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Ministro da Justiça diz que ações da PF contra corrupção são uma "revolução"

Em evento reservado, Cardozo disse que ações devem prosseguir "não importa que se encontrem nos palácios ou dentro das mansões"

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Por Andreza Matais e Julia Affonso
Atualização:

José Eduardo Cardozo. Foto: André Borges/Estadão

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou de "revolução" as operações da Polícia Federal de combate a corrupção que estão submetendo "pela primeira vez na história pessoas que têm poder político e econômico ao peso da lei da mesma forma que os pobres." O discurso foi feito no último dia 18, durante cerimônia reservada de formatura de 600 novos agentes. "Essa é a revolução republicana e a Polícia Federal é um dos agentes dessa revolução democrática, ordeira, disciplinada. Mas uma revolução que fará, para nós, para os nossos filhos e para os nossos netos, um país diferente daquele que nós recebemos."

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Cardozo disse no discurso que para ser um bom policial é preciso "combater práticas criminosas" onde quer que estejam. E exemplificou: "Não importa que se encontrem nos palácios, dentro das mansões ou da nossa própria organização." E aconselhou os agentes a exercerem suas funções com autonomia.

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Criticado pela cúpula do PT por não controlar a PF que tem mirado vários membros do partido, Cardozo fez um desabafo para a platéia formada exclusivamente por autoridades da PF, formandos, seus familiares e convidados. "Quando a Policia Federal castiga opositores, é o ministro que a instrumentaliza com o caráter persecutório para punir adversários. Quando a Policia Federal investiga aliados, é o ministro que é incompetente e não controla a sua polícia. Não é na verdade nem uma coisa nem outra. É fato que um ministro da Justiça, embora tenha seu poder hierárquico na Polícia Federal, jamais deverá utilizá-lo para pedir que se investigue inimigos ou que se poupe amigos."

O ministro, que é filiado ao PT, afirmou no discurso que se "orgulha da Polícia Federal e do trabalho que ela tem desempenhado no Brasil" e defendeu que as investigações prossigam "doa a quem doer". Ele não nominou operações nem mesmo a Lava Jato que tem sido alvo de críticas dos seus colegas de partido. "Não raras vezes um paciente que tem uma doença oculta, indolor, se revolta contra o médico quando o outro diz que ele está doente e que pode morrer. Mas, na verdade, é este diagnóstico, é a ação que às vezes pode até ser dolorosa, que fará com que a pessoa sobreviva e saia da situação mais fortalecida. É assim que vivemos hoje no Brasil. Há de se colocar as entranhas para fora, doa a quem doer."

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Cardozo destacou que as investigações sobre corrupção tem o efeito de transformar o Brasil. "O Brasil era o país onde a lei valia para uns, mas não valia para outros. Esta realidade é que vem se transformando e é por isso que acontecem incompreensões quanto ao papel das instituições." E complementou: "Esta é a dimensão republicana que nós estamos hoje vivenciando no Brasil. E daí os problemas e daí as angústias. Quando a luz do sol se coloca sobre a corrupção, que já existia, nós nos sentimos mal. Mas é bom que seja assim!"

O ministro fez um paralelo entre as mudanças tecnológicas que o mundo tem vivenciado e as transformações no Brasil por conseqüência do combate à corrupção. "O mundo tem mudado em uma velocidade vertiginosa e, dentro do mundo, o Brasil também tem mudado. Só que no Brasil nós temos visto nos últimos tempos não apenas mudanças tecnológicas. Como nominar estas mudanças? Eu ousaria nominá-las como republicanas." Ex-presidente do Supremo, Ayres Brito foi o patrono da turma de novos agentes.

O ministro usou uma história pessoal para exemplificar as mudanças que o país tem vivido. "Eu estava em uma reunião muito importante, quando me pediram com urgência que eu atendesse a um telefonema da minha filha. Eu falei que não podia, mas me falaram ser muito urgente. Fui atender e minha filha dizia: "Pai, você precisa tomar uma providencia imediata, como Ministro da Justiça". Eu perguntei: "Que foi filha?". E ela me respondeu que "um juiz tentou tirar o Whatsapp de circulação. Como é que nós vamos viver agora?". Há poucos anos atrás, ninguém imaginaria uma realidade dessa."

