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Lula não tem se mostrado solidário com o companheiro, diz defesa de Bumlai

Defesa pede habeas corpus para pecuarista José Carlos Bumlai, preso na Operação Passe Livre, 21ª fase da Lava Jato; advogados do amigo de Lula alegam 'constrangimento ilegal'

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Foto do author Fausto Macedo
Foto do author Julia Affonso
Por Fausto Macedo , Ricardo Brandt , Mateus Coutinho e Julia Affonso
Atualização:

Pecuarista José Carlos Bumlai, preso na Lava Jato, embarca para Curitiba 

A defesa de José Carlos Bumlai, preso na Operação Lava Jato sob suspeita de corrupção em contrato bilionário da Petrobrás, pediu liminar em habeas corpus para o pecuarista, amigo do ex-presidente Lula. O pedido foi protocolado no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4). Os advogados de Bumlai alegam que o decreto de prisão expedido pelo juiz federal Sérgio Moro, que conduz as ações da Lava Jato em primeiro grau, submete o pecuarista a 'constrangimento ilegal'.

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O pedido é subscrito pelos criminalistas Arnaldo Malheiros Filho, Daniella Meggiolaro e Arthur Sodré Prado. Eles alegam que Bumlai 'é um conhecido pecuarista que, nos últimos anos, tem lutado para socorrer os negócios de sua família, que estão em estado pré-falimentar'.

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Os advogados também apresentaram a Moro, na 13ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba, um pedido urgente de audiência de custódia para Bumlai. "Nada mais coerente e alinhado com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório do que ouvir as explicações de alguém que acabou ser preso e está sendo acusado de crimes gravíssimos", assinala Malheiros Filho.

A defesa sustenta no pedido a ser apreciado por Sérgio Moro, que conduz os processos da Lava Jato em primeira instância e decretou a prisão de Bumlai, que o cliente 'tem certeza de que se tivesse sido ouvido por qualquer membro da força-tarefa da Operação Lava-Jato , todos os fatos teriam sido esclarecidos'.

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No pedido de habeas corpus, os advogados fazem um perfil do amigo de Lula. "Bumlai é um senhor de 74 anos, quatro filhos e sete netos, que não tem passaporte estrangeiro, não movimenta contas em paraísos fiscais, não destruiu provas, não tentou fugir, não coagiu testemunhas, não deu nenhum indicativo de que iria obstruir as investigações sobre os fatos que lhe imputam."

A defesa pondera que 'não há nenhum indicativo de que, intimado, José Carlos Bumlai obstruiria as diligências, o que nunca fez nos últimos seis anos, nem de que faria algo além de dar a sua versão sobre o teor das delações premiadas que embasam a investigação contra ele instaurada e apresentar documentos que as contradizem'.

"Nada indica que ele (Bumlai) deixaria de entregar espontaneamente os documentos objeto de busca realizada no dia de ontem (terça, 24) em todos os endereços residenciais e comerciais de sua família."

Os advogados buscam fulminar os fundamentos do decreto de prisão de Bumlai. A decisão do juiz Moro é fundamentada em três situações:que colocam em risco a investigação e a instrução processual'.

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Moro mandou prender Bumlai porque ele está sendo investigado por supostamente simular quitação de um empréstimo de R$ 12,1 milhões junto ao Banco Schahin, valor que teria sido destinado ao PT. Em liberdade, na avaliação do juiz da Lava Jato, Bumlai 'poderá recorrer a novos expedientes fraudulentos para acobertar a verdade'.

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Para o magistrado, Bumlai teria usado o nome do ex-presidente Lula para 'obstruir ou para interferir na investigação ou na instrução'. Segundo Moro, a prisão preventiva seria necessária para impedir 'danos 'à reputação do ex-Presidente'

"Ou seja, tudo são suposições sobre um futuro inocorrido. O paciente (Bumlai) poderá mudar de pensamento e fazer amanhã o que nunca fez até hoje! De fato, à exceção de Deus pecar e assar manteiga no espeto, tudo poderá acontecer no futuro..."

Arnaldo Malheiros Filho ataca também a delação premiada - três delatores citaram Bumlai. O advogado assinala que a Lei 12.850/13 impõe que 'nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador, seja um ou sejam dez'.

"A delação há de ser fonte de prova, ou seja, vale na medida em que indicar onde estão as provas do que se diz, não no oco uso da palavra no interesse de comprar a liberdade", alerta Malheiros Filho.

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"Presságios, temores e receios de risco à instrução criminal pelo que alguém "poderia" fazer não se prestam a justificar uma prisão preventiva. A restrição à liberdade antes do julgamento só é permitida mediante "demonstração concreta e objetiva" do periculum libertatis, o que não ocorre no caso em tela."

