Outras mudanças pretendidas pela comissão, como a adoção do "distritão", são justificadas por argumentos aparentemente técnicos que não resistem a uma análise histórico-jurídica. Esse tipo de iniciativa também conduz à negação da política, abrindo espaço para outras formas de lidar com tensões, como a violência e a criação de estruturas paralelas ao Estado.
O sistema distrital idealizado pela comissão institui a disputa majoritária pelas vagas de deputados federais, estaduais e vereadores nas eleições de 2018 e 2020. Nele, só se consideram os votos dados aos candidatos às cadeiras de cada distrito, deixando de lado os votos de partidos e coligações.
A proposta, tal como apresentada na PEC 77/03, já foi adotada por outros países, como a Jordânia. O resultado foi o enfraquecimento dos partidos e a diminuição da representatividade das minorias. Isso levou o rei Abdullah II a tentar mudanças no distritão, precisando reservar cadeiras para mulheres e grupos religiosos. Após esses ajustes fracassarem, o país fez nova reforma eleitoral, em 2016, e implementou o voto proporcional.
Como se vê, o sistema enfrentou problemas até em monarquias. No Brasil, muito mais complexo, maior territorialmente e com diferenças regionais acentuadas, a consequência da mudança seria nefasta. Os partidos tenderiam a funcionar apenas como meio para obtenção do registro de candidatura, acentuando o problema dos candidatos contraditórios numa mesma legenda e incentivando a proliferação das siglas de aluguel. Pior: o protagonismo do candidato, individualmente, afastaria o debate sobre projetos.
Entre os defensores do distritão é comum o argumento de que a mudança serviria para reduzir o número de candidatos e também o montante dispendido nas campanhas. É muito claro, porém, que não precisamos de uma alteração em todo o sistema para atacar esse problema. Bastaria ir direto ao ponto e fazer um ajuste, mais do que necessário, na lei atual. Atualmente, cada partido pode lançar um número de candidatos equivalente a até 150% do número de vagas em disputa. Seria razoável fixar esse percentual em 50%.
À luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que já firmou entendimento sobre a fidelidade partidária na Adin 5.081, o distritão significaria o fim do compromisso com a legenda e a outorga para criação indiscriminada de partidos, movida exclusivamente por interesses pessoais. Qualquer chance de renovação do Congresso seria anulada em virtude do inequívoco benefício aos detentores de mandados e aos grandes partidos, que detém o controle do aparato público e podem usá-lo para autopromoção. O incentivo ao fim da política como meio de perseguir o bem comum estaria, mais do que nunca, fortalecido. É preciso combater esse tipo de visão de Estado, sob a pena de agravar a crise política que já prejudica demais toda a sociedade.
*Marcus Vinicius Furtado Coêlho, doutor em direito, advogado constitucionalista e ex-presidente nacional da OAB