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Locaute e seus aspectos penais

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Por Leandro Falavigna e Paulo Tiago Sulino Muliterno
Atualização:
Leandro Falavigna e Paulo Tiago Sulino Muliterno. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nestes últimos dias, a greve dos caminhoneiros trouxe severas consequências a diversas cidades e capitais do Brasil, notadamente em razão de bloqueios impostos em rodovias estaduais e federais, que impediram a circulação de caminhões carregados de matérias-primas e bens de consumo, por vezes até de forma violenta. Tal paralisação desencadeou crise de desabastecimento de combustíveis e, consequentemente, problemas graves em sistemas de produção.

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Nesse contexto, muito se falou sobre "locaute" (do inglês lock out; literalmente, "trancar para fora"). Mas o que seria o "locaute" e quais seus reflexos penais?

Em síntese, o "locaute" ocorre quando as atividades de produção ou trabalho são paralisadas por iniciativa dos empregadores ou com seu apoio, motivados por seus próprios interesses e sem expressa autorização de Tribunal competente, de modo que os trabalhadores são impedidos de realizarem suas atividades. Tal prática é expressamente vedada pelo art. 722, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que inclusive prevê sanções aos responsáveis.

Além de implicações administrativas, pode haver consequências penais para tal prática.

O Código Penal traz, em seu Título IV, os "Crimes Contra a Organização do Trabalho", dentre os quais se destaca o art. 201, que trata da paralisação de trabalho de interesse coletivo (1).

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Isto porque, a paralisação das atividades e os bloqueios impostos em todo o Brasil não somente poderiam configurar o "locaute", mas também verdadeira suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando, ainda que por via reflexa, a interrupção de obras públicas e/ou serviços de interesse coletivo.

Maquinário pesado utilizado na construção, ônibus urbanos, ambulâncias, viaturas policiais, caminhões de lixo e até mesmo carros funerários - muitos são os exemplos de atividades essenciais e de interesse coletivo afetados pelo desabastecimento de combustíveis.

Isso sem levar em conta as escolas e os hospitais que têm suas funções prejudicadas por falta de insumos indispensáveis (alimentos frescos para merendas, remédios, materiais hospitalares, dentre outros), que não são transportados ou são impedidos de chegar a seus destinos em razão de suposto "locaute". Ou seja, serviços essenciais e de interesse coletivo são interrompidos.

Além disso, o art. 3º, inciso IV, da lei de crimes contra a economia popular (Lei nº 1.521/51) prevê ser fato típico "reter ou açambarcar matérias-primas, meios de produção ou produtos necessários ao consumo do povo, com o fim de dominar o mercado em qualquer ponto do País e provocar a alta dos preços". Neste sentido, o que não falta são economistas prevendo a alta dos preços em razão da paralisação dos caminhoneiros (e das desastrosas soluções oferecidas pelo governo), o que vai ao encontro do artigo 3º da citada Lei.

E não só: o art. 7º, inciso VIII, da Lei nº 8.137/90, prevê também como crime "destruir, inutilizar ou danificar matéria-prima ou mercadoria, com o fim de provocar alta de preço, em proveito próprio ou de terceiros".

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Fato é que a correta tipificação dos fatos dependerá da investigação do caso em concreto, que inclusive poderá ser subsumido a outros tipos penais. Já há, até mesmo, notícia de que a Polícia Federal instaurou inquéritos policiais para investigar tais fatos e que, inclusive, há mandados de prisão expedidos. Enfim, quem viver, verá.

(1) Embora a Lei nº 7.783/89 (a "Lei de Greve") garanta e regulamente o direito de greve, a partir do art. 9º da Constituição Federal de 1988, há limitações impostas aos trabalhadores no que diz respeito a serviços ou atividades essenciais, nos artigos 11 e 15.

*Leandro Falavigna e Paulo Tiago Sulino Muliterno, advogados criminalistas em TORRES|FALAVIGNA ADVOGADOS

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