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O que o pedido de Intervenção Federal no Rio, formulado pelo MPF, não é

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Por Alexandre Manir Figueiredo Sarquis
Atualização:
Sede da Procuradoria-Geral da República em Brasília. FOTO: ANDRE DUSEK/ESTADÃO  

No teatro de sombras da política brasileira, muitas coisas não são mais o que parecem. Outras tantas nem mesmo existem, são meros assombros que nos tomam de assalto num instante para, no seguinte, decomporem-se na turba de mil outros episódios por detrás. Nesse espanto, vão se extraviando em definitivo as linhas demarcatórias. Técnicos são políticos, políticos são manifestantes, atos jurídicos são manifestos, ou vice versa e não necessariamente nessa ordem.

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O pedido de intervenção federal 5215 de competência da Exma. Sra. Presidente do STF, Min. Cármen Lúcia, por exemplo, não é muito do que aparenta ser. Em 27/04/2017 o Procurador Geral da República, possivelmente propelido por manifestações da Procuradoria do Rio de Janeiro, ajuizou junto ao STF uma ação por Intervenção Federal no Rio de Janeiro. Poderia ter buscado fundamento na delicada situação financeira do ente e no art. 34, V, da CF/88, só que não.

É que três substitutos encontram-se em exercício no TCE-RJ, o que não é tolerado pelo §3º do art.76-A da Lei Orgânica daquela Corte (Lei Complementar 63/90), que estabelece que apenas um pode fazê-lo por vez. Eis a aritmética que levou o Ministério Público Federal a movimentar sua máquina.

A Corte de Contas afastou a regra, porque obviamente inconstitucional, mas, na avaliação da PGR, aí ficou pior. É que a Corte de Contas não é dotada de poder suficiente para afastar a constitucionalidade de leis, mesmo no caso concreto e a despeito do que enuncie a entrada 347 da súmula de jurisprudência do pretório excelso.

Com substrato no art. 34, VII, "d" da Carta Federal (assegurar a prestação de contas da administração pública), pede intervenção para que os Conselheiros Substitutos concursados sejam afastados e interventores ocupem os seus lugares, bem como para cassar todos os efeitos de suas as decisões. O pedido do Chefe do Ministério Público, no entanto:

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1 - Não é um pedido de intervenção

O objetivo da intervenção é afastar o Chefe do Executivo que deixa de prestar contas ou constrange as instituições incumbidas da tomada. Aqui, no entanto, o pedido está de ponta cabeça. O Governador do Rio de Janeiro ofereceu sua prestação de contas no prazo regimental. Também não transparece interferir em mecanismos internos da Corte de Contas. Alega-se que é o órgão que vai mal. Deseja-se ver substituídos seus membros, constitucionalmente empossados após concurso público.

2 - Não é rechaçar interferência política em favor da técnica

Se algo, é o contrário. Repele-se os Conselheiros Concursados no momento mais técnico da atuação dos Tribunais de Contas. A teor do inciso I do art. 71 da CF/88, na análise das Contas do Governador, o órgão julgador é a Assembleia Legislativa. O papel da Corte de Contas é tão somente oferecer parecer prévio. Assim que sua incumbência é técnica financeira, pois toda a avaliação Política no caso específico se concentra no Poder Legislativo, após o auxílio prestado pelo TCE-RJ, que funciona como parecerista.

Não se concebe momento mais benéfico para a atuação dos concursados do que este. A análise das Contas de Governo do Estado se favorece sobremaneira com a atuação profissional e imparcial dos Conselheiros Substitutos concursados, legando as de outra ordem para o justo foro das muitas forças políticas e populares: o Poder Legislativo.

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A iniciativa poderia ser tomada quase como um apavoro em relação ao que poderiam vir a dizer os Conselheiros Substitutos logo mais, na apreciação das contas de 2016 do Governador Fernando Pezão. Entenda-se, o susto é com os Conselheiros Substitutos, aprovados em concurso público de provas e títulos, com idoneidade moral e reputação ilibada aferida por negativas da justiça, das varas de distribuição e pesquisa de antecedentes.

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3 - Não é respeito à jurisprudência do STF

Apesar de decisões do STF terem afirmado que não pode a Corte de Contas apreciar a constitucionalidade de leis e atos do Poder Executivo, a função dos Tribunais de Contas é EXCLUSIVAMENTE essa. A assertiva, que causa sobressalto em muitos, não toma muito tempo para explicar.

A Constituição, a par de assentar o plexo de Direitos Fundamentais que dão norte à sociedade brasileira, também é um estatuto da dialética entre Executivo e Legislativo. É peça e é ferramenta de Direito Administrativo. O Tribunal de Contas insere-se em meio a isso, pois é corpo de magistratura intermediário entre Executivo e Legislativo. Opera encravado na dinâmica entre os dois poderes, que são o núcleo político do Estado. Se não pode se socorrer do documento que dita as regras, é rendido e fica ocioso.

Os apontamentos que fundamentam pareceres prévios pela rejeição das contas de governo, tais como não aplicação do mínimo em saúde (art. 198, §2º), não aplicação do mínimo em ensino (art. 212), excesso de gasto com pessoal (art. 169), não pagamento de precatórios (art. 100), entre outros tantos, não comportam nem mesmo a discussão se figuram ou não em Lei. Certamente estão bonitinhos e previstos na Lei Orçamentária e respectivos Decretos.

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Para se apreciar as Contas dos Administradores é indispensável defenestrar a débil camada de legalidade que os protege de obedecer diretamente a Constituição. Nem a Lei de Meios, nem nenhuma outra, pode opor obstáculo a tal análise.

Que dizer de tantos outros atos pormenorizadamente regrados no texto Constitucional, como acumulação de cargos (art. 37, XVI), teto remuneratório (art. XI), elaboração e emenda da Lei Orçamentária (art. 165 e s/s), concessão de benefícios previdenciários (art. 40), entre tantos outros? Havendo Lei local que conceda pensão vitalícia a ex-primeira dama apenas por ter tal condição, que deveria o Tribunal de Contas fazer? Conceder registro ao ato e ignorar a sua inconstitucionalidade?

Enfim, a quem é dado apreciar a legalidade de atos - e ninguém duvida que seja esta a incumbência precípua dos Tribunais de Contas - , não há como determinar um olhar fracionado, parte constitucional, parte meramente legal, pois a Constituição também é texto normativo.

Em se levantando interpretação constitucional irreconciliável com interpretação legal, aplique a interpretação legal: eis a receita para toda sorte de perplexidades. Em nenhum momento se discute que o Judiciário tem a última palavra: é tão simples quanto ajuizar um mandado de segurança.

Ainda assim, há um fim para o qual a inicial da PGR pode ser empregada: a impugnação das decisões dos Conselheiros Substitutos que contrariem os muitos interesses que não se escrevem em papel. Ao não decidir se acredita ou não que o § 3º do art. 76-A é inconstitucional (limita-se a mencionar que é de constitucionalidade duvidosa), o Ministério Público permite que se desnude o resto de acervo moral que vestia o Tribunal de Contas e os Conselheiros Substitutos e com o qual trabalhavam em prol da sociedade.

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Pede o MPF que, de última hora, sejam selecionados interventores para dar parecer prévio às contas de 2016 do Governo do Rio de Janeiro. Quais interventores seriam mais apropriados que aqueles selecionados em isento concurso público de provas e títulos?

*Alexandre Manir Figueiredo Sarquis, Professor de Direito Administrativo da FIPECAFI e da ESA/OAB

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