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O compliance bancário após a Resolução 4595

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Por Pedro Augusto Simões da Conceição
Atualização:
Pedro Augusto Simões da Conceição. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A recente edição da Resolução nº 4595 do Banco Central do Brasil, de agosto deste ano, parece ter finalmente colocado nos trilhos o que se espera de um programa de compliance em uma instituição financeira.

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Realmente, a resolução traz algumas medidas louváveis.

A principal, apesar de simples, está na proibição de vincular a remuneração dos membros do compliance ao desempenho das áreas de negócios. Essa proibição surge como regra regulatória muito bem elaborada e com o intuito explícito de evitar o conflito de interesses. Trata-se de uma medida de governança que pode parecer banal, contudo, mais que em qualquer outro setor, no sistema financeiro, o papel do Compliance Officer é o de barrar negócios, muitas vezes em razão do risco de lavagem atribuído à pessoa envolvida na operação (uma pessoa politicamente exposta, uma pessoa listada em alguma black list fiscal ou relacionada a atividades suspeitas, etc.).

Assim, a exigência de um plano de remuneração próprio deixa o compliance em uma situação de conforto maior para levantar a mão e apontar os potenciais problemas de uma operação que pareça tentadora do ponto de vista negocial.

Outros acertos da Resolução também merecem atenção.

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A norma traz toda a estrutura "clássica" dos programas de compliance para dentro do universo bancário: departamento com uma função específica, pessoal especializado, treinamentos, etc. Até aí, nenhuma novidade. Em seu artigo 5º, inciso VII, porém, ela inova ao explicitar que a função de compliance deve ser desempenhada com amplo acesso "às informações necessárias para o exercício de suas atribuições".

A novidade está em colocar no compliance um poder - de acesso a informações internas - que geralmente costuma escapar do alto nível gerencial de um banco: o poder de acessar informações de todas as carteiras (sobretudo se o compliance do banco for unificado para todo o conglomerado, ou seja, para todo o grupo econômico). O compliance deve ter acesso pleno e irrestrito tanto à carteira de pessoas jurídicas, quanto ao perfil dos clientes de private banking e suas movimentações.

Nesse cenário, porém, fica um alerta para os profissionais: a mera recusa de liberação dessas informações para o compliance poderá ser vista como uma red flag, ainda que de menor importância. Muitas vezes, o tempo é um fator chave para a boa execução do compliance - lembrando que, apenas a título de exemplo, algumas transações suspeitas devem ser reportadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) no dia útil seguinte à sua realização.

A Resolução também acerta ao exigir que as atividades de compliance sejam registradas em relatório de periodicidade mínima anual, exigindo que o banco guarde registro das mesmas por, no mínimo, 5 anos.

A edição da Resolução pelo Banco Central foi um passo necessário para consolidar a exigência do compliance de prevenção à lavagem de dinheiro (PLD), a qual já é sedimentada pela regulação bancária e cuja obrigatoriedade foi coroada com a reforma da Lei de Lavagem de 2012. Ainda assim, a Resolução traz alguns desafios.

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O primeiro diz respeito ao relacionamento interna corporis. Apesar de a norma determinar que o compliance seja ligado diretamente ao conselho de administração dos bancos (órgão ao qual irá se reportar anualmente, e, se não instalado, à diretoria), a Resolução perdeu a chance de orientar as instituições financeiras sobre a confluência ou segregação de atividades exercidas pelo compliance e pelo comitê de auditoria, figura obrigatória em grandes instituições financeiras.

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Na ausência de regulação, os bancos deveriam repensar a estruturação deste comitê e de sua auditoria interna, pois muito do trabalho de detecção de red flags de lavagem pode ser compartilhado com os controles internos que já devem ser executados pela auditoria interna. Nem todas as funções, porém, podem ser coincidentes, também para evitar o conflito de interesses.

Vale ressaltar que a Resolução deixa claro que cabe ao compliance bancário pensar o banco de forma sistêmica, ou seja, não apenas os riscos de lavagem e corrupção devem ser levados em conta, mas também os "demais riscos incorridos pela instituição". Trata-se, aqui, de riscos que dizem respeito à própria atividade financeira (risco de liquidez, risco de crédito e risco de mercado, sendo que os riscos operacional e legal podem ser considerados intrínsecos ao compliance).

Por esse motivo, ao estruturar seu time de compliance, um banco deverá pensar em uma equipe multidisciplinar, com pessoas que tenham a formação jurídica para análise do risco legal, mas também economistas ou especialistas em análise de riscos financeiros, para realizar as ponderações necessárias. Importante frisar que formações especializadas em lavagem ou no mercado financeiro devem ser um diferencial.

No meio desse cenário complexo, uma questão de fundo permanece: é aconselhável manter um compliance unificado para todo o grupo econômico?

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Penso que para responder a essa questão, a instituição deverá levar dois fatores em consideração.

O primeiro fator é composto pelos motivos que levaram à segregação das atividades em diferentes sociedades.

Se o grupo econômico se formou apenas para atender à demanda por serviços de diferentes naturezas, mas a uma mesma clientela, um compliance unificado pode ser uma solução muito eficiente.

Caso, porém, as diferentes sociedades do grupo foquem em perfis muito diversos de clientes, a unificação do compliance pode ser um problema. Se, dentro de um mesmo grupo, uma sociedade se especializa em projects e financia parcerias público privadas, por exemplo, é interessante pensar em uma segregação do compliance e reforçar os controles de risco de corrupção - lembrando que o financiamento de atividades lesivas ao patrimônio público pode ser enquadrado como um ilícito típico sob a Lei Anticorrupção.

Nesse caso, não se trata de estruturar um sistema absolutamente à parte do compliance do grupo, mas, ao menos, de isolar alguns funcionários para exercer análises mais profundas com um enfoque publicista, que vai além das análises de PLD.

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Outro ponto de atenção deve ser o cumprimento de obrigações no exterior - um compliance unificado pode, talvez, atender melhor às exigências de normas impostas por reguladores de outros países (cumprimento de deveres contábeis do FCPA, obrigações SOx, reporte à SEC, obrigações de OFAC, etc.).

Ao mesmo tempo, se a exposição ao "risco" legal estrangeiro estiver bem segregado, pode ser desnecessário fazer os controles sobre todo o conglomerado, pois isso torna o custo operacional relativamente alto.

Por fim, se a segregação ocorreu em razão de atividades muito diferenciadas (como, por exemplo, investimentos imobiliários, investimentos no agronegócio, etc.), é preciso se ater à possível necessidade de instalação de controles PLD específicos para as atividades exercidas por algumas subsidiárias dentro do conglomerado.

Para atender à Lei de Lavagem e aos reguladores que atuam junto ao COAF no controle das operações suspeitas, o compliance tende a ser mais funcional quando especializado por portfolio.

A Resolução Bacen nº 4595/2017 certamente surgiu para clarear alguns caminhos abertos há décadas, quando o mercado financeiro foi pioneiro no compliance PLD. Ela, entretanto, apenas deixou claro que a internalização da função de compliance é uma tarefa de governança extremamente complexa, que exige assessoria especializada.

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Enquanto os bancos se agilizam para cumprir o prazo de implementar seus programas até o dia 31 de dezembro deste ano, resta aos profissionais de compliance permanecerem atentos às necessidades específicas do mercado financeiro e às futuras normas que devem ser editadas.

*Mestrando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo e coordenador da área de Compliance do escritório DGCGT Advogados, especialista em Compliance & Ética Corporativa e Direito Penal Econômico

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