federal, que culminou com condenações e prisões de personagens do alto empresariado e da fina flor da política brasileira.

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Contudo, todos sabem que em pleno curso desse processo, práticas ilícitas assemelhadas e ainda piores continuaram em marcha, conforme depois revelado no "petrolão".

É verdade, nunca se combateu tanto a corrupção. Porém, é perceptível faltar algo para debelar sua pertinácia. O processo criminal, por mais eficiente, não basta para acabar com a criminalidade. A operação Lava Jato escancarou os bastidores do poder: clama-se por condenações, mas o óbvio não se enxerga.

Eficiência não é o mesmo que eficácia. Aquela é o fazer bem feito; esta, o fazer aquilo que deve ser feito. E qual seria a lição de casa que estamos deixando de fazer para não mais incorrermos nas mesmas mazelas? Reforma política, é a resposta.

Urge aproveitar a oportunidade desvelada pela Lava Jato para concretizar o sopro das boas novas. Um olhar atento para o processo - que não deve ser um fim em si mesmo - acentua o lado obscuro e nefasto do atual sistema de governo, a forma "pouco" republicana de exercício do poder e a facilidade de capturá-lo em proveito de alguns. Viu-se que a corrupção, quando atacada, não cede: metamorfoseia-se!

A forma como se dá a relação entre o Executivo e o Legislativo no exercício de suas funções, pautada pelo modelo presidencialista adotado, merece reflexões, quiçá com vistas a um semiparlamentarismo nos moldes defendidos por renomados juristas.

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Deve-se superar o esgotamento do atual sistema eleitoral proporcional, partindo-se para o voto distrital. A reforma política impõe mudanças estruturais no foro privilegiado para julgamento de autoridades. O financiamento de campanha política constitui outro fator de inadiáveis alterações legislativas.

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Manter coesa a sociedade e reunificá-la em torno de uma agenda programática de efetivo combate à criminalidade (e impunidade) constituem fatores de legitimação do Poder. Boas lições devem ser apreendidas e implementadas com ações, reformas estruturais e conjunturais idôneas para criar novos paradigmas.

Tirar do baú a reforma política, sem incorrer em inconstitucionalidades, consubstancia importante ponte a ser construída para uma necessária e salutar interlocução entre governantes e governados na busca da normalidade democrática.

Esta seria, também, a melhor maneira de coroar de sucesso todo o esforço empregado pela Polícia Federal, Ministério Público e Justiça Federal à frente da operação Lava Jato, cujo mérito ultrapassa em muito os limites da responsabilização criminal, postulando imediatas mudanças para o eficaz exercício da cidadania.

* Por Ali Mazloum, juiz federal em São Paulo, mestre em Ciências Jurídico-criminais, especialista em Direito Penal, pós-graduado em gestão, professor de Direito Constitucional.

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