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Lava Jato vê nova ofensiva no Congresso contra combate à corrupção

Procuradores da força-tarefa afirmam que artigo 30 do projeto que altera regras para acordos de leniência 'fere de morte' caso Petrobrás; proposta foi apresentada a ministro da Transparência por líder do governo na Câmara e assessor de Temer

Por Ricardo Brandt , e Fábio Fabrini e de BRASÍLIA
Atualização:

O líder do governo André Moura, que levou proposta à CGU / Dida Sampaio  

Os procuradores da República que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba afirmaram nesta quarta-feira, 9, ver uma nova ofensiva no Congresso para "enterrar investigações" e anistiar executivos de empresas acusadas de corrupção. Segundo eles, uma proposta que muda a regra para acordos de leniência - espécie de delação premiada para as companhias - abre brecha para livrar executivos de punição penal.

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"Significa que, se uma empreiteira que teve os executivos condenados fizer um acordo com o Executivo, nos termos desse projeto, mesmo presos e já condenados, eles terão sua punibilidade extinta, serão imediatamente soltos por não terem mais responsabilidade por crime algum", disse o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa, em Curitiba.

"Querem enterrar a Lava Jato."

A proposta em questão está em um projeto substitutivo em elaboração pelo líder de governo na Câmara, André Moura (PSC). A medida altera a Lei Anticorrupção, que vigora desde 2013, para incluir várias regras de interesse de empreiteiras investigadas na Lava Jato. Algumas se assemelham às da medida provisória 703, editada pela presidente cassada Dilma Rousseff no fim de 2015 e que já foi alvo de críticas da força-tarefa de Curitiba, sob o argumento de que favorecia empresas e executivos corruptos. O texto expirou neste ano, sem ser convertido em lei pelo Congresso.

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Até aqui, o Ministério Público Federal aponta 28 empreiteiras que teriam se organizado em cartel, ou foram beneficiadas por ele para desviar recursos da Petrobrás.

Construtoras como a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa já confessaram os crimes praticados por seus executivos - que fecharam acordos de delação premiada - e firmaram acordo de leniência com a Procuradoria. Só a Andrade concordou em devolver R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Segundo os procuradores da Lava Jato, a proposta abre possibilidade também para que empreiteiras recebam de volta bens bloqueados e os valores já ressarcidos aos cofres da Petrobrás.

"(A aprovação) impactaria todo o cenário de negociação de acordos de leniência que pode implicar no desinteresse das empresas em trazer novos fatos e informações de provas sobre crimes não descobertos", afirmou o procurador Deltan Dalagnoll, coordenador da Lava Jato em Curitiba.

A preocupação é também com um possível efeito dominó que a "anistia" poderia provocar nas delações premiadas, fechadas com pessoas físicas. "Por que fazer acordo, se você pode conseguir esse mesmo benefício através de uma acordo de leniência feito pela sua empresa? Teremos uma restrição desses acordos a pequenos operadores, talvez, de menor importância", disse Lima.

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Os procuradores afirmam que não é a primeira tentativa de alterações legais com objetivo de atingir às investigações de corrupção no País. Eles citam outros exemplos, como o projeto que muda a Lei de Abuso de Autoridade, a possibilidade de anistia a caixa 2 e a discussão sobre mudanças nas regras para repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior.

 

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Ajustes. O anteprojeto foi apresentado ontem ao ministro da Transparência, Torquato Jardim, pelo líder do governo e pelo ex-deputado Sandro Mabel, um dos principais assessores do presidente Michel Temer. Ao defender o projeto inicial, Moura disse que manteve "a espinha dorsal, o eixo principal" do texto de 2015. "Fizemos alguns ajustes, algumas mudanças, mediante as conversas que nós tivemos com as centrais patronais e as centrais dos trabalhadores."

Moura passou o dia ontem fazendo ajustes no texto, que não havia sido apresentado até o início da noite. A minuta do substitutivo, obtida pelo Estado, diz que os acordos serão celebrados pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, órgão de controle interno do governo, e as pastas correspondentes de cada ente da federação. Eles poderão assiná-los sozinhos ou em conjunto com o Ministério Público e a advocacia pública - no caso do governo federal, a Advocacia-Geral da União (AGU).

O parágrafo único, do Artigo 30, do substitutivo apresentado ontem "fere de morte a Lava Jato", afirmou Dallagnol. O texto diz: "O acordo de leniência poderá abranger, em relação às pessoas físicas envolvidas prática do ato ou que assinem o acordo em nome da pessoa jurídica, ações penais e por improbidade administrativa relacionadas ao objeto do acordo, mediante a extinção automática da respectiva punibilidade após o cumprimento de seus termos".

Mabel participou das negociações que envolveram empresários, centrais sindicais e autoridades e ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), que pleiteiam participação nas negociações. O Estado apurou que o líder do governo pretende incluir o tribunal entre os responsáveis pelas negociações.

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Na reunião com entidades no Planalto, o ministro da Transparência, Torquato Jardim, defendeu que o TCU seja contemplado. "A Constituição obriga (a participação do TCU)", disse. "A lei não resolve a questão institucional."

Questionado se o governo encampou o projeto, ele disse não saber e reiterou que, no encontro, só tratou na questão que envolve a participação de órgãos com "competência constitucional" para a celebração dos acordos.

Substitutivo. Além de dar margem para que empresários se livrem de ações penais e de improbidade, com extinção de punibilidade após o cumprimento do acordo de leniência, a minuta do substitutivo traz outras regras que limitam possibilidades de investigação e de cobrança de prejuízos às pessoas jurídicas que participam de desvios na administração pública.

Suprime, por exemplo, o trecho que exige a celebração do acordo apenas com a primeira empresa que manifestar interesse. Assim, outras envolvidas nas mesmas ilegalidades poderão ser contempladas e obter benefícios. A primeira proponente passa a ter o direito a 100% de abatimento na multa prevista na lei, de até 20% do faturamento. As demais poderão obter perdão de até dois terços da sanção.

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Carlos Fernando dos Santos Lima. Foto: Pedro Filho/EFE

Ofensiva. Para a força-tarefa da Lava jato, além de afastar a punição penal, a proposta abre brecha para que empreiteiras recebam de volta bens bloqueados e os valores já ressarcidos aos cofres da Petrobrás, na avaliação dos procuradores - que convocaram a imprensa horas depois de tomarem conhecimento do novo texto.

"Repetem-se aqui as tentativas do governo anterior de desfigurar a lei anti-corrupção, caracterizando-se essa manobra em intervenção na investigação da Operação Lava Jato e em outras dela decorrentes", afirmou a força-tarefa, em nota pública divulgada ontem. Nela, os procuradores do caso Petrobrás repudiaram a "tentativa de líderes partidários de votar em regime de urgência na Câmara dos Deputados" o projeto.

"Da maneira como está, é uma lei que favorece os corruptos", afirmou Carlos Lima. "Prejudicaria tanto, que não teríamos mais, efetivamente, uma Lava Jato."

 

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