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Marco na proteção dos Direitos Humanos, afirma defensor público sobre R$ 8 mi por violência policial em SP

Estado foi condenado pela atuação de sua polícia nas manifestações de 2013; para o defensor público Carlos Weis, a sentença da Justiça paulista ‘reconhece que a Polícia Militar não se encontra adequadamente preparada’ para lidar com protesto

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Por Julia Affonso
Atualização:

Defensor Público Carlos Weis. Foto: Apadep

A atuação da polícia nas manifestações de 2013 deixou uma conta salgada para o Estado de São Paulo. O juiz Valentino Aparecido de Andrade, da 10ª Vara da Fazenda Pública da Capital, condenou o Executivo paulista, em ação civil pública, a pagar R$ 8 milhões por violência policial. A sentença é considerada, pelo defensor público Carlos Weis, 'um marco na proteção dos direitos humanos pelo Poder Judiciário'.

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"A decisão reconhece que os direitos de reunião e de manifestação pacífica, além de integrarem o conjunto de liberdades dos próprios manifestantes, são condição essencial à democracia, na medida em que esta, para o seu pleno funcionamento, pressupõe o debate de ideias, a defesa pública de posições de natureza política e a livre formulação da opinião pública", afirma Carlos Weis, coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo.

A Justiça determinou que os R$ 8 milhões em danos morais sejam revertidos ao Fundo de Proteção aos Direitos Difusos. A decisão ordena ainda a elaboração de um plano de atuação policial em protestos e proíbe o uso de armas de fogo, balas de borracha e gás lacrimogêneo - exceto em situações excepcionalíssimas em que o protesto perder totalmente o caráter pacífico.

"A sentença reconhece que a Polícia Militar não se encontra adequadamente preparada para lidar com o direito democrático de manifestação, dado o uso excessivo e desproporcional da força, com o emprego de métodos inadequados, atingindo indiscriminadamente pessoas que exerciam seus direitos constitucionais pacifica e civilizadamente, profissionais da imprensa e mesmo terceiros que estivessem no local dos fatos", destaca Carlos Weis.

Quando a informação sobre a condenação foi divulgada, na quinta-feira, 20, a Procuradoria Geral do Estado informou que ainda não havia sido intimada da decisão.

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"Assim que isso ocorrer, recorrerá da decisão. No entanto, ressalta que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em análise de agravo de instrumento da mesma ação, suspendeu os efeitos da liminar concedida pelo mesmo juiz anteriormente. O julgamento final desse recurso no TJSP, iniciado na última terça-feira, já conta com dois votos favoráveis à extinção do processo sem julgamento do mérito da ação", afirmou a Procuradoria Geral do Estado por meio de sua assessoria de imprensa.

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

ESTADÃO: A atuação da polícia em manifestações tem sido alvo de questionamentos desde 2013. O que representa esta decisão da Justiça?

DEFENSOR PÚBLICO CARLOS WEIS, COORDENADOR DO NÚCLEO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS: Esta decisão é um marco na proteção dos direitos humanos pelo Poder Judiciário brasileiro, uma vez que reconhece o papel fundamental deste para o controle das ações de órgãos ligados ao Poder Executivo em face das liberdades garantidas constitucionalmente. A sentença esclarece, com propriedade, que a tripartição dos poderes estatais foi idealizada para que o sistema de freios e contrapesos gerasse um melhor controle do poder estatal, a fim de evitar a violação das liberdades e direitos fundamentais.

Além disso, a decisão reconhece que os direitos de reunião e de manifestação pacífica, além de integrarem o conjunto de liberdades dos próprios manifestantes, é condição essencial à democracia, na medida em que esta, para o seu pleno funcionamento, pressupõe o debate de ideias, a defesa pública de posições de natureza política e a livre formulação da opinião pública.

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Por fim, a sentença reconhece que a Polícia Militar não se encontra adequadamente preparada para lidar com o direito democrático de manifestação, dado o uso excessivo e desproporcional da força, com o emprego de métodos inadequados, atingindo indiscriminadamente pessoas que exerciam seus direitos constitucionais pacifica e civilizadamente, profissionais da imprensa e mesmo terceiros que estivessem no local dos fatos. A sentença indica com clareza que a polícia deve agir para garantir o direito de manifestação, inclusive evitando posturas que levem a reações violentas por parte de algumas pessoas.

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ESTADÃO: A decisão proíbe o uso de armas de fogo, balas de borracha e gás lacrimogêneo, 'exceto em situações excepcionalíssimas em que o protesto perder totalmente o caráter pacífico'. Como definir este momento?

