Contudo, este Projeto corre sérios riscos de ser considerado inconstitucional, porque, ao tentar disciplinar o inciso XLIII do art. 5º da CF, o novo texto normativo fere o inciso XXXIX, do mesmo artigo, o qual determina: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Isso porque o Projeto implica texto normativo vago e amplo, cuja imprecisão da linguagem e das definições representa risco à garantia dos direitos fundamentais, das liberdades de expressão e de associação no Brasil.
O direito internacional geral não define de forma taxativa e exclusiva "atos de terrorismo". Todavia, não se podem criminalizar atos nos quais não estejam presentes os elementos da intenção de causar morte ou lesões corporais graves ou de se promover a tomada deliberada de reféns. Daí por que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso García-Asto e Ramirez Rojas (Decisão de 25 de novembro de 2005, Inter-Am Ct.H.R., decidiu no sentido de que que as leis nacionais que adotam "definição abrangente de terrorismo que seja inevitavelmente ampla ou imprecisa violam o princípio da legalidade". De acordo com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, "as definições de crimes devem descrever claramente a conduta criminalizada, estabelecendo seus elementos e os fatores que a distinguem de outras formas de conduta que não são puníveis ou daquelas puníveis com medidas não penais" ("Relatório sobre Terrorismo e Direitos Humanos, " 22 de outubro de 2002.
Ao invés de adotar definições e critérios apenas cabíveis e aplicáveis no Brasil, o Governo deveria adotar os padrões internacionais propostos pela ONU, já universalmente aceitos, tal como aqueles propostos no "Relatório do Relator Especial da ONU sobre a promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais no combate ao terrorismo", Martin Scheinin (Conselho de Direitos Humanos, 16ª Sessão, A/HRC/15/51, 22 de dezembro de 2010.
Mas o Brasil parece ignorar essas diretrizes.
Totalmente fora dos padrões internacionais de definição, tipificação e criminalização, dispõe o artigo 2º do Projeto de Lei que "incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir bem público ou privado e 'apoderar-se´ de vários tipos de estabelecimento, incluindo escolas e instituições bancárias, podem ser considerados atos terroristas". O artigo 3º estabelece como crime "promover", "constituir", "integrar" ou "prestar auxílio" a organização terrorista, sem oferecer definição do que constitui uma "organização terrorista". O crime é punido com pena de prisão de cinco a oito anos. Frente à definição excessivamente ampla de "terrorismo" trazida pelo texto normativo, esses dispositivos poderiam ser utilizados contra grupos ativistas pacíficos. E não é tudo, o artigo 4º prevê o crime de "apologia" ao terrorismo sem qualquer explicação sobre o que constitui "apologia".
Portanto, está-se diante de um novo texto normativo autoritário, desnecessário, de difícil aplicação, ademais de inconstitucional e despassado com os atuais textos normativos e orientações internacionais.
*Advogada do Nelson Wilians e Advogados Associados e professora da Faculdade de Direito da USP