Malheiros Filho assinala que 'em nenhum momento é narrado pelo magistrado algum acontecimento objetivo, ocorrido no passado'.

"Não se fala que Bumlai constrangeu, ameaçou, utilizou ou acobertou. Há apenas conjecturas de que poderia, inquietações de que agiria, devaneios de que obstaria as investigações tudo num condicional sem base empírica alguma."

Os advogados anotam que Moro sustenta o 'natural receio' de que Bumlai utilize o nome do ex-presidente, de alguma maneira, indevidamente 'para obstruir ou para interferir na investigação ou na instrução'. Ou, ainda, que haja danos à reputação do ex-presidente.

"Não é possível compreender por qual motivo o paciente (Bumlai) conseguiria influenciar as autoridades utilizando o nome do amigo que está sob notório risco, malgrado esse namoro da jibóia com o boi.

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Também não foi dito, na decisão, no que consiste, concretamente, esse pressentimento do juiz. Aliás, se essas autoridades lerem os jornais, inferirão que Lula não tem se mostrado nem um pouco solidário com o companheiro."

"Não se pode perder de vista, também, que o Código Penal concede exclusivamente ao ex-Presidente o juízo de oportunidade sobre a tutela penal de sua honra e reputação (artigo 145). Mesmo em vista do maior respeito e consideração que tem pela figura de Lula, o magistrado a quo não é competente para avaliar quais fatos são danosos à sua reputação, e muito menos para prender alguém pela ameaça de difamação."

Arnaldo Malheiros Filho protesta. "Para que pudesse fundamentar uma medida cautelar contra o paciente (Bumlai), o juiz deveria apontar indicativos concretos sobre o receio de que ele possa usar o nome do 'ex-Presidente da República, que, mesmo não mais no cargo, ainda é uma das pessoas mais poderosas do país', o que, de si, não chega a configurar crime. Será que a poderosa Força-Tarefa Lava Jato e sua vasta rede de colaboradores se intimidariam com uma carteirada de um 'poderoso'?

Malheiros Filho é categórico. "É sabido que nenhum indivíduo deve permanecer enclausurado apenas para ficar 'por tempo indeterminado' à disposição do Estado, como nos campos de concentração de Guantánamo ou Abu Gharib. Mercê da garantia constitucional da presunção de inocência (artigo 5º, LXVI)8, a expressão 'conveniência da instrução criminal', prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal, não pode ser interpretada como a conveniência de punir por antecipação o paciente."

Ainda Arnaldo Malheiros Filho: "A prisão preventiva não se coaduna com o caráter de antecipação de efeitos de uma sentença penal condenatória, nem pode ser decretada em atenção ao clamor social pelo combate à impunidade.

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Para fundamentar a 'gravidade em concreto dos crimes em apuração' e a 'necessidade de prevenir a sua reiteração, já que o esquema criminoso é sistêmico', o juíza se vale da presunção de que o paciente, solto, continuará [sic] a delinquir porque a corrupção é endêmica no Brasil."

O criminalista diz que 'longe de servir como vala comum a fundamentar prisões sem justa causa, o conceito de ordem pública pressupõe a finalidade de prevenção social, baseada na aferição da periculosidade real daquele que está sendo incriminado, que deve ser demonstrada e diretamente relacionada ao caso concreto, o que não ocorreu no presente'.

"Não se trata, portanto, de dizer que por conta do porte que a Operação Lava Jato ostenta, há risco à ordem pública decorrente de prejuízos 'à credibilidade das instituições'. O paciente não é dono de empreiteira, não tem nada a ver com obras, refinarias ou o preço do petróleo, e não pode ser obrigado a responder a um processo preso em decorrência do juízo do magistrado sobre o 'grau de deterioração da coisa pública'."

Na avaliação de Arnaldo Malheiros Filho, nas mais de trinta folhas do decreto prisional, 'nenhuma linha fundamentou a não utilização de medidas cautelares diversas da prisão, direito subjetivo inalienável do investigado'.

"Primário e de bons antecedentes, cada dia que (Bumlai) tiver que passar na prisão será uma marca indelével gravada em sua vida e na vida de seus familiares."

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Para Arnaldo Malheiros Filho, Daniella Meggiolaro e Arthur Sodré Prado a prisão de Bumlai 'afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência na decisão ora atacada, que pune sem processo sob alegação de que os crimes são escandalosos e que o Brasil precisa acabar com a impunidade (qual se prisão preventiva fosse punição!) da corrupção não pode servir de escusa para o respeito à lei'.

Eles se dizem 'confiantes' de que o TRF4 'não se deixará seduzir pelo discurso de "flexibilização" de garantias constitucionais, sempre usado pelas ditaduras para justificar arbitrariedades".

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