DEFENSOR PÚBLICO CARLOS WEIS: Eu acredito que os parâmetros estão claros, de modo que o uso de tal tipo de armamentos não se justifica no caso de comportamento não pacífico de um grupo de manifestantes, sendo necessário que todos os manifestantes assumam uma postura violenta, gerando absoluta e excepcional necessidade de dispersão da manifestação. A sentença estabelece que tais armamentos são desproporcionais pois a sua utilização atinge não só os manifestantes violentos, senão todos os presentes, especialmente a grande maioria de pessoas que está, pacificamente, realizando um ato essencial para a vitalidade da democracia brasileira.

A sentença ainda estabelece que, no caso do uso de tais armamentos, o oficial responsável deva ser identificado, com o dever de justificar a imperiosidade de sua decisão, o que pode ser facilmente contrastado pelo depoimento de pessoas, filmagens feitas pela mídia ou por particulares com seus aparelhos celulares. Além disso, devemos supor que a Polícia Militar cumprirá naturalmente a decisão judicial, sem o que haveria grave violação dos fundamentos do Estado de Direito.

ESTADÃO: A Justiça também determinou a elaboração de um plano de atuação policial que preveja a identificação por nome e posto dos policiais militares em local visível da farda e esclareça as condições que justificarão ordem de dispersão de manifestações. O plano vai ter outros tópicos?

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DEFENSOR PÚBLICO CARLOS WEIS: A sentença não estabelece quais os tópicos a serem abrangidos pelo plano. Contudo, foram fixados claramente os pressupostos orientadores de tal plano, como a atuação policial com o escopo de facilitar e garantir a realização das manifestações, a proibição do uso indiscriminado e desproporcional da força pelos agentes estatais, a compreensão de que as manifestações possuem interesse público vinculado à plenitude democrática etc. Um plano que não respeitasse tais aspectos não seria aceitável, podendo ser questionado perante o Poder Judiciário na fase de execução da sentença.

Mais do que isso, porém, a diretiva judicial deve servir para que os órgãos de segurança pública compreendam as manifestações, menos como uma ameaça à ordem pública, do que como um fenômeno político saudável e democrático, estabelecendo-se um Plano que vise a facilitar e garantir a realização daquelas. Nesse sentido, seria muito proveitoso que o Estado construísse tal plano de maneira participativa e transparente, envolvendo não só órgãos como a Defensoria Pública ou o Ministério Público, mas representantes dos próprios movimentos, ONG's e sindicatos que usualmente promovem tais passeatas, de modo a que se chegue a um consenso sobre o que fazer e como fazer, até mesmo quando a garantia das liberdades de terceiros possam ser afetadas pela manifestação.

A argumentação de que a segurança pública é algo de competência técnica exclusiva da polícia não mais se aplica numa sociedade democrática, pois a atuação policial interage com direitos humanos de várias espécies e que precisam ser considerados no momento da formulação da política de atuação estatal, como, aliás, é recomendado internacionalmente. Ainda mais no caso das manifestações, em que que a ação policial não se dá em face de alguém que esteja infringindo a lei, mas diante de pessoas que estão exercendo suas liberdades constitucionais e democráticas. Neste caso, a elaboração conjunta do Plano de Ação se mostra desejável e oportuna.

ESTADÃO: R$ 8 milhões deverão ser revertidos ao fundo de proteção aos direitos difusos. Como é feito o cálculo deste valor?

DEFENSOR PÚBLICO CARLOS WEIS: Este cálculo é feito pelo juiz em face do grau de violação dos direitos difusos das pessoas que, no caso, são de natureza moral. O valor arbitrado deve representar o grau de reprovabilidade da conduta e ser de tal vulto que implique uma sanção a quem violou as liberdades constitucionais. Assim, embora diante do orçamento do Estado de São Paulo R$ 8 milhões não pareça muito, a Defensoria Pública o entende como suficiente para refletir aqueles propósitos e reparar os danos causados, especialmente porque o Fundo de Proteção aos Direitos Difusos é gerido pela Secretaria de Justiça e de Defesa da Cidadania do próprio Estado.

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ESTADÃO: A decisão pode se tornar uma jurisprudência?

DEFENSOR PÚBLICO CARLOS WEIS: Espero que sim. O juiz sentenciante produziu um documento histórico, seja pelo ineditismo do tema, seja pela extensa e aprofundada fundamentação empregada. Nesse sentido, a decisão possui todos os elementos para se transformar num "leading case" nessa matéria e servir para que outros julgadores e mesmo Administradores Públicos compreendam o recente fenômeno das manifestações como algo extremamente desejável em nossa renovada democracia. Desta forma, mostra-se premente a necessidade de se caminhar para a construção conjunta de uma política pública capaz de afastar definitivamente a ocorrência de episódios lamentáveis de violência, assim como que contemple adequadamente todos os direitos humanos envolvidos, os quais devem ser protegidos e garantidos pelos órgãos de segurança pública sob a égide do Estado Democrático de Direito brasileiro.

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