A ÍNTEGRA DO DISCURSO:

De início, quero saudar sua excelência, o diretor-geral da Policia Federal, delegado Leandro Daiello Coimbra. Quero cumprimentar um grande amigo de grandes jornadas acadêmicas e jurídicas, o ilustre professor doutor Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e jurista emérito. Quero saudar o delegado Luiz Pontel Souza, diretor de Gestão de Pessoal da Policia Federal.

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Cumprimento o delegado Oswaldo Roberto Varela, supervisor deste curso e paraninfo dos formandos. Parabéns ao senhor, que fez um magnífico discurso! Quero saudar a doutora delegada Silvana Helena Vieira Borges, diretora-executiva-substituta da Policia Federal. Quero saudar o doutor Sandro Caron, querido amigo, diretor da Inteligência da Policia Federal. Saúdo também o doutor delegado José Martins Lara, diretor da Academia Nacional de Polícia, e em nome de quem saúdo todos os senhores formandos e todas as senhoras formandas aqui presentes.

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Seria dizer o óbvio que o mundo tem mudado em uma velocidade nunca antes vista, talvez, na história da humanidade. Hoje, negócios são celebrados com um simples apertar de botão. Situações que acontecem em um outro continente, migram, em questão de segundos, para outra realidade no extremo oposto do planeta.

Notícias dos jornais de manhã já estão ultrapassadas por terem sido noticiadas com uma velocidade nunca antes vivida ao longo do próprio dia. O mundo, portanto, tem mudado e nos tem deixado perplexos com a intensidade que as transformações acabam se incorporando na nossa vida cotidiana.

Antes de ontem mesmo, eu estava em uma reunião muito importante, quando me pediram com urgência que eu atendesse a um telefonema da minha filha. Eu falei que não podia, mas me falaram ser muito urgente. Fui atender e minha filha dizia: "Pai, você precisa tomar uma providencia imediata, como Ministro da Justiça".

Eu perguntei: "Que foi filha?". E ela me respondeu que "um juiz tentou tirar o Whatsapp de circulação. Como é que nós vamos viver agora?".

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Há poucos anos atrás, ninguém imaginaria uma realidade dessa.

E eu me lembro que há muitos anos o Carlos [Ayres Britto] e eu fazíamos nossa pós-graduação na Universidade Católica de São Paulo e, naquele momento, eu estava pensando em fazer minha especialização de mestrado. Então comprei uma grande inovação tecnológica, que era uma maquina de escrever que apagava os erros de digitação com um simples apertar de botão.

E aquela máquina, na qual eu tinha empenhado meus poucos tostões, era foco de visitação de todos os colegas na minha casa, de tamanha que era essa inovação fantástica. E pensem que nós não somos tão velhos assim.

Ou seja, o mundo tem mudado em uma velocidade vertiginosa e, dentro do mundo, o Brasil também tem mudado. Só que no Brasil as mudanças que nós temos visto nos últimos tempos não são apenas mudanças tecnológicas.

Elas acontecem aqui e acolá, em nosso território e no estrangeiro. E no Brasil há mudanças que tem ocorrido em uma velocidade que nos espanta, que nos atormenta e nos angustia. Mas como disse o professor Carlos Ayres Brito, elas vêm para melhor. Como nominar estas mudanças? Eu ousaria nominá-las como republicanas.

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Nós vivemos hoje o período de revolução republicana. E dirão os senhores: "mas como assim"? A República foi proclamada no Brasil em 1889. Já na Constituição de 1891, ela estava textualmente afirmada.

E eu diria que uma coisa é afirmar em um texto normativo, com toda a importância que isso tem em uma realidade. Outra coisa é fazer com que ela ganhe espaço nas mentes e nos corações.

A república do Brasil, dizem as más línguas históricas, foi proclamada por um 'bonartista', em absoluto silêncio da sociedade que não conseguia talvez vislumbrar, em seu ponto de vista, a diferença entre uma realidade imperial e uma realidade republicana.

Na verdade, a ideia de república vem de coisa pública, da distinção entre o público e o privado e esta matriz central pode ter sido afirmada na Constituição de 1891, mas só nos últimos tempos, ela vem ganhando corações e mentes.

O Brasil era o país do rouba, mas faz. O Brasil era o país da impunidade dos que usam colarinho branco. O Brasil era o país onde a lei valia para uns, mas não valia para outros. Esta realidade é que vem se transformando e é por isso que acontecem incompreensões quanto ao papel das instituições. Eu me vejo muitas vezes na situação de enfrentar certos hábitos, até porque a Policia Federal integra o Ministério da Justiça, por aliados e opositores.

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Quando a Policia Federal castiga opositores, é o ministro que instrumentaliza a Policia Federal com o caráter persecutório para punir adversários. Quando a Policia Federal investiga aliados, é o ministro que é incompetente e não controla a sua polícia, quando não é na verdade nem uma coisa nem outra.

É fato que o Departamento da Polícia Federal integra o Ministério da Justiça. É fato que, como existe em todo poder executivo, existe uma dimensão hierárquica natural, exercida em caráter imediato pelo senhor diretor-geral da Polícia Federal e pelo ministro de Estado da Justiça. É fato que não há instituição que não deva ser, especialmente as instituições policiais, marcada por uma atuação característica dos poderes hierárquicos.

Mas é fato que em uma república a investigação deve ser autônoma. É fato que em uma república ninguém está acima ou abaixo da lei. É fato que em uma república a impessoalidade é que deve marcar a atuação de toda e qualquer investigação policial.

E é fato que um ministro de Estado da Justiça, embora tenha seu poder hierárquico na Polícia Federal, jamais deverá utilizá-lo para pedir que se investigue inimigos ou que se poupe amigos.

Esta é a dimensão republicana que nós estamos hoje vivenciando no Brasil. E daí os problemas e daí as angústias. Quando a luz do sol se coloca sobre a corrupção, que já existia, nós nos sentimos mal. Mas é bom que seja assim!

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Não raras vezes um paciente que tem uma doença oculta, indolor, se revolta contra o médico quando o outro diz que ele está doente e que pode morrer. Mas, na verdade, é este diagnóstico, é a ação que às vezes pode até ser dolorosa, enquanto a doença é indolor, que fará com que a pessoa sobreviva e saia da situação mais fortalecida. É assim que vivemos hoje no Brasil. Há de se colocar as entranhas para fora, doa a quem doer.

É nessa situação que eu tenho contado, ou mais que contado, me apoiado, e tenho aplaudido a Policia Federal. Eu me orgulho da nossa Policia Federal. Eu me orgulho do papel que ela tem desempenhado no Brasil. Eu me orgulho do combate implacável que nós fazemos ao narcotráfico, às organizações criminosas e eu me orgulho do trabalho fundamental que temos feito contra corrupção.

Pela primeira vez na história pessoas que têm poder político e poder econômico estão sendo submetidas ao peso da lei da mesma forma que os pobres, pela Polícia Federal.

Essa é a revolução republicana e a Polícia Federal é um dos agentes dessa revolução, uma revolução democrática, ordeira, disciplinada. Mas uma revolução que fará, para nós, para os nossos filhos e para os nossos netos, um país diferente daquele que nós recebemos.

Enquanto vinha para cá eu me perguntava o que deve o ministro do Estado da Justiça dizer àqueles que entrarão agora nessa nova instituição, desempenhando as novas instruções que a Constituição outorga à Policia Federal. Não que eu nessa altura da vida deva dar conselhos. Quando eu tinha uns 25 anos de idade eu ainda dava conselhos. Depois percebi que a ideia de conselho passa por uma arrogância implícita, como se alguém fosse sábio e o outro fosse alguém que não tivesse luzes.

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Entendi que não deveria dar conselhos a quem quer que seja, mas posso dar opiniões e eu gostaria de dar aos senhores umas rápidas opiniões que escrevi aqui enquanto ouvia meu amigo Carlos Ayres Britto falar.

E o que me ocorreu na cabeça é que eu quero agradecer. É fato que sou suspeito porque somos amigos há muitos anos, mas se há uma pessoa que conseguiu unir capacidade jurídica com afirmação coerente de princípios éticos foi este professor. Portanto, parabéns pela escolha, Polícia Federal. Uma polícia que escolhe Carlos Ayres Britto como patrono é uma policia republicana que não se afasta um milímetro do Estado de Direito.

As opiniões são as seguintes. São seis. Primeiramente, um bom policial deve combater práticas criminosas onde quer que elas se encontram. Não importa que elas se encontrem nos palácios, não importa que se encontrem dentro das mansões, não importa se elas se encontram dentro da nossa própria organização. Prática criminosa exige do bom policial um combate implacável, permanente e diuturno.

A segunda opinião é que não há eficiência policial onde há desrespeito à lei e à Constituição. O bom policial não é apenas aquele que prende aquele que desvenda o crime. É aquele desvenda o crime dentro da lei. É aquele que não transgride direitos, é aquele que não pisoteia nas regras da cidadania, é aquele que tem respeito ao interesse publico.

Terceiro ponto: o abuso de poder deve ser sempre visto como uma prática desregrada. Os seres humanos têm uma tentação perversa ao abuso. Eu lembro aqui de Montesquieu: "Todo homem que tem o poder tende a dele abusar". E por isso o abuso do poder é sempre execrável numa República e num Estado de Direito. Nós, como cidadãos, e vocês, como policiais, jamais podemos permitir ou aceitar passivamente o abuso de poder.

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Quarto: o espírito de defesa de uma corporação sempre deve ser apoiado e incentivado, porém nunca o espírito corporativo deve prevalecer sobre o interesse da sociedade. É claro que fortalecer as corporações é dever de fundamental importância. Devemos lutar por isso, mas nunca a nossa luta deve colocar o interesse corporativo acima do interesse da sociedade. Muitas vezes em algum momento de mudança que estejamos vivendo nós vemos isso acontecer. Mas isso, efetivamente, é fazer com que algo deixe de ser respeitável, por mais digna que seja a bandeira que empunha. Toda e qualquer bandeira corporativa deve estar voltada, em última instancia, à defesa do interesse público. Jamais o interesse corporativo deve se distanciar do interesse da sociedade.

Quinto: a vaidade é o pior pecado dos agentes públicos. Em outro dia eu assistia ao filme 'Advogado do Diabo' e nele há uma passagem em que o demônio, com um sorriso, dizia: "Vaidade. Este é o meu pecado predileto''. É pela vaidade que as pessoas transgridem. É pela vaidade que as pessoas abusam. É pela vaidade que os direitos são desrespeitados. Ver um policial que é tomado pela vaidade exacerbada é ver alguém que dificilmente poderá ser visto como um bom policial. Por que? Porque ele abusará, porque violará leis, porque desrespeitará direitos humanos.

E, finalmente, a minha última opinião. O respeito à hierarquia jamais deve ser confundido com autonomia funcional, assegurada pela lei. É indispensável hierarquia e disciplina numa atividade policial, mas isso jamais pode ser confundido com autonomia. A autonomia na investigação tem que ser respeitada e ela não se confunde hierarquia. São dois planos que devem estar combinados para que a hierarquia não suprima a autonomia funcional e para que a autonomia funcional também não seja fixada pelo desrespeito hierárquico anarquizante.

Essas são as opiniões que eu gostaria de dar a vocês, depois de quase cinco anos como ministro da Justiça - e hoje eu sou, no período democrático, o ministro que mais tempo ficou no cargo. E ao longo desse tempo aprendi a respeitar a Policia Federal, aprendi a lutar para solucionar seus problemas, aprendi a ver vocês, policiais, como pessoas e acima de tudo que andam na linha e sabem seguir o caminho da construção desse país. E vocês que agora se incorporam a esta organização, em nome do Governo Federal, em nome da senhora Presidente da República, que nunca em momento algum me deu outra orientação que não seja aquelas que eu expresso aqui, bem-vindos a esta luta cotidiana, bem vindos a uma polícia republicana, bem vindos a uma polícia que hoje é orgulho de todos os brasileiros!

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