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O 'pagador de protestos', com sua cruz de ripas, na terra da Lava Jato

André Rhouglas, mineiro de Ponte Nova, passa dez dias na frente da Justiça Federal em Curitiba para manifestar sua revolta contra a corrupção na Petrobrás e conhecer o famoso juiz Sérgio Moro

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Por Ricardo Brandt e e Fausto Macedo
Atualização:

André Rhouglas protesta em frente ao prédio da Justiça Federal, em Curitiba / Foto: Ricardo Brandt/Estadão

Amarrado a uma cruz de ripas, o mineiro André Rhouglas, de 55 anos, passou dez dias em frente ao prédio da Justiça Federal em Curitiba (PR), onde são julgados os processos em primeira instância da fantástica Operação Lava Jato.

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O sotaque entrega a mineirice, mas ele faz questão de se apresentar em uma faixa - a menor delas - pendurada na ponta superior do crucifixo que carrega, acima da cabeça: "Sou André Rhouglas de MG. Sou um brasileiro, que faço protesto a favor da paz e contra os corruptos!".

Na faixa que carrega ao peito, uma foto do ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa - o primeiro delator do processo -, ladeada por duas outras emblemáticas figuras da operação: o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Internacional da estatal Nestor Cerveró. Nela, a frase-protesto de duplo sentido: "Não me olhem assim, eu não fiz nada".

No braço direito, as imagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outra de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, com a frase: "Pelo amor do PT não entre em delação". Em outra imagem, abaixo, caricaturas de Lula e da presidente Dilma Rousseff, com os dizeres: "Eu sou o cara! Nós somos o maior 171 desse País".

No braço esquerdo, fotos do juiz da Lava Jato: "Sérgio Moro um patriota". Abaixo, uma foto em que estão juntos a presidente Dilma e os ex-presidentes Lula, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor e José Sarney.

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Morador de Ponte Nova (MG), Rhouglas percorreu 1,4 mil quilômetros - de ônibus - para chegar em Curitiba. A capital do Paraná abriga a incrível Lava Jata e guarda presos importantes da República, como o ex-ministro da Casa Civil (Governo Lula) José Dirceu, o ex-deputado mensaleiro Pedro Corrêa (ex-PP-PE), o ex-dono do cofre do PT João Vaccari, entre outros. É também de onde despacha o aclamado juiz da Lava Jato, Sérgio Moro.

Ele faz lembrar, ainda que remotamente, o Zé do Burro, personagem central da peça O Pagador de Promessas (de Dias Gomes), que carrega no lombo dias a fio uma pesada cruz de madeira em oferenda a Deus pela vida de seu jegue doente, até ser barrado na porta da Igreja de Santa Bárbara, em Salvador, por ter encaminhado a demanda via mãe-de-santo.

Reprodução do aclamado filme O Pagador de Promessas, dirigido por Anselmo Duarte, de 1962 - baseado na pela de Dias Gomes Foto: Estadão

De perto, a sina de Rhouglas - e sua cruz de pouco mais de um quilo - é outra. Não há promessas em sua penitência. O crucifixo carrega faixas de protesto: "faço isso para aparecer mesmo, para protestar contra a corrupção, contra a injustiça e a violência".

O mineiro Rhouglas não tem um burro. Ele diz ser empresário em sua cidade. Dono de uma fábrica de faixas, a mesma de onde saíram as que exibe no crucifixo de ripas. Mas garante que não faz isso para propagandear seu negócio.

"Oito mil reais! Me custou oito mil estar aqui", responde, em tom quase indignado com a pergunta posta pelo entrevistador - cético por ofício - sobre os motivos que o levavam a protestar.

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"Gosto de aparecer para conscientizar as pessoas a não aceitarem a corrupção e a injustiça", afirma o "pagador de protestos".

Ele faz disso quase um sacerdócio. "O primeiro protesto foi em 2005, fiquei seis meses 'enforcado' em frente à prefeitura de minha cidade", relata.

O mineiro também já esteve em Brasília, claro, para protestar já na primeira posse da presidente Dilma, em 2011 - ocasião em que a segurança quebrou sua cruz. Em 2015, também esteve na capital federal. "Não sou partidário, votei no Lula duas vezes e na Dilma na primeira eleição." Manifestou-se também contra o Mensalão. Deu as caras também no caso Nardoni - a história brutal da pequena assassinada pelo pai e pela madrasta, em São Paulo.

André Rhouglas durante a posse da presidente Dilma Rousseff, em 2015 / Foto: Arquivo pessoal

No mundo do Zé do Burro, de Dias Gomes, quem acompanha o pagador de promessas é sua mulher Rosa. Na versão do "pagador de protestos", quem o acompanha são seus três filhos - de 13, 17 e 19 anos -, que ficaram hospedados em um hotel e, durante o intervalo entre um protesto e outro, saem com o pai para conhecer a capital paranaense.

"Custa caro, mas faço isso porque gosto", afirma o minheiro, que garante não receber patrocínio. "Na rua tentam me dar dinheiro, mas não aceito, o pagamento é que as pessoas pensem sobre isso."

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Numa realidade bem distante daquela que marcou Zé do Burro, morto estupidamente tentando cumprir sua promessa de entregar na Igreja de Santa Bárbara, em Salvador, a cruz ofertada à sua mãe de santo, o pagador de protestos saiu de Curitiba realizado.

Rhouglas chegou a Curitiba no dia 16 de janeiro e embarcou de volta para Nova Ponte, no interior mineiro, no dia 1º de fevereiro.

Na terça-feira, 26 de janeiro, Sérgio Moro - o guardião dos processos em primeiro grau da Lava Jato - abriu-lhe as portas de seu gabinete, no segundo andar da sede Justiça Federal, em Curitiba.

Depois da insistência da singular figura, que queria conhecer o popular magistrado, Sérgio Moro o recebeu por alguns minutos para uma troca de palavras. "Elogiei o trabalho dele, perguntei se ele tinha se formado nos Estados Unidos, ele disse que não. E falei da importância que tem sido o trabalho dele